Foto: Tânia Meinerz / Jornal Já
Chutar cachorro morto, pra quê?
Escrito por Thiago Esser
No dia 3 de maio de 2007, fui visitar Santiago na sua residência em Porto Alegre. O cartunista foi muito simpático desde a primeira vez que conversamos por telefone, para agendar a entrevista. Perguntou se eu levaria gravador, ao que eu respondi que não, a príncipio. "Ah é? Pra eu dizer uma coisa e depois tu escrever o contrário?", brincou. No fim das contas, levei, o que acabou sendo essencial para transcrever todas as opiniões e algumas expressões e frases engraçadas como essa do título, um alerta para os chargistas falarem sobre as coisas que realmente importam na atualidade.
Escrito por Thiago Esser
No dia 3 de maio de 2007, fui visitar Santiago na sua residência em Porto Alegre. O cartunista foi muito simpático desde a primeira vez que conversamos por telefone, para agendar a entrevista. Perguntou se eu levaria gravador, ao que eu respondi que não, a príncipio. "Ah é? Pra eu dizer uma coisa e depois tu escrever o contrário?", brincou. No fim das contas, levei, o que acabou sendo essencial para transcrever todas as opiniões e algumas expressões e frases engraçadas como essa do título, um alerta para os chargistas falarem sobre as coisas que realmente importam na atualidade.
Thiago - Estou escrevendo meu trabalho de conclusão para o curso de Publicidade e Propaganda, que trata basicamente sobre a relação do humor gráfico com a publicidade. Você já fez muitos trabalhos na área?
Santiago - Diretamente com anúncio ou produto, fiz pouca coisa. Eu fiz muito folheto, muito folder. Quando eu trabalhava na Folha da Tarde, eu fiz um personagem pra Panambra, empresa de consórcios. Uma campanha grande... tinha anúncio em jornal, foi pra TV, tinha inclusive um spot de rádio que simulava a voz do personagem. Depois fiz um calendário pra Ipiranga. Há uns três anos fiz uma ilustração por Liquida Porto Alegre, uma panorâmica de uma feira de rua. Antigamente, eu era chamado pelas agências como free-lancer, mas fiz muito poucas grandes campanhas. Fiz mais coisas de pouca veiculação. Numa outra campanha que ilustrei pra J.H. Santos, o redator inventou uma série de piadas que girava em torno do mote “os direitos humanos do verão”, que eram: o direito de tomar uma cerveja gelada, de mergulhar no mar etc. Eu sempre tive um pezinho na propaganda, mas hoje em dia as agências me chamam uma vez por ano, e olhe lá...
Uma coisa interessante – estranha – é que a publicidade tem utilizado muito a linguagem do humor, mas muito pouco o cartum. Quando utiliza, é um desenhista anônimo, que não tem um estilo próprio. Há uns três ou quatro anos, teve uma campanha de cigarro, do Charm se não me engano, com um desenho linear, na linguagem do cartum, inspirado em Sempé. Mas acaba sendo aquela coisa da publicidade de fagocitar um estilo daqui, outro dali. Então eles copiaram o estilo do Sempé, pegaram um desenhista que era habilidoso, mas que não tinha estilo, não tinha assinatura, não tinha nada.
O ilustrador perdeu sua força na publicidade. Nas décadas de 50 e 60, o ilustrador era um cara forte nas agências. Hoje é a fotografia, aquela coisa digitalizada. Esses dias eu vi uma campanha na TV que achei de boa qualidade, da Volkswagen, com desenho vetorial e animado. O mercado podia se abrir pra esse lado.
Thiago - Você ilustraria para uma campanha de qualquer produto?
Santiago - É claro que a gente tem muitos pudores. Tem assuntos complicados. Por exemplo, eu não sei se faria uma campanha de agrotóxico rural. Não... por questões ideológicas, jamais faria. Um exemplo do que não se deve fazer é o que fez o Zeca Pagodinho, trocando de uma cerveja por outra. Claro que é tudo uma farsa, mas mesmo dentro disso o cara tem que manter uma imagem, alguma coerência. “Ah... Foi pra outra por que pagou mais...” Tem que cuidar a forma como tu associas o nome a um produto. O Pelé fazendo propaganda de remédio é complicadíssimo, pois a auto-medicação é um grande problema no Brasil. É condenável, ainda mais se tratando de um ídolo. Sabe-se lá o efeito que isso pode ter.
