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18 de dezembro de 2010

A prisão infernal de Bradley Manning

Denver Nicks - The Daily Beast, 17/12/2010

Bradley Manning, que supostamente vazou centenas de milhares de documentos secretos do governo para Julian Assange, do WikiLeaks, completa 23 anos de idade nesta sexta-feira, na prisão. Denver Nicks, de The Daily Beast, fez entrevista exclusiva com o advogado de Manning, que fala de seu confinamento solitário, do que ele lê (de George W. Bush a Howard Zinn) e da estratégia jurídica que pretende seguir.

Da última vez em que Bradley Manning viu o mundo do lado de fora de uma prisão, a maioria dos americanos nunca tinha ouvido falar do Wikileaks. Nesta sexta-feira, Manning, o homem que alegadamente vazou documentos sigilosos, colocando no mapa o site e seu polêmico líder, Julian Assange, completa 23 anos de idade atrás das grades. Desde sua prisão, em maio, Manning passou a maior parte desses mais de 200 dias em confinamento solitário. Fora receber um cartão e alguns livros da família, seu aniversário não será diferente. O advogado David Coombs revela detalhes importantes sobre Manning, a prisão e os gestos delicados de sua família que lhe trazem um pouco de conforto nessas duras condições carcerárias.

"Eles escrevem que pensam nele e em seu aniversário, que o amam e apoiam", disse Coombs sobre a família Manning. A tia, em nome dos pais e da irmã, enviou cartão na quarta-feira pelo advogado, e Manning respondeu que também a ama e gostaria de estar com ela no aniversário. "Mas as visitas são permitidas apenas aos sábados e domingos; um deles vai vê-lo no sábado". Manning pediu uma lista de livros que sua família comprou e entregará nas próximas semanas, para coincidir com o aniversário e o Natal. Na lista?

Decision Points, de George W. Bush; Crítica da Razão Prática e Crítica da Razão Pura, de Immanuel Kant,Propaganda, de Edward Bernayse, O gene egoísta, de Richard Dawkins, A People’s History of the United States, de Howard Zinn, A arte da guerra, de Sun Tzu, The Good Soldiers, de David Finkel, Da guerra, de Carl von Clausewitz.

Manning está preso na base dos Fuzileiros Navais em Quântico, na Virgínia. Passa 23 horas por dia sozinho numa cela de tamanho padrão, com pia, vaso sanitário e cama. Não lhe são permitidos lençóis ou travesseiro, embora o primeiro-tenente Brian Villiard, oficial em Quântico, elogie o material "não-rasgável" permitido. "Eu segurei, senti, é macio, eu dormiria com ele", disse a The Daily Beast.

Ele não está autorizado a fazer exercícios (funcionários de Quântico desmentem isso), mas começou a praticar ioga e alongamento. Durante uma hora por dia, uma TV sobre rodas é colocada em frente a sua cela e ele pode assistir a telejornais, geralmente locais, disse Coombs. Tem permissão para ler notícias também. Numa cortesia de Coombs, Manning tem agora assinatura de sua revista favorita, a Scientific American. A edição de novembro, "Hidden Worlds of Dark Matter", foi a primeira que recebeu.

As condições em que Bradley Manning está sendo mantido poderiam traumatizar qualquer um (ver artigo de Glenn Greenwald na Salon para um resumo das questões jurídicas e psicológicas associadas ao confinamento solitário prolongado). Ele vive sozinho numa cela pequena, sem contato humano. É forçado a usar algemas quando está fora da cela e quando encontra as poucas pessoas autorizadas a visitá-lo uma divisória de vidro o separa delas. A não ser os funcionários da prisão e uma psicóloga, a única pessoa que fala com Manning cara a cara é seu advogado, que diz que o isolamento prolongado está pesando sobre a psique do cliente.

Ao ser preso, Manning foi colocado sob "vigilância de suicídio", mas essa condição foi rapidamente alterada para "Vigilância de Prevenção de Lesões", sendo forçado a essa vida de tédio entorpecente. O tratamento é duro, punitivo e cobra seu preço, diz Coombs. Não há indício de que ele represente ameaça para si mesmo, e não deveria estar detido em condições tão severas a pretexto de sua própria proteção. "O comando baseia esse tratamento apenas na natureza das acusações pendentes e num incidente em que um funcionário da base cometeu suicídio", disse Coombs, referindo-se a um capitão de Quântico que se matou em fevereiro. Coombs disse acreditar que os funcionários mantêm Manning sob vigilância estreita por excesso de cautela. Ambos, Coombs e o psicólogo que atende Manning, têm certeza de que ele é mentalmente saudável.

Manning, de Potomac, Maryland, enfrentará corte marcial pelas acusações de vazamento de informações secretas ao Wikileaks, em violação do Código Uniforme de Justiça Militar. Ele planeja se declarar inocente no julgamento.

Seu futuro é incerto. John Conyers, representante democrata de Michigan, em sessão do Congresso na quinta-feira (16/12) sobre o Wikileaks, pediu calma e resposta equilibrada aos novos desafios que o site representa para o futuro da governança. "Quando todos nesta cidade se unem pedindo a cabeça de alguém é sinal de que precisamos desacelerar e olhar melhor". Ted Poe, republicano do Texas, pediu punição. "Não tenho simpatia alguma pelo suposto ladrão nessa situação", disse, insistindo em que a origem do vazamento seja responsabilizada. "Ele não é melhor do que o dono de loja de penhores do Texas que recebe mercadoria roubada e vende a quem pagar mais".

O destino de Manning será determinado nos próximos meses. O que está claro hoje é que ele está preso sob extraordinariamente duras condições, mais duras do que as de Bryan Minkyu Martin, o especialista em inteligência naval que, alegadamente, tentou vender segredos militares a um agente disfarçado do FBI: ele está preso aguardando julgamento, mas não em confinamento solitário. Manning, que não foi julgado, passou a maior parte do ano incomunicável, como um condenado por crime hediondo. Coombs contesta a legalidade do que chama de "punição preventiva" e trabalha para suspender as restrições.

