15 de outubro de 2008

Blogagem coletiva: moradores de rua

A tarde cinzenta de 4 de setembro de 2008 não combinou com o ambiente franco, generoso, reflexivo e alegre da coletiva com os moradores de rua que participam do Boca de Rua na sede do GAPA em Porto Alegre.
A única mulher do grupo ficou fora da roda, observando atentamente e comentando, com seu amigo (outro que não quis compor a roda), as respostas dos parceiros, que se dispuseram, de peito aberto, falar de suas vidas, suas experiências, seus medos, suas anállises da realidade, seus projetos pessoais e suas proposições para uma vida melhor na cidade.
Participaram: Claudia Cardoso, Gustavo Türck, Têmis Nicoladis, Rafael Corrêa, Licurgo Urquiza, Eduardo Seidl, Cássio Maffazziolli, Nanda Isele Gallas Duarte, Manoel Madeira, Natália Alles (?), Clarinha Glock entre outros.
Na seqüência, alguns temas abordados:

Rua:
André: É que, na rua, existe muita maldade. Tem pessoas, amigos nossos da rua, que não dormem de noite e dormem de dia.
Fogaça: Na rua, ali, tem um lar.

Criminalização:
André: Assaltaram ali, aí tem 3, 4 moradores de rua ali. O primeiro ataque, é nos moradores de rua. Infelizmente.. infelizmente, não todos, mas a maioria da sociedade acha que nós, moradores de rua, nós somos ladrão, nós somos vagabundo.


Violência:
David: botaram fogo em mim. Eu tava dormindo, acordei, tava pegando fogo em mim, nos meus pés, nas cobertas, tudo. [...] Se eu quisesse me envolver com o tráfico de droga, ou mesmo com marginalização, criminalidade, eu já não taria aqui, conversando com vocês, trocando uma idéia,

Polícia:
Fogaça: quando chega os Brigadianos, como ontem, né? Ontem tava eu e a Michele, minha mulher que tá grávida, mais dois parceiros, ontem... Daí chegou aquela blitz da Brigada, né, não veio sozinha, veio com mais uns caras de moto também [inaudível]. Aí, tava dormindo lá, quando veio, chegou lá [inaudível], tá ligado, vamos se acordar aí... Daí... Daí vocês... mandaram chamar nós prum canto, né, aí encostou a viatura... [inaudível] vamos deixar esses bagulhinhos de vocês, esses trapos aí, vamos entrando pra viatura, vamos entrando a coiçada. [inaudível] lá no Palácio deles [inaudível] Era dez horas da manhã, sabe que horas nós fomos “saímos”? Três horas da tarde, meu. Tomamos um chá de banco lá, sem... com fome, não deixaram nem usar o banheiro lá deles lá.
David: A Brigada não tá deixando nem a gente ficar sentado mais!

Prisão:
Gilmar:Pois, graças a deus, né, para parar na prisão, alguma coisa a pessoa tem que fazer, porque a troco de vão, ninguém vai parar atrás de uma prisão. Então, eu prefiro mais a minha liberdade, né, que tá fazendo coisa pra tá incomodando, ou arrumando qualquer tipo de confusão.
Trabalho:
Don: jornal mudou a minha vida
André Luís: agora eu tenho uma coisa para me ocupar
David: Todo mundo que dorme durante o dia [inaudível]. Praticamente, quem trabalha durante o dia, dorme durante a noite.

Rap:
Don: porque geralmente quando a gente vai se apresentar em algum lugar aqui, ninguém acredita que nós somos moradores de rua


Política:
Fogaça:Só falam que vão cuidar da cidade, e quando vê, faz tudo errado. O cara vota, vota nele e, quando vai ver, ó...
Don: Eu tenho 31 anos, eu nunca tirei o meu título, porque eu não gosto de votar...
Andrè: Eu sou um cara que eu voto. [...] o que que elas vão fazer com os moradores de rua?
Yeda Cruisus:
Fogaça: Quem votou nessa Yeda aí, oh, nada a ver... Essa tia nem faz parte do RS, ela é paulista ainda. Ela faz parte... aonde ela fica? Só fica de convite para jantar, tá com medo...
David: Yeda ou o que que é. Que eles... * é pra tirar todo o pessoal da rua. Mas vai botar onde? Dentro da casa dela?

Medo:
Don: Sobreviver na rua é um inferno.

Saúde:
André: Embora a gente queira fazer o tratamento certinho, mas aí alguém que tá na rua. [...] Mas onde eu vou fazer o tratamento certinho, se eu não tenho como me deslocar toda hora? Fica difícil, né? Claro que eu quero me tratar, quero viver um pouco mais, mas... eu já não tendo isso já me dificulta de eu fazer o tratamento. [...] A SAMU não gosta muito de levar morador de rua.

Pra vida melhorar:
Fogaça: Ah, mais trabalho!


Albergues:
André:são 1700 moradores de rua, 3 abrigos não cobre tudo isso. Sendo que cada um tem uma meta de entrar. Vamos supor: municipal, é 150 vagas. Se entrou 150, não importa que tenha 70 lá na rua, vão ficar na rua, não entra. Eles fala: é só aquela quota ali e deu. E os outros, daí por diante, também tem uma quota. Don: se ele não tem identidade, ou um BO, ele não entra. Se ele tá sujo vai numa delegacia fazer um BO. Solidariedade: Fogaça: a mulher ajudou muito nós do apartamento... David: Graças a duas moças do apartamento foi que chamaram a SAMU. [...] Eu tenho ido no posto lá na Cruzeiro, não consegui o medicamento. Don: Ah, eu ajudo muito os moradores de rua, por que eu já sofri muito na rua também entendeu?


Leia a longa entrevista AQUI.
Fotos: Claudia Cardoso e Clarinha Clok

Um comentário:

Carla Beatriz disse...

Claudia,

Li toda a entrevista. Eu me comovi com algumas passagens, principalmente naquela em que roubaram as roupinhas que haviam sido compradas para o bebê.