Santiago - Diretamente com anúncio ou produto, fiz pouca coisa. Eu fiz muito folheto, muito folder. Quando eu trabalhava na Folha da Tarde, eu fiz um personagem pra Panambra, empresa de consórcios. Uma campanha grande... tinha anúncio em jornal, foi pra TV, tinha inclusive um spot de rádio que simulava a voz do personagem. Depois fiz um calendário pra Ipiranga. Há uns três anos fiz uma ilustração por Liquida Porto Alegre, uma panorâmica de uma feira de rua. Antigamente, eu era chamado pelas agências como free-lancer, mas fiz muito poucas grandes campanhas. Fiz mais coisas de pouca veiculação. Numa outra campanha que ilustrei pra J.H. Santos, o redator inventou uma série de piadas que girava em torno do mote “os direitos humanos do verão”, que eram: o direito de tomar uma cerveja gelada, de mergulhar no mar etc. Eu sempre tive um pezinho na propaganda, mas hoje em dia as agências me chamam uma vez por ano, e olhe lá...
Uma coisa interessante – estranha – é que a publicidade tem utilizado muito a linguagem do humor, mas muito pouco o cartum. Quando utiliza, é um desenhista anônimo, que não tem um estilo próprio. Há uns três ou quatro anos, teve uma campanha de cigarro, do Charm se não me engano, com um desenho linear, na linguagem do cartum, inspirado em Sempé. Mas acaba sendo aquela coisa da publicidade de fagocitar um estilo daqui, outro dali. Então eles copiaram o estilo do Sempé, pegaram um desenhista que era habilidoso, mas que não tinha estilo, não tinha assinatura, não tinha nada.
O ilustrador perdeu sua força na publicidade. Nas décadas de 50 e 60, o ilustrador era um cara forte nas agências. Hoje é a fotografia, aquela coisa digitalizada. Esses dias eu vi uma campanha na TV que achei de boa qualidade, da Volkswagen, com desenho vetorial e animado. O mercado podia se abrir pra esse lado.
Thiago - Você ilustraria para uma campanha de qualquer produto?
Santiago - É claro que a gente tem muitos pudores. Tem assuntos complicados. Por exemplo, eu não sei se faria uma campanha de agrotóxico rural. Não... por questões ideológicas, jamais faria. Um exemplo do que não se deve fazer é o que fez o Zeca Pagodinho, trocando de uma cerveja por outra. Claro que é tudo uma farsa, mas mesmo dentro disso o cara tem que manter uma imagem, alguma coerência. “Ah... Foi pra outra por que pagou mais...” Tem que cuidar a forma como tu associas o nome a um produto. O Pelé fazendo propaganda de remédio é complicadíssimo, pois a auto-medicação é um grande problema no Brasil. É condenável, ainda mais se tratando de um ídolo. Sabe-se lá o efeito que isso pode ter.
Thiago - Como você enxerga o humor gráfico em relação à Comunicação?
Santiago - No jornalismo é bem mais complicado do que na publicidade. Não tem essa de dizer que está tudo liberado, porque isso não existe, sobretudo quando se fala de algo que envolve negócios. Eles censuram mesmo. A grande complicação com os jornais é que a minha visão é a visão do povo, da massa, e a visão dos jornais é a visão do dono, do grande empresário. Se eu for ter a visão dos empresários, eu vou advogar por salários cada vez mais baixos. Eu não posso fazer coro ao que eles dizem. Todo jornal que sobrevive é uma empresa, que às vezes representa só uma parcela dentro de um grupo maior. Então, existe uma gama de assuntos intocáveis que ferem os negócios. Mas eu tenho que ouvir o que o povão está reivindicando: melhores salários, melhores transportes, melhores condições de vida...
Eu me considero um jornalista. Um jornalista de opinião, por isso um pouco diferenciado. Como um cronista. A charge é pura opinião! É impossível fazer uma charge neutra. O humor está na tomada de posição. Se tu vês alguém escorregar numa casca de banana e cair, e tu dá risada, tu estás tomando uma posição, tu não estás sendo compreensivo com aquele camarada. O humor é crítico, a não ser que tu vás fazer humor de costumes, falar sobre modas da rua, ou falar sobre futebol, que é uma coisa que dá pra falar sem se comprometer.