Denver Nicks é editor-assistente em The Daily Beast. 
Tradução: Vila Vudu

10 de dezembro de 2010

Wikileaks: os casos Couso e Khaled O-Masri, ou até que aconteça com você

Assim que começaram os últimos vazamentos do Wikileaks, alguns articulistas, ingênuos ou alinhados, tentaram caracterizar os tais cabos diplomáticos dos EUA como meras fofocas.

Abaixo, seguem dois exemplos dessas fofocas. Gostaríamos de saber, como reagiriam tais articulistas, se algum de seus parentes aparecessem, de repente, no Afeganistão?

E que ninguém se iluda: num total estado de ilegalidade em que se vive, ninguém está salvo como prova o caso de Khaled O-Masri.

Escreve Amy Goodmann, publicado especialmente em Estratégia e Análise:



WikiLeaks e o fim da “diplomacia” estadunidense



The one click group 

No mundo da globalização corporativa, o criminoso é quem pratica o ato justo. Julian Assange, editor e fundador do WikiLeaks, de caçador de segredos inconfessos oriundos dos núcleos mais sórdidos do poder planetário, torna-se caça através de um alerta vermelho dado pela Interpol contra a sua pessoa. Quem supor esta virada como armação do Departamento de Estado do Império, estará muito perto da verdade a ser revelada. 

Uma vez mais WikiLeaks tem publicado uma enorme quantidade de documentos. Desta vez, trata-se de correspondência diplomática do Departamento de Estado estadunidense. O site de revelação de dados secretos anunciou que publicará gradualmente mais de duzentos e cinqüenta mil documentos durante os próximos meses. Desta maneira, os documentos poderão ser analisados e receber a atenção que merecem. Os “cabos” são comunicações internas escritas entre embaixadas dos Estados Unidos de todo mundo e também com o Departamento de Estado (correspondência diplomática interna). WikiLeaks fala do vazamento como “o maior conjunto de documentos confidenciais que jamais se tenham dado a conhecer, que proporcionam uma visão sem precedentes das atividades no exterior do governo estadunidense.”
Os críticos sustentam, assim como fizeram quando vazaram documentos secretos referidos a Iraque e Afeganistão, que terá vítimas fatais como resultado destas vazamentos. No entanto, se poderia, em realidade, salvar vidas, dado que a forma em que os Estados Unidos fazem diplomacia se encontra mais exposta que nunca – bem como a aparente facilidade com a qual o governo dos Estados Unidos cumpre (ou não) com o dito do jornalista pioneiro I.F. Stone: “Os governos mentem.”

Observemos o caso de Khaled O-Masri. O-Masri foi seqüestrado na Macedônia no marco do chamado "programa de rendição extraordinária" da CIA, por meio do qual o governo dos Estados Unidos seqüestra pessoas em qualquer parte do mundo e a entrega secretamente a um terceiro país, onde possam ser objeto de torturas. Khaled O-Masri conta o que lhe sucedeu: “Levaram-me a uma habitação, estava algemado e me vendaram os olhos. Quando a porta se fechou, fui golpeado em todas as partes do corpo. Então fui humilhado. Pude ouvir que tiravam fotos durante o processo de tortura, quando já estava completamente nu. Depois amarraram as minhas mãos atrás das costas, puseram-me correntes nos tornozelos e um saco plástico na cabeça. Depois fui atirado brutalmente em um avião e no aeroporto me jogaram no chão. Quando acordei, estava no Afeganistão. Sacaram-me brutalmente do avião e puseram-me no porta-malas de um automóvel.”

Khaled O-Masri esteve prisioneiro e foi torturado em um cárcere secreto no Afeganistão durante meses até que a CIA o deixou abandonado em uma estrada deserta da Albânia. Isto aconteceu apesar de que a CIA sabia já de algum tempo que tinha seqüestrado ao homem equivocado. O-Masri, cidadão alemão, tentou que se fizesse justiça nos tribunais alemães e tudo indicava que treze agentes da CIA enfrentariam processos. Nesse momento interveio a embaixada dos Estados Unidos em Berlim e realizou, segundo um dos cabos diplomáticos, a seguinte ameaça: “a emissão de ordens de captura internacional teria um impacto negativo nas relações bilaterais.” Nunca se apresentaram denúncias na Alemanha, o que sugere que a ameaça diplomática funcionou. Mesmo assim, os treze agentes enfrentam ainda denúncias legais e processos na Espanha, onde os promotores gozam de um pouco mais de liberdade com respeito às pressões políticas.

Ou ao menos nisso acreditávamos. De fato, a Espanha também se destaca nos documentos vazados. Entre os cabos-diplomáticos, há um datado de 14 de maio de 2007 escrito por Eduardo Aguirre, um banqueiro cubano-estadunidense conservador que fora nomeado embaixador em Espanha por George W. Bush. Na correspondência, Aguirre escreveu: “Para nós, terá conseqüências importantes que se continue propondo o caso Couso, pelo qual três soldados estadunidenses enfrentam denúncias em relação à morte do câmara espanhol José Couso, ocorrida durante a batalha por Bagdá em 2003.”

Couso era um jovem operador câmara da corrente espanhola de televisão Telecinco que estava filmando da sacada da varanda do Hotel Palestina em Bagdá, no dia 8 de abril de 2003, quando um tanque do exército estadunidense disparou sobre o hotel, onde estavam alojados principalmente jornalistas, causando a morte a Couso e a um da agência de notícias Reuters. O Embaixador Aguirre tentava invalidar o julgamento iniciado pela família Couso na Espanha.

O irmão de José Couso, Javier Couso, iniciou o processo judicial em nome de seu irmão José, e o fez em conjunto com a sua mãe. Ainda que um tribunal espanhol tenha reaberto a causa recentemente, Javier Couso reagiu ante o cabo-diplomático vazado nestes dias pelo WikiLeaks e disse: “Nós estamos em primeiro lugar indignados e horrorizados; horrorizados porque não podemos achar que o governo de meu país e a promotoria atuem conspirando com um governo estrangeiro para impedir a investigação do que lhe passou a um cidadão espanhol; e indignados porque mentiram-nos continuamente, nos reunimos com todas essas pessoas do governo e da promotoria e eles diziam que não iam a obstaculizar o caso.”

Ademais, o embaixador estadunidense pressionou ao governo espanhol para que desistisse de realizar um julgamento, que abriria precedente, contra o ex-Secretário de Defesa Donald Rumsfeld e outros servidores públicos do governo de Bush. No mesmo memorando Aguirre escreve: “O Vice Ministro de Justiça disse também que o governo espanhol se opõe firmemente à acusação apresentada contra o ex Ministro Rumsfeld e tratará de que seja desestimada. O juiz que é titular na causa nos disse que tem iniciado já os procedimentos para desestimar o caso.”

Estas revelações têm convulsionado ao governo de Espanha, já que os cabos-diplomáticos mostram claramente as tentativas dos Estados Unidos para incidir no sistema de justiça desse país.

Há vários anos, o Embaixador Aguirre declarou ao jornal espanhol O País: “Sou o bombeiro de George Bush, vou resolver todos os problemas que George ponha em minhas mãos.”

Em outra série de cabos-diplomáticos, o Departamento de Estado dos Estados Unidos ordena a seu pessoal das Nações Unidas e do resto do mundo que espionem a servidores públicos governamentais, e incrivelmente, também dá instruções de que consigam informação biométrica dos diplomatas. O cabo-diplomático diz textualmente: “Os dados devem incluir endereços de correio eletrônico, números de telefone e fax, impressões digitais, imagens faciais, escaneio de íris e de DNA.”

WikiLeaks segue associada a um grupo de meios de comunicação de todo mundo: o jornal inglês The Guardian; El País, da Espanha; o New York Times; a revista alemã Der Spiegel e o jornal francês Le Monde. David Leigh, editor de investigações do jornal The Guardian me disse: “Esta série de revelações não acabou ainda. Desde o jornal The Guardian e outras cadeias de notícias do mundo iremos fazendo revelações, a partir de agora e dia a dia, possivelmente durante toda a semana próxima e quiçá mais. Pelo qual, ainda não temos visto nada.” Restam ainda mais de 250 mil cabos-diplomáticos que ainda não vieram a ser conhecidos publicamente.

Faz quarenta anos, Noam Chomsky, reconhecido analista político e lingüista, professor do Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT), ajudou a Daniel Ellsberg, o primeiro informante dos Estados Unidos, a revelar os Documentos do Pentágono. Perguntei-lhe a Chomsky a respeito das correspondências diplomáticas recentemente publicados por WikiLeaks e ele me respondeu: “A principal importância dos cabos-diplomáticos que têm sido publicados até agora radica no que nos dizem sobre a liderança ocidental. O que revelam é um profundo ódio à democracia.”

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Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna.

© 2010 Amy Goodman
Texto traduzido da versão em castelhano e revisado do original em inglês por Bruno Lima Rocha; originalmente publicado em português em Estratégia & Análise. É livre a reprodução de conteúdo desde que citando a fonte.

Amy Goodman é a âncora de Democracy Now!, um noticiário internacional transmitido diariamente em mais de 550 emissoras de rádio e televisão em inglês e em mais de 250 em espanhol. É co-autora do livro "Os que lutam contra o sistema: Heróis ordinários em tempos extraordinários nos Estados Unidos", editado por Le Monde Diplomatique Cono Sur.

1 de dezembro de 2010

O “GENERAL” NÉLSON JOBIM BATE CONTINÊNCIA PARA WASHINGTON

Laerte Braga


Nelson Jobim é um trêfego. No dicionário está a definição – astuto, dissimulado –. As revelações feitas pelo site WIKILEAKS sobre suas ligações com o embaixador dos EUA no Brasil, Clifford Sobel e os comentários desfechados sobre os ministros Samuel Pinheiro Guimarães (Secretaria Nacional de Assuntos Estratégicos) e Celso Amorim (Relações Exteriores) são suficientes para que, num assomo de dignidade, se ainda restar alguma a ele, pedir demissão e recusar o convite da presidente eleita Dilma Roussef para continuar à frente do Ministério da Defesa.

Se não o fizer, cabe ao presidente Lula demiti-lo por ato de, no mínimo, deslealdade com o governo a que serve e a presidente eleita comunicar que o convite está anulado.

Nelson Jobim foi ministro da Justiça de FHC e um dos principais responsáveis pelo plano nacional de privatizações, não tem nada a ver com as propostas defendidas por Dilma Roussef em sua campanha eleitoral.

Nos primeiros entraves ao processo de privatização da CIA VALE DO RIO DOCE – hoje VALE –, FHC decidiu indicá-lo para o STF (Supremo Tribunal Federal) com a tarefa de remover obstáculos à entrega da empresa. Ao tomar posse Nelson Jobim pronunciou um dos mais lamentáveis discursos da história da chamada Corte Suprema. Afirmou-se “líder do governo” junto a seus pares. Foi um momento de pequenez do Poder Judiciário. 

À época o fato causou estranheza a alguns juristas e indignação a outros. Uma das primeiras providências que Jobim tomou foi retirar das mãos da juíza Salete Macalóes as decisões (estavam afetas a ela pelo instituto jurídico do Prevento) sobre a privatização da VALE.

Salete Macalóes havia concedido liminares contra a decisão do governo apontando inúmeras irregularidades na privatização da VALE, na forma como estava sendo conduzida e levantado a ponta de um iceberg de corrupção. Jobim transferiu o processo para um juiz maleável, digamos assim, capaz de engolir sapos e engordar conta bancária.