O jornalismo esportivo no Brasil, na realidade, é jornalismo futebolístico. É o que a massa quer, mas essa coisa tem que ser melhor pensada. Se tu mostrares linchamento, degolamento, a massa também vai adorar. Não é bem assim que tem que ser. Então, é tudo muito complicado e complexo. Não dá pra simplesmente responder a todas as demandas de mercado, a gente tem que acrescentar algo mais. É o que tento fazer na crítica do cartum e da charge, mostrar um outro lado, atacar aquilo que é unanimidade pra gerar um debate, uma discussão.
Thiago - E no espaço de uma charge, você consegue dizer tudo o que pensa?
Santiago - O espaço da charge é bastante limitado, dá pra dar só uma pitadinha sobre o assunto, não dá pra esgotá-lo. Isso dá até uma certa ansiedade na gente, uma certa frustração. “Pô, eu não disse tudo o que tinha pra dizer!” Eu vejo tudo como um panelão em que as coisas estão fervendo. Se tu deixas ferver demais, a parte de baixo começa a queimar. A comida só vai ser boa se alguém impedir que isso aconteça. Eu me sinto muito na obrigação de mexer no fundo do panelão, ou seja, de remexer naquelas coisas que ninguém está vendo, traze-las à tona. Às vezes, eu faço um desenho que além de ser uma crítica e peça de humor, tem que explicar o tema que eu quero abordar, porque o jornal não está dizendo! Isso não é bom.
Por exemplo, outro dia tive que explicar um assunto: o Brasil está perto de aprovar uma lei de importação de pneus velhos da Europa. Existem muitas lacunas deixadas pelos jornais, de assuntos como esse que são ignorados. Aí o desenho corre o risco de ficar perdido, ”que artista louco, mas do quê ele está falando?!” É complicado... Porque esses assuntos são os que realmente importam. O resto é ficar chutando cachorro morto, falar do que já é evidente. Na semana passada, vi várias charges sobre a morte do Boris Yeltsen dizendo: “Ah... ele era um bêbado!” Mas e daí? Falar sobre isso é algo muito banal! Tem que haver um critério.
É muito complicado tu ser um humorista e não ser um bobalhão. Eu quero ser um humorista! Na tradição do Bernard Shaw, do Mark Twain, do Millôr Fernandes, do Stanislaw Ponte Preta... que é aquele cara que enxerga o problema, que mostra-o de uma forma humorada, mas mostra-o, sem ficar fazendo gracinha como é praxe no humor da TV. Aí vira coisa de bobo da corte. O Diário Gaúcho tem uma charge bem desenhada, mas que é de “humor bobo da corte”. Fala de futebol, dupla Gre-nal, hahaha (dá uma risada forçada)... Pra quê eu vou falar de futebol? Eu vou falar sobre coisas que ninguém está falando, ou então dar uma opinião diferente. Daqui a pouco está toda a imprensa comprometida com a Aracruz, a Gaúcha, a Guaíba, todo mundo bombardeando: “Porque o grande investimento...” Não! Eu quero falar sobre o lado ecológico. Nem todo investimento é tão bom quanto parece. Eu vou usar meu espaço para alertar: “Cuidado! O Eucalipto é exótico, prejudica o solo etc.” O Lasier Martins entra em pânico, “porque, ah, os investimentos vão embora!” Parece que é o dinheiro dele que vai embora. Claro! A empresa tem anúncios. É o típico caso em que a população toda é jogada no lixo, a empresa não. Eu vou sempre tentar falar nisso, o jornal vai tentar me cortar, mas eu vou estar sempre em cima. Eu procuro sempre constranger os meus editores: “Mas e aí, onde é que fica o nosso sagrado dever como jornalistas?” Uma vez no Jornal do Comércio eu toquei no assunto dos transgênicos e aí vieram me dizer: “Deixa os fazendeiros, eles estão bem faceiros!” O nosso compromisso é com quem vai comer esses produtos (que é maioria) e não com quem ganha dinheiro em cima deles (a minoria).
Em geral, quando tem alguma coisa nos meus desenhos que incomoda, é porque tem algo de verdadeiro neles. Já percebi isso diversas vezes. Se não fosse verdade, não incomodava. Eu já trabalhei na Folha da Tarde, no Correio do Povo, no Estadão, durante o período Collor, onde fui extremamente censurado. Quando eu queria falar mal do Collor, alertar para o perigo que ele representava, eu não podia. Depois que ele foi derrubado, aí quem não queria mais era eu! Chutar cachorro morto, pra quê?