Cumprida a missão saiu do STF, voltou à Câmara dos Deputados e numa dessas derrapadas de Lula virou ministro da Defesa.

Vestiu a farda de “general de carreirinha” e desceu assim no aeroporto de Porto Príncipe, Haiti, logo após o terremoto que varreu o país. Como norte-americanos estavam ignorando a presença de tropas brasileiras (que tinham o comando nominal das operações por ali) e chamaram a si o comando de fato, Jobim foi comunicar aos generais brasileiros que iam ter que engolir o sapo ianque e dizer à imprensa que nada mudou, o comando era “nosso”. Contou com o apoio decisivo de uma das agências norte-americanas no Brasil, a GLOBO.

Balela. Jogo de cena. Ridículo no uniforme de campanha. Patético.

Os documentos revelados na última semana pelo site WIKILEAKS mostram que Jobim mantinha estreitos contatos com o embaixador dos EUA no Brasil e identificava nos ministros Samuel Pinheiro Guimarães e Celso Amorim os “inimigos” dos patrões, no caso os EUA.

No último dia de seu governo o presidente Lula deve dirigir-se aos dois ministros, Samuel e Celso Amorim e agradecer o fardo carregado ao longo desses oito anos construindo o respeito que o Brasil nunca teve mundo afora.

É Jobim, “general de carreirinha” que bate continência para Washington, quem tenta impedir a continuidade de Celso Amorim no Ministério das Relações Exteriores. Quer um ministro padrão Celso Láfer, aquele que quando chegou ao aeroporto de New York tirou os sapatos para submeter-se a uma vergonhosa e ultrajante revista pela polícia antiterrorista.

E de preferência, se for o caso, tire os sapatos, a roupa, tudo e na ONU caia de quatro.

A responsabilidade de Dilma Roussef diante desses fatos é grande e qualquer concessão pode custar caro à presidente eleita.

Não há sentido, mas um profundo desrespeito ao Brasil e aos brasileiros manter uma figura repulsiva como Nelson Jobim num Ministério estratégico como o da Defesa.

Será, se acontecer, um retrocesso sem tamanho, até no conceito de “capitalismo a brasileira”, modelo criado pelo presidente Lula para driblar as bombas de efeito retardado deixadas por FHC.

Um País como o Brasil, num momento como esse, não pode submeter-se ao terrorismo norte-americano, claro e explícito nos documentos tornados públicos pelo WIKILEAKS, que envolvem desde ingerência em governos outros, a prática sistemática de violações de direitos humanos, incluindo estupros de prisioneiros e eventuais “inimigos”.

O pânico mostrado pela secretária de Estado Hilary Clinton com a divulgação dos documentos, que coloca a nu toda a “preocupação com a paz e a democracia” dos norte-americanos atesta a gravidade dos fatos. A acusação feita pelo governo do protetorado norte-americano na Europa, a Suécia, de “crime sexual” contra o fundador do site WIKILEAKS é prática corriqueira entre esse tipo de gente.

Acuados, transferem as responsabilidades para outros inventando histórias e buscando desacreditar já que não podem desmentir ou negar toda a barbárie praticada nos últimos anos, toda a sorte de trapaças contra governos legítimos em várias partes do mundo.

E Nelson Jobim é um dos homens dos EUA nesse emaranhado todo.

Um “general” de fancaria, um trêfego travestido de patriota, que aliás, é sempre bom lembrar, “é o último refúgio dos canalhas”.

Ao contrário, o ministro Celso Amorim foi eleito pela revista norte-americana FOREIGN POLICY como o 6º “pensador global mais importante do ano”, com o mérito de “transformar o Brasil em ator global”. Segundo a revista, “nem se opondo reflexivamente aos EUA no estilo da velha esquerda latino-americana nem servilmente seguindo sua liderança, Amorim marcou um curso independente”.

Amorim está, no ranking da revista, à frente de Hilary Clinton secretária de Estado dos EUA. O presidente (pensa que é presidente) Barack Obama é o terceiro na lista. O brasileiro está à frente também da chanceler do protetorado norte-americano Alemanha, Angela Merkel.

Por trás de tudo isso existe um outro e importante aspecto a ser considerado. Foi com Nelson Jobim ministro da Justiça de FHC que foi intensificada a participação do FBI e da CIA junto a órgãos do governo brasileiro no pretexto do combate ao tráfico de drogas e na prática, no controle do próprio governo de Fernando Henrique.

Um dos objetivos primeiros dos norte-americanos é encher o Brasil de bases militares para controle total do País e suas riquezas, criar a chamada OTAN do Atlântico Sul, transformar o Brasil em base de operações contra países latino-americanos que se oponham às políticas imperialistas de Washington.

Jobim está de volta e com ele as mesmas práticas golpistas e colonialistas.

O futuro governo Dilma tem esse desafio. Ou mantém a diplomacia montada na competência e na conseqüência de ministros como Celso Amorim, ou cai de quatro também.

Se os episódios da guerra contra o tráfico no Rio de Janeiro mostraram um governo presente no combate ao crime organizado, por baixo dos panos, negociações para maior participação de agentes dos EUA nessa luta ocorreram tranquilamente com Nelson Jobim à frente.

Lula está dormindo de touca nessa história e Dilma pode herdar essa touca.

Jobim é agente de potência estrangeira, como nocivo ao Brasil, em todos os sentidos, é o acordo militar com os EUA. E vale até registrar que foi rompido no governo do general Geisel. O que significa que até na ditadura se percebeu em dado momento os propósitos colonialistas dos EUA.

Com Jobim corremos o risco de no cesto do Ministério estar uma cobra cujo veneno não tem soro antiofídico. É preciso levar em conta que a tênue democracia brasileira implica num processo maior de reconstrução democrática que, por sua vez, significa também a reconstrução das forças armadas como segmento de toda essa caminhada. O golpe de 1964 gerou um corpo militar comprometido com interesses não nacionais, os norte-americanos e as mudanças e percepções dos reais interesses dos EUA aqui são lentas. Boa parte dos militares brasileiros também bate continência para Washington, como bateu para Vernon Walthers em 1964.  

Jobim não é só trêfego, é também um cancro no governo. Uma doença caracterizada por uma população de células que crescem e se dividem sem respeitar limites normais, invadem e destroem tecidos adjacentes, podem se espalhar para lugares distantes no corpo através de algo que se conhece como metástase.

#forajobim 
Imagem: Eugênio Hansen

Nelson Jobim: afastem esse 5ª coluna do Governo!


Agora temos um informante da Embaixada estadunidense dentro do Governo Lula. Por muito menos que isso, caíram Paulo Lacerda e Erenice Guerra.

#forajobim

Arte: Blog da Dilma

Por dentro do Wikileaks: a democracia passa pela transparência radical

Por Natália Viana*, SP, Operamundi

Fui convidada por Julian Assange e sua equipe para trazer ao público brasileiro os documentos que interessam ao nosso país. Para esse fim, o Wikileaks decidiu elaborar conteúdo próprio também em português. Todos os dias haverá no site matérias fresquinhas sobre os documentos da embaixada e consulados norte-americanos no Brasil.

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Por trás dessa nova experiência está a vontade de democratizar ainda mais o acesso à informação. O Wikileaks quer ter um canal direto de comunicação com os internautas brasileiros, um dos maiores grupos do mundo, e com os ativistas no Brasil que lutam pela liberdade de imprensa e de informação. Nada mais apropriado para um ano em que a liberdade de informação dominou boa parte da pauta da campanha eleitoral.

Buscando jornalistas independentes, Assange busca furar o cerco de imprensa internacional e da maneira como ela acabada dominando a interpretação que o público vai dar aos documentos. Por isso, além dos cinco grandes jornais estrangeiros, somou-se ao projeto um grupo de jornalistas independentes. Numa próxima etapa, o Wikileaks vai começar a distribuir os documentos para veículos de imprensa e mídia nas mais diversas partes do mundo.

Assange e seu grupo perceberam que a maneira concentrada como as notícias são geradas – no nosso caso, a maior parte das vezes, apenas traduzindo o que as grandes agências escrevem – leva um determinado ângulo a ser reproduzido ao infinito. Não é assim que esses documentos merecem ser tratados: “São a coisa mais importante que eu já vi”, disse ele.

Não foi fácil. O Wikileaks já é conhecido por misturar técnicas de hackers para manter o anonimato das fontes, preservar a segurança das informações e se defender dos inevitáveis ataques virtuais de agências de segurança do mundo todo.

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Assange e sua equipe precisam usar mensagens criptografadas e fazer ligações redirecionados para diferentes países que evitam o rastreamento. Os documentos são tão preciosos que qualquer um que tem acesso a eles tem de passar por um rígido controle de segurança. Além disso, Assange está sendo investigado por dois governos e tem um mandado de segurança internacional contra si por crimes sexuais na Suécia. Isso significou que Assange e sua equipe precisam ficar isolados enquanto lidam com o material. Uma verdadeira operação secreta.

Documentos sobre Brasil

No caso brasileiro, os documentos são riquíssimos. São 2.855 no total, sendo 1.947 da embaixada em Brasília, 12 do Consulado em Recife, 119 no Rio de Janeiro e 777 em São Paulo.

Nas próximas semanas, eles vão mostrar ao público brasileiro histórias pouco conhecidas de negociações do governo por debaixo do pano, informantes que costumam visitar a embaixada norte-americana, propostas de acordo contra vizinhos, o trabalho de lobby na venda dos caças para a Força Aérea Brasileira e de empresas de segurança e petróleo.

O Wikileaks vai publicar muitas dessas histórias a partir do seu próprio julgamento editorial. Também vai se aliar a veículos nacionais para conseguir seu objetivo – espalhar ao máximo essa informação. Assim, o público brasileiro vai ter uma oportunidade única: vai poder ver ao mesmo tempo como a mesma história exclusiva é relatada por um grande jornal e pelo Wikileaks. Além disso, todos os dias os documentos serão liberados no site do Wikileaks. Isso significa que todos os outros veículos e os próprios internautas, bloggers, jornalistas independentes vão poder fazer suas próprias reportagens. Democracia radical – também no jornalismo.

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Impressões

A reação desesperada da Casa Branca ao vazamento mostra que os Estados Unidos erraram na sua política mundial – e sabem disso. Hillary Clinton ligou pessoalmente para diversos governos, inclusive o chinês, para pedir desculpas antecipadamente pelo que viria. Para muitos, não explicou direto do que se tratava, para outros narrou as histórias mais cabeludas que podiam constar nos 251 mil telegramas de embaixadas.

Ainda assim, não conseguiu frear o impacto do vazamento. O conteúdo dos telegramas é tão importante que nem o gerenciamento de crise de Washington nem a condenação do lançamento por regimes em todo o mundo – da Austrália ao Irã – vai conseguir reduzir o choque.

Como disse um internauta, Wikileaks é o que acontece quando a superpotência mundial é obrigada a passar por uma revista completa dessas de aeroporto. O que mais surpreende é que se trata de material de rotina, corriqueiro, do leva-e-traz da diplomacia dos EUA. Como diz Assange, eles mostram “como o mundo funciona”.

O Wikileaks tem causado tanto furor porque defende uma ideia simples: toda informação relevante deve ser distribuída. Talvez por isso os governos e poderes atuais não saibam direito como lidar com ele. Assange já foi taxado de espião, terrorista, criminoso. Outro dia, foi chamado até de pedófilo.

Wikileaks e o grupo e colaboradores que se reuniu para essa empreitada acreditam que injustiça em qualquer lugar é injustiça em todo lugar. E que, com a ajuda da internet, é possível levar a democracia a um patamar nunca imaginado, em que todo e qualquer poder tem de estar preparado para prestar contas sobre seus atos.