Thiago - Durante o período da ditadura no Brasil, você chegou a ser censurado?
Santiago - Eu não conheci censura durante a ditadura. Em 74, 75, na Folha da Tarde, os censores já estavam se retirando completamente das redações, pois entendiam que os donos dos jornais já faziam o seu trabalho, e muito melhor do que eles.
Não existe censura maior que a do anunciante. Ninguém fala da Coca-Cola, por exemplo. Alguém por acaso faz uma matéria sobre a Coca-cola, pra saber como ela é feita, se tem ou não tem cocaína, como dizem? Não, é tabu. O Chico Caruso contou uma história de uma charge que fez em que citava a Coca-cola. Em seguida, ele foi chamado por Roberto Marinho, que lhe disse: “Você pode mexer com quem quiser, mas não mexa com os meus anunciantes.”
Certa vez, num jornal chamado Diário do Sul, daqui de Porto Alegre, os jornalistas passaram pelo seguinte dilema: eles tinham feito uma matéria sobre os efeitos da poluição da Riocel, indústria de celulose, e na mesma edição deveriam publicar um anúncio dessa indústria. Publicar ou não publicar a matéria? Foi a única vez que vi isso acontecer, os jornalistas poderem se juntar e decidir. Obviamente, decidiram por publicar a matéria.
Teve outra vez um salão de humor no Canadá, patrocinado pela Coca-Cola, onde havia vários desenhos metendo pau nela, ninguém censurava. Foi uma postura liberal, democrática. Nos países ricos eles até fazem isso.
Santiago - No jornalismo é bem mais complicado do que na publicidade. Não tem essa de dizer que está tudo liberado, porque isso não existe, sobretudo quando se fala de algo que envolve negócios. Eles censuram mesmo. A grande complicação com os jornais é que a minha visão é a visão do povo, da massa, e a visão dos jornais é a visão do dono, do grande empresário. Se eu for ter a visão dos empresários, eu vou advogar por salários cada vez mais baixos. Eu não posso fazer coro ao que eles dizem. Todo jornal que sobrevive é uma empresa, que às vezes representa só uma parcela dentro de um grupo maior. Então, existe uma gama de assuntos intocáveis que ferem os negócios. Mas eu tenho que ouvir o que o povão está reivindicando: melhores salários, melhores transportes, melhores condições de vida...
Eu me considero um jornalista. Um jornalista de opinião, por isso um pouco diferenciado. Como um cronista. A charge é pura opinião! É impossível fazer uma charge neutra. O humor está na tomada de posição. Se tu vês alguém escorregar numa casca de banana e cair, e tu dá risada, tu estás tomando uma posição, tu não estás sendo compreensivo com aquele camarada. O humor é crítico, a não ser que tu vás fazer humor de costumes, falar sobre modas da rua, ou falar sobre futebol, que é uma coisa que dá pra falar sem se comprometer.
O jornalismo esportivo no Brasil, na realidade, é jornalismo futebolístico. É o que a massa quer, mas essa coisa tem que ser melhor pensada. Se tu mostrares linchamento, degolamento, a massa também vai adorar. Não é bem assim que tem que ser. Então, é tudo muito complicado e complexo. Não dá pra simplesmente responder a todas as demandas de mercado, a gente tem que acrescentar algo mais. É o que tento fazer na crítica do cartum e da charge, mostrar um outro lado, atacar aquilo que é unanimidade pra gerar um debate, uma discussão.
Thiago - E no espaço de uma charge, você consegue dizer tudo o que pensa?
Santiago - O espaço da charge é bastante limitado, dá pra dar só uma pitadinha sobre o assunto, não dá pra esgotá-lo. Isso dá até uma certa ansiedade na gente, uma certa frustração. “Pô, eu não disse tudo o que tinha pra dizer!” Eu vejo tudo como um panelão em que as coisas estão fervendo. Se tu deixas ferver demais, a parte de baixo começa a queimar. A comida só vai ser boa se alguém impedir que isso aconteça. Eu me sinto muito na obrigação de mexer no fundo do panelão, ou seja, de remexer naquelas coisas que ninguém está vendo, traze-las à tona. Às vezes, eu faço um desenho que além de ser uma crítica e peça de humor, tem que explicar o tema que eu quero abordar, porque o jornal não está dizendo! Isso não é bom.