O que Assange traz de novo é a defesa radical da transparência. O raciocínio do grupo de jornalistas investigativos que se reúne em torno do projeto é que, se algum governo ou poder fez algo de que deveria se envergonhar, então o público deve saber. Não cabe aos governos, às assessorias de imprensa ou aos jornalistas esconder essa ou aquela informação por considerar que ela “pode gerar insegurança” ou “atrapalhar o andamento das coisas”. A imprensa simplesmente não tem esse direito.

É por isso que, enquanto o Wikileaks é chamado de “irresponsável”, “ativista”, “antiamericano” e Assange é perseguido, os cinco principais jornais do mundo que se associaram ao lançamento do Cablegate continuam sendo vistos como exemplos de bom jornalismo – objetivo, equilibrado, responsável e imparcial.

Uma ironia e tanto.

*Natália Viana é jornalista e colaboradora do Opera Mundi 

Vazamentos testam o nervo nuclear de Teerã

1/12/2010, Kaveh L Afrasiabi, Asia Times Online 


“WikiLeaks comprova que o mundo partilha as mesmas preocupações contra um Irã nuclear.”
Hillary Clinton, secretária de Estado, EUA

A secretária de Estado dos EUA Hillary Clinton quer ganhar de um modo ou de outro; lamenta a divulgação não autorizada de milhares de documentos do governo dos EUA e promete fazer o que tiver de ser feito para conter os vazamentos e, simultaneamente, procura beneficiar-se do vendaval que sopra hoje sobre o Irã. 

Os 219 telegramas diplomáticos enviados por funcionários dos EUA e divulgados até agora, de um arquivo declarado de 251 mil telegramas obtido por WikiLeaks – estão sendo interpretados como autênticos por grande parte da mídia ocidental, embora não se possa comprovar que todos os telegramas sejam autênticos ou que não haja telegramas ‘plantados’ nos arquivos, o que configuraria mais um movimento de EUA e Israel preparando a guerra contra o Irã e suas supostas ambições nucleares. 

Algumas das revelações dos arquivos WikiLeaks foram recebidas como maná pelos falcões mais linha-dura dos EUA, Europa e Israel, que exigem ataque militar ao Irã. Por exemplo, os telegramas em que o embaixador dos EUA diz que o saudita rei Abdullah pressiona Washington para que ataque militarmente o Irã, pressão que se vê também feita por outros líderes do Conselho de Cooperação do Golfo; ou o telegrama que relata que Moscou traiu obrigação contratual com o Irã para entrega do sistema de defesa aérea S-300 para reforçar a posição russa em face dos EUA; ou notícias de que a Turquia, aliada do Irã nas conversações nucleares, estaria apoiando terroristas da al-Qaeda contra o governo xiita pró-Irã no Iraque; ou notícias de que o Irã pode ter recebido cerca de 19 mísseis de médio alcance da Coreia do Norte. 

A divulgação desses telegramas coincide com notícias terríveis vindas de Teerã, de que um físico nuclear, Majid Shahriari, foi assassinado nas ruas de Teerã a caminho do trabalho, e outro, Fereydoon Abasi, foi ferido por bomba semelhante jogada em seu carro por assassinos em motocicletas. São fatos que depõem contra a segurança iraniana, quando, depois de outro ataque contra outro cientista, Masoud Ali Mohammadi, em janeiro, o Irã jurou proteger a vida de seus cientistas nucleares. 

Somados à admissão, por Teerã, de que seu programa de enriquecimento de urânio sofrera grave ataque cibernético, os vazamentos com certeza abalam a confiança dos iranianos, às vésperas de entrarem em nova rodada de conversações nucleares com “os seis do Irã” (EUA, Rússia, China, França, Grã-Bretanha e Alemanha) marcadas para o início de dezembro em Genebra. 

Com uma combinação de terrorismo cibernético, ataques a cientistas iranianos e a guerra psicológica alimentada pelos vazamentos de WikiLeaks – que mostram ativo front diplomático dos vizinhos árabes contra o Irã –, para não falar das sanções que estão afetando o investimento estrangeiro no Irã, inclusive no setor de energia solar, os inimigos do Irã estão ante o que lhes parece ser oportunidade perfeita para encurralar o país e forçá-lo à rendição. 

O mais provável é que todos esses esforços tenham efeito oposto ao desejado por EUA e Israel e forcem o Irã a seguir o modelo da Coreia do Norte – ou seja, que o Irã construa, sim, uma bomba atômica, algo que até agora o Irã sempre negou que esteja fazendo. Essa medida implicaria menor, não maior cooperação com a Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA), e até a possibilidade de separar-se do Tratado de Não-proliferação Nuclear, com o fim das visitas de inspeção pela IAEA e adoção de postura militar mais bélica, em vez de, como hoje, o Irã manter posição de defesa no Golfo Persa e para além dele.

Inúmeros analistas iranianos têm dito, em contatos pessoais comigo, que há importantes lições a extrair da Coreia do Norte, a qual, como o Irã, está também sob o fogo de sanções internacionais. Uma dessas lições é que o poder “hard” [duro] é útil para gerar alavancagem; outra, é que há momentos em que é necessário jogar duro e negar ao outro lado o conforto da posição de perpétua defesa, mais benigna. 

Segundo um professor de teoria política da Universidade de Teerã que pediu para não ser identificado, o Irã não deve continuar “como alvo passivo dos golpes da guerra econômica de sanções impostas injustamente ao país, ou corre o risco de ser convertido em outro Iraque” – referindo-se às sanções pré-guerra impostas ao Iraque, que enfraqueceram o regime do partido Ba’ath em 2003, “e prepararam o país para ser invadido”. 

O problema de um Irã em posição mais beligerante é que destruirá os planos preparados para garantir combustível nuclear para o reator médico de Teerã, que garante tratamento por radisótopos a dezenas de milhares de doentes de câncer. Essa questão será discutida em Genebra e há esperanças de que se encontrem minibrechas negociáveis, com o Irã disposto a algumas concessões em termos de transparência nuclear, com passos que visem a construir confiança, em troca da manutenção do projeto de fornecimento de combustível nuclear. 