Por exemplo, outro dia tive que explicar um assunto: o Brasil está perto de aprovar uma lei de importação de pneus velhos da Europa. Existem muitas lacunas deixadas pelos jornais, de assuntos como esse que são ignorados. Aí o desenho corre o risco de ficar perdido, ”que artista louco, mas do quê ele está falando?!” É complicado... Porque esses assuntos são os que realmente importam. O resto é ficar chutando cachorro morto, falar do que já é evidente. Na semana passada, vi várias charges sobre a morte do Boris Yeltsen dizendo: “Ah... ele era um bêbado!” Mas e daí? Falar sobre isso é algo muito banal! Tem que haver um critério.
É muito complicado tu ser um humorista e não ser um bobalhão. Eu quero ser um humorista! Na tradição do Bernard Shaw, do Mark Twain, do Millôr Fernandes, do Stanislaw Ponte Preta... que é aquele cara que enxerga o problema, que mostra-o de uma forma humorada, mas mostra-o, sem ficar fazendo gracinha como é praxe no humor da TV. Aí vira coisa de bobo da corte. O Diário Gaúcho tem uma charge bem desenhada, mas que é de “humor bobo da corte”. Fala de futebol, dupla Gre-nal, hahaha (dá uma risada forçada)... Pra quê eu vou falar de futebol? Eu vou falar sobre coisas que ninguém está falando, ou então dar uma opinião diferente. Daqui a pouco está toda a imprensa comprometida com a Aracruz, a Gaúcha, a Guaíba, todo mundo bombardeando: “Porque o grande investimento...” Não! Eu quero falar sobre o lado ecológico. Nem todo investimento é tão bom quanto parece. Eu vou usar meu espaço para alertar: “Cuidado! O Eucalipto é exótico, prejudica o solo etc.” O Lasier Martins entra em pânico, “porque, ah, os investimentos vão embora!” Parece que é o dinheiro dele que vai embora. Claro! A empresa tem anúncios. É o típico caso em que a população toda é jogada no lixo, a empresa não. Eu vou sempre tentar falar nisso, o jornal vai tentar me cortar, mas eu vou estar sempre em cima. Eu procuro sempre constranger os meus editores: “Mas e aí, onde é que fica o nosso sagrado dever como jornalistas?” Uma vez no Jornal do Comércio eu toquei no assunto dos transgênicos e aí vieram me dizer: “Deixa os fazendeiros, eles estão bem faceiros!” O nosso compromisso é com quem vai comer esses produtos (que é maioria) e não com quem ganha dinheiro em cima deles (a minoria).
Em geral, quando tem alguma coisa nos meus desenhos que incomoda, é porque tem algo de verdadeiro neles. Já percebi isso diversas vezes. Se não fosse verdade, não incomodava. Eu já trabalhei na Folha da Tarde, no Correio do Povo, no Estadão, durante o período Collor, onde fui extremamente censurado. Quando eu queria falar mal do Collor, alertar para o perigo que ele representava, eu não podia. Depois que ele foi derrubado, aí quem não queria mais era eu! Chutar cachorro morto, pra quê?
Thiago - Durante o período da ditadura no Brasil, você chegou a ser censurado?
Santiago - Eu não conheci censura durante a ditadura. Em 74, 75, na Folha da Tarde, os censores já estavam se retirando completamente das redações, pois entendiam que os donos dos jornais já faziam o seu trabalho, e muito melhor do que eles.
Não existe censura maior que a do anunciante. Ninguém fala da Coca-Cola, por exemplo. Alguém por acaso faz uma matéria sobre a Coca-cola, pra saber como ela é feita, se tem ou não tem cocaína, como dizem? Não, é tabu. O Chico Caruso contou uma história de uma charge que fez em que citava a Coca-cola. Em seguida, ele foi chamado por Roberto Marinho, que lhe disse: “Você pode mexer com quem quiser, mas não mexa com os meus anunciantes.”
Certa vez, num jornal chamado Diário do Sul, daqui de Porto Alegre, os jornalistas passaram pelo seguinte dilema: eles tinham feito uma matéria sobre os efeitos da poluição da Riocel, indústria de celulose, e na mesma edição deveriam publicar um anúncio dessa indústria. Publicar ou não publicar a matéria? Foi a única vez que vi isso acontecer, os jornalistas poderem se juntar e decidir. Obviamente, decidiram por publicar a matéria.
Teve outra vez um salão de humor no Canadá, patrocinado pela Coca-Cola, onde havia vários desenhos metendo pau nela, ninguém censurava. Foi uma postura liberal, democrática. Nos países ricos eles até fazem isso.
Thiago - Se na grande imprensa não se diz o que importa, quem vai dizer? A imprensa nanica?
Santiago - A imprensa nanica ninguém lê. Hoje em dia tem os blogues, que estão funcionando muito bem. Mas a classe média baixa não tem acesso a isso. Então, eu vejo assim, um beco sem saída pra Comunicação. Talvez uma solução seja a TV pública, nos moldes da BBC, que é independente de anunciantes e do governo. Tem conselhos públicos que decidem o que vai ser veiculado.
Eu sou muito pessimista em relação à Comunicação, à situação do Brasil. A gente vive nesse impasse: num jornal que ninguém lê, tu podes dizer o que bem entende; agora, no caso do Estadão, por exemplo, que era distribuído pra todo o Brasil, qualquer coisa era motivo pra me cortarem. Aí eu dizia: “Então vou fazer uma ilustração ao invés de uma charge!” Era como se me pedissem um desenho neutro sobre o nazismo, não tem como! O Verissimo escreveu uma vez sobre os jornalistas que cobriam a Guerra do Golfo, que eram jornalistas neutros e tudo o mais, mas como pessoas, eram um desastre! Tem como ser neutro diante dessas situações?
Como eu ia te dizendo, eu tinha que fazer praticamente uma ilustração, algo que não queria dizer nada. Então eu saí do Estadão. Eu pensava: todo mundo tá me vendo, do Acre ao Chuí, mas de que maneira? Como um cagalhão! Então não quero. Prefiro ficar no meu anonimato aqui no sul do Brasil.
Olha o exemplo do Faustão. Ele tinha o programa dele antigamente, dizia o que queria, era engraçado, era ele mesmo. Depois a globo fez uma proposta pra ele, “tu vai ter uma audiência fabulosa, só que tu vai ser um idiota...”. Que tu vai dizer pros teus filhos depois disso? Tu vai ser uma merda, um bosta.
Thiago - Você se diz um pessimista em relação à situação mundial, mas ao mesmo tempo continua batalhando por alguns ideais, né?
Santiago - É verdade. Quando eu quero que um desenho seja publicado, quando luto por isso, eu alimento uma esperança. Mas quando eu paro pra pensar... é uma coisa maluca! As empresas fazem um discurso bonito sobre aquecimento global, mas na prática todas fodem o meio ambiente.
As empresas poderiam produzir de acordo com nossas necessidades. Por exemplo, há muito desperdício de papel. Eu não pego mais aqueles folhetinhos na rua. Pra quê um supermercado tem que fazer um impresso, em papel couché, com as ofertas da semana? O computador veio em boa hora, nesse sentido. Eu acho que as coisas boas têm que continuar sendo impressas. Têm publicações que é evidente que são besteira, tipo revista Tititi, Amiga etc.
Thiago - Você acredita na capacidade de mobilização a partir do humor?
Santiago - O Quino, por exemplo, com 70 e poucos anos, tem consciência de que seus trabalhos não mudaram muita coisa. A Mafalda era pra ser uma tira que mostraria o cotidiano junto aos eletrodomésticos, embora não chegasse a ser aquela propaganda subliminar na maldade. Como publicidade não deu certo, então acho que o Quino resolveu falar tudo aquilo que ele pensava através dela, “essa guria vai ser minha porta voz!”. Se fosse uma campanha de sucesso, talvez virasse um gimick e um depois de um tempo seria esquecida. Foi o errado que deu certo.
Thiago - O meio em que o humor é feito influencia no resultado?
Santiago - A televisão tem um alcance muito grande. O Casseta e Planeta deu uma renovada no humor. Mesmo agora que eles já tão mais desgastados acho, eles continuam fazendo uma crítica “porrada” ainda.
Tem uma charge que eu faço pro Sindicato dos Professores. Quem lê, basicamente, são pessoas dessa classe. Eu trato de assuntos correntes, de que, em geral, eles já ouviram falar, como esse aqui, que fala da violência urbana (Santiago me mostra uma charge publicada no Jornal Extra Classe, em março de 2007). Então acabo dizendo coisas que as pessoas já sabem. Eu queria publicar essa mesma charge no Diário Gaúcho, pra quem isso aqui talvez seja novidade. O importante pra mim é suscitar o debate.