Contudo, no caso de as negociações não gerarem nenhum proveito tangível para o Irã, o mais provável é que o impasse nuclear se agrave, e os dois lados revertam a posições e abordagens mais confrontacionais, o que criará grave risco para a paz regional e para a saúde da economia global – porque ninguém duvida que, em caso de guerra contra o Irã, os preços do petróleo, segundo várias projeções já existentes, literalmente explodirão. Mesmo no caso de não haver pleno ataque militar ao Irã, escaramuças e confrontos que ocorram no Golfo Persa terão também efeitos mortais sobre o preço do petróleo e a recuperação da economia global. 

Seja como for, nem todos estão convencidos de que se deva desconsiderar automaticamente a possibilidade de jogar uma carta “Coreia do Norte” contra EUA atualmente super exigidos em duas guerras e frente a uma nova crise na Península Coreana. Isso, à luz dos ataques incessantes contra o Irã e independente do fato de que, diferente de Piongueangue, que conta com a proteção da China, o Irã não mantém nenhum relacionamento especial com nenhuma grande potência. 

Por outro lado, alguns analistas iranianos já avaliam as vantagens de construir laços mais estreitos com a China, grande parceiro comercial que recebe do Irã cerca de 13% de todas as suas importações de petróleo e enfrenta graves preocupações quanto à própria “segurança energética” –, motivo pelo qual é possível que o mundo assista a um estreitamento das relações bilaterais entre Irã e China em futuro próximo. De fato, têm aumentado as preocupações da China quanto às intenções estratégicas dos EUA que se constatam na aproximação estratégica EUA-Índia e no estreitamento da cooperação OTAN-Rússia, em detrimento de relações de solidariedade dentro da Organização de Cooperação de Xangai. 

Pequim começa a engajar-se em novas sérias rodadas de conversações geoestratégicas com Teerã, novidade, se se considera a antiquada antipatia dos chineses contra cooperação estratégica com poderes externos à sua área de influência (Ver “A China base in Iran?” [Uma base chinesa no Irã?], Asia Times Online, 29/1/2008, http://www.atimes.com/atimes/Middle_East/JA29Ak03.html). 

De fato, se se considera a irritação dos chineses com os jogos de guerra e provocação dos EUA com a Coreia do Sul, tão próximos de sua zona econômica reservada, há motivos para o cauteloso otimismo dos iranianos, de que a China não aceitará novas pressões sobre o Irã. 

Não há, nos documentos vazados por WikiLeaks – que estão sendo utilizados como arma de guerra psicológica contra o Irã – nem uma palavra que comprometa ou macule o comportamento dos chineses. Quanto aos líderes russos, há evidências, nos documentos vazados, de que traíram interesses de longo prazo com vizinho confiável, para promover interesses russos no ocidente. 

26 de agosto de 2010

“COM PEDAÇOS DE PAU E PEDRAS”


Laerte Braga

O presidente do Irã Mahmoud Ahmadinejad disse em discurso na inauguração da usina nuclear de Bushehr, em presença de autoridades russas e de seu país (a usina tem tecnologia russa e se destina à produção de energia) que a defesa da revolução islâmica no caso de um ataque norte-americano ou por parte de Israel, que “nossas opções não terão limites, envolverão todo o planeta”.

Documentos liberados pelo site WikiLeaks e criados pela unidade especial da CIA – CENTRAL INTELIGENCY AGENCY – apontam casos em que cidadãos norte-americanos financiaram atividades terroristas. [1]

Em documentos anteriores o mesmo site, perto de noventa e dois mil documentos sobre as guerras do Iraque e do Afeganistão, mostra que o governo dos Estados Unidos exporta terrorismo na forma de seqüestros, assassinatos seletivos, prisões indiscriminadas em qualquer parte do mundo, práticas acentuadas no governo de George Bush como reação ao ataque às torres gêmeas do World Trade Center.

Uma das grandes dificuldades do atual presidente dos EUA Barack Obama é desmontar esse aparato repressivo, bárbaro, que, no todo, acaba se vendo presa fácil de quadrilhas de grande porte no tráfico de drogas, de mulheres e agora tráfico de petróleo a partir do México.

As políticas de terceirização de atividades de inteligência e militares postas em curso por Bush geraram distorções de tal ordem que nem a Casa Branca sabe mais a real extensão de todo o conjunto de insensatez do governo anterior.

Essas dificuldades se apresentam visíveis na reação de republicanos comandados agora pelo senador John McCain, derrotado nas eleições presidenciais por Obama e deixam claros os novos contornos do que era uma nação e hoje é um conglomerado de interesses privados de bancos, corporações do petróleo, das armas, com tentáculos capazes de paralisar o Estado e transformar a maior nação do mundo numa grande empresa voltada para o terrorismo.

Obama até agora não conseguiu entrar no salão oval.

A guerra global é uma realidade e pode ser entendida na afirmação feita por Hans Blinx, mês passado, sobre as advertências feitas a Bush que não existiam provas da presença de armas químicas e biológicas no Iraque. Blinx fala que os norte-americanos estavam “em estado de embriaguez pelo poder do arsenal que dispunham”. E continuam a dispor. Blinx foi um dos inspetores da ONU no Iraque à época que precedeu a invasão daquele país pelos EUA, à revelia do Conselho de Segurança da ONU.

Só que agora boa parte do que se convencionou chamar de forças armadas é controlada por empresas privadas e muitas ações pertinentes àquelas forças, são executadas por essas empresas. Generais norte-americanos são fachadas para executivos de companhias que tanto operam contra os Talibãs no Afeganistão, como traficam drogas, mulheres, armas, petróleo, lavam dinheiro, toda a sorte de operações criminosas de grande porte e possíveis.