Thiago - Você mudou muito do início da sua carreira pra cá?
Santiago - O meu desenho, desde que eu comecei, foi ficando mais sofisticado. Fui trabalhando melhor a sombra, a perspectiva. Os meus desenhos do início de carreira era mais simples e mais ingênuos, mas talvez esse seja o tipo de desenho mais engraçado, é só tu ver o desenho do Jaguar, por exemplo.
Acho que com a velhice a gente fica cada vez menos esperançoso. Eu sei que o buracão tá logo ali na frente, eu tô com 56 anos, tenho mais uns 20 pela frente. O Paulo Francis, mais por fim da vida, tornou-se um cara cínico. “Ah, vou sair do Pasquim, pra parar de ir preso, de tomar porrada, e vou trabalhar pra Rede Globo, vou pra Nova York, visitar os museus, ver as óperas da Broadway, com a condição de dizer aquilo que o Roberto Marinho quer que eu diga, mas tudo bem”. Aí ele dizia que “pobre que é sem vergonha mesmo, que os irlandeses é que são uns vagabundos, tem que tomar pau dos ingleses”, e os caras da Globo adoravam.A mesma coisa acontece com o Diogo Mainardi, com o Mendelski, todos ganhando alta grana. Dá vontade de o cara virar sem vergonha também: vou fazer umas “charge olho-do-cú”, umas “charge cagalhona”, dizendo que pobre é sem-vergonha, que tem que matar os sem-terra mesmo. Esse é um pensamento bem rasteiro. O cara pensa com o instinto, e o instinto manda matar teu inimigo. Mas, agora, se todo mundo for agir assim...
Thiago - Obrigado pela entrevista.
Santiago - Consegui estragar teu dia, né? Peraí que eu vou te dar um presente, ninguém sai daqui sem levar um presente. (Santiago me entrega um cartaz feito para o Fórum Social Mundial, que contém uma charge sua).
Santiago - A imprensa nanica ninguém lê. Hoje em dia tem os blogues, que estão funcionando muito bem. Mas a classe média baixa não tem acesso a isso. Então, eu vejo assim, um beco sem saída pra Comunicação. Talvez uma solução seja a TV pública, nos moldes da BBC, que é independente de anunciantes e do governo. Tem conselhos públicos que decidem o que vai ser veiculado.
Eu sou muito pessimista em relação à Comunicação, à situação do Brasil. A gente vive nesse impasse: num jornal que ninguém lê, tu podes dizer o que bem entende; agora, no caso do Estadão, por exemplo, que era distribuído pra todo o Brasil, qualquer coisa era motivo pra me cortarem. Aí eu dizia: “Então vou fazer uma ilustração ao invés de uma charge!” Era como se me pedissem um desenho neutro sobre o nazismo, não tem como! O Verissimo escreveu uma vez sobre os jornalistas que cobriam a Guerra do Golfo, que eram jornalistas neutros e tudo o mais, mas como pessoas, eram um desastre! Tem como ser neutro diante dessas situações?
Como eu ia te dizendo, eu tinha que fazer praticamente uma ilustração, algo que não queria dizer nada. Então eu saí do Estadão. Eu pensava: todo mundo tá me vendo, do Acre ao Chuí, mas de que maneira? Como um cagalhão! Então não quero. Prefiro ficar no meu anonimato aqui no sul do Brasil.
Olha o exemplo do Faustão. Ele tinha o programa dele antigamente, dizia o que queria, era engraçado, era ele mesmo. Depois a globo fez uma proposta pra ele, “tu vai ter uma audiência fabulosa, só que tu vai ser um idiota...”. Que tu vai dizer pros teus filhos depois disso? Tu vai ser uma merda, um bosta.
Thiago - Você se diz um pessimista em relação à situação mundial, mas ao mesmo tempo continua batalhando por alguns ideais, né?
Santiago - É verdade. Quando eu quero que um desenho seja publicado, quando luto por isso, eu alimento uma esperança. Mas quando eu paro pra pensar... é uma coisa maluca! As empresas fazem um discurso bonito sobre aquecimento global, mas na prática todas fodem o meio ambiente.
As empresas poderiam produzir de acordo com nossas necessidades. Por exemplo, há muito desperdício de papel. Eu não pego mais aqueles folhetinhos na rua. Pra quê um supermercado tem que fazer um impresso, em papel couché, com as ofertas da semana? O computador veio em boa hora, nesse sentido. Eu acho que as coisas boas têm que continuar sendo impressas. Têm publicações que é evidente que são besteira, tipo revista Tititi, Amiga etc.
Thiago - Você acredita na capacidade de mobilização a partir do humor?
Santiago - O Quino, por exemplo, com 70 e poucos anos, tem consciência de que seus trabalhos não mudaram muita coisa. A Mafalda era pra ser uma tira que mostraria o cotidiano junto aos eletrodomésticos, embora não chegasse a ser aquela propaganda subliminar na maldade. Como publicidade não deu certo, então acho que o Quino resolveu falar tudo aquilo que ele pensava através dela, “essa guria vai ser minha porta voz!”. Se fosse uma campanha de sucesso, talvez virasse um gimick e um depois de um tempo seria esquecida. Foi o errado que deu certo.
Thiago - O meio em que o humor é feito influencia no resultado?
Santiago - A televisão tem um alcance muito grande. O Casseta e Planeta deu uma renovada no humor. Mesmo agora que eles já tão mais desgastados acho, eles continuam fazendo uma crítica “porrada” ainda.
Tem uma charge que eu faço pro Sindicato dos Professores. Quem lê, basicamente, são pessoas dessa classe. Eu trato de assuntos correntes, de que, em geral, eles já ouviram falar, como esse aqui, que fala da violência urbana (Santiago me mostra uma charge publicada no Jornal Extra Classe, em março de 2007). Então acabo dizendo coisas que as pessoas já sabem. Eu queria publicar essa mesma charge no Diário Gaúcho, pra quem isso aqui talvez seja novidade. O importante pra mim é suscitar o debate.
Thiago - Você mudou muito do início da sua carreira pra cá?
Santiago - O meu desenho, desde que eu comecei, foi ficando mais sofisticado. Fui trabalhando melhor a sombra, a perspectiva. Os meus desenhos do início de carreira era mais simples e mais ingênuos, mas talvez esse seja o tipo de desenho mais engraçado, é só tu ver o desenho do Jaguar, por exemplo.
Acho que com a velhice a gente fica cada vez menos esperançoso. Eu sei que o buracão tá logo ali na frente, eu tô com 56 anos, tenho mais uns 20 pela frente. O Paulo Francis, mais por fim da vida, tornou-se um cara cínico. “Ah, vou sair do Pasquim, pra parar de ir preso, de tomar porrada, e vou trabalhar pra Rede Globo, vou pra Nova York, visitar os museus, ver as óperas da Broadway, com a condição de dizer aquilo que o Roberto Marinho quer que eu diga, mas tudo bem”. Aí ele dizia que “pobre que é sem vergonha mesmo, que os irlandeses é que são uns vagabundos, tem que tomar pau dos ingleses”, e os caras da Globo adoravam.A mesma coisa acontece com o Diogo Mainardi, com o Mendelski, todos ganhando alta grana. Dá vontade de o cara virar sem vergonha também: vou fazer umas “charge olho-do-cú”, umas “charge cagalhona”, dizendo que pobre é sem-vergonha, que tem que matar os sem-terra mesmo. Esse é um pensamento bem rasteiro. O cara pensa com o instinto, e o instinto manda matar teu inimigo. Mas, agora, se todo mundo for agir assim...
Thiago - Obrigado pela entrevista.
Santiago - Consegui estragar teu dia, né? Peraí que eu vou te dar um presente, ninguém sai daqui sem levar um presente. (Santiago me entrega um cartaz feito para o Fórum Social Mundial, que contém uma charge sua).
3 comentários:
Querida Cláudia, esse é o nosso 'Grande Santiago'!
Além de meu 'conterrâneo', é um companheiro e chargista lúcido,criativo,corajoso,criativo - um artista de 'mão cheia'!
Abraço,
Júlio Garcia
jc-garcia.zip.net
É o Santiago Santiago - a véia na veia - nada a ver com tchê music e outras niu barbaridades.
Olá, estou colocando um link para o seu blog no meu, sinta-se a vontade se quiser fazer isso por aqui.
Um abraço e parabéns!
mostradordepensamentos.blogger.com
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