A união de todas as máfias sonhada e desejada por cada chefe mafioso na história dessas organizações criminosas. Chegaram ao topo. Vendem democracia, drogas, mulheres, lavam dinheiro e têm milhares de ogivas nucleares capazes de destruir o planeta pelo menos cem vezes.

A vala com corpos de cidadãos latino-americanos que foi encontrada no México exibe o estado de caos que permeia aquele país. Ou “ex-país”. Colônia dos EUA desde a assinatura do NAFTA (tratado de livre comércio entre EUA, Canadá e México).

Uma das conseqüências ou exigências para que o conglomerado terrorista formado pelos EUA e por Israel opere é a presença de governantes dóceis e isso se consegue com corrupção. Foi o caso de FHC no Brasil, Menem na Argentina, Uribe na Colômbia e é agora com Calderón no México. Para citar apenas latino-americanos.

O chamado mundo institucional é a face visível em cor laranja dos operadores do terrorismo de estado.

No Brasil trabalham a partir do PSDB, DEM, PPS, mídia privada (GLOBO, FOLHA DE SÃO PAULO, RBS, VEJA, ÉPOCA, etc) e corporações de banqueiros, empresas nacionais e multinacionais e latifúndio. Se abrigam simbólica e realmente na sigla FIESP/DASLU.

O golpe militar em Honduras e a farsa democrática montada com o governo terrorista de Pepe Lobo (mais um jornalista foi assassinado hoje, quinta-feira, dia 26 de agosto, o nono neste ano), não difere de ações na Colômbia a partir do governo central, ou no México, tanto quanto o massacre de palestinos por Israel e as guerras do Iraque e do Afeganistão.

Despejam seus dejetos em containers democráticos no mar da Somália, ou em navios que enviam ao Brasil.

São perto de quinhentas bases militares dos EUA em todo o mundo e uma série de operações em todo o planeta para manter intato o poder dos grupos que controlam a mega empresa EUA/ISRAEL TERRORISMO S/A.

Ahmadinejad não disse nada diferente do que acontece na prática, disfarçada de democracia cristã e ocidental. Quis apenas mostrar que seu país está pronto para reagir a esse terrorismo e tem condições militares de fazê-lo.

O Irã detém a terceira maior reserva de petróleo do mundo. Ao transformar-se numa potência coloca em risco os “negócios” das grandes corporações que detêm o controle acionário de EUA/ISRAEL TERRORISMO S/A.

São assassinatos de civis no México, na Colômbia, em Honduras, no Iraque, no Afeganistão, ou de líderes de movimentos de resistência por agentes de Israel com documentos oficiais, mas nomes falsos, de países controlados pelos EUA (Grã Bretanha, Itália e Alemanha) e tudo isso mostrado ao mundo em forma de torta de maçã com canela pela mídia privada e corrompida.

Ou como disse a um grupo de professores e alunos de uma universidade paulista em visita à redação do JORNAL NACIONAL, o apresentador do dito cujo, sobre determinada notícia. “Esta não, pois contraria os nossos amigos americanos”.

Um dos fatos mais significativos desse estado de terrorismo oficial está no último discurso do presidente Lula ao referir-se ao diretor da FOLHA DE SÃO PAULO como alguém que queria saber se ele falava inglês. Se não fala, como vai governar o País? É que a FOLHA pensa em inglês, e empresta caminhões para que mortos por tortura sejam desovados em pontos de São Paulo. Preconceito puro, estampado em cores vivas na imbecilidade dos subordinados ávidos de poder.

O que tem uma coisa a ver com a outra? O discurso de Lula, o Irã, a guerra global?

Todos os fatos se encadeiam num projeto terrorista gerado em Washington desde o fim da guerra fria, para controle do resto do mundo, o que Fidel Castro chamou de “governo mundial”.

Quem acha que Hitler perdeu está equivocado. Por enquanto, em boa parte do mundo está ganhando e levando. Só mudou de bandeira. Tem as estrelas do Tio Sam e a de Davi.

E de nome.
Quem tiver boa memória vai se lembrar dos momentos que antecederam ao anúncio da invasão do Iraque. O terrorista George Bush apareceu em rede mundial de tevê sendo maquiado. Transformado por pós e cremes em anjo de guarda da democracia. Dias depois, quando ainda era viva a resistência iraquiana à invasão, proclamou que se necessário fosse “para evitar a destruição em massa do planeta, os EUA usarão armas atômicas no Iraque”.

Essa destruição em massa está acontecendo desde que Ronald Reagan assumiu o governo dos EUA. O papel de presidente bonzinho vivido por Jimmy Carter terminou com o próprio.

No filme DOCTOR STRANGELOVE, do extraordinário cineasta Stanley Kulbrick, um general comandante de uma base nuclear norte-americana decide por conta própria atacar a ex-URSS. Afirma que o comunismo está chegando ao seu país “pela água”.

O terrorismo norte-americano/sionista chega por bases militares (a Europa Ocidental hoje é colônia dos EUA), por golpes de estado, pela mídia privada vendendo idéias e factóides montados para transformar o ser humano em mero objeto.

Reduzir o Irã, a Venezuela, a Coréia do Norte, a Bolívia, Cuba, Nicarágua e alguns outros países a classificação de “ditaduras” é parte desse jogo de dominação, é a guerra global em curso.

Assassinar civis latino-americanos e jogá-los em covas rasas (México, Colômbia e Honduras) é apenas construir outras formas de muros para que o genocídio de palestinos se transforme em algo corriqueiro.

E palestinos restamos sendo todos nós.

Comemorar a morte de civis iraquianos com expressões como “matamos os bastardos”, quer dizer apenas que boçais fardados tomaram o petróleo do Iraque. Que os “negócios” vão continuar prosperando.

Sustentar governos de fachada como na Colômbia, no México, em Honduras, Costa Rica (“sem a polícia, sem a milícia...” A canção cantada por Milton Nascimento já não tem mais sentido, só saudades, uma base militar dos EUA já está sendo montada em San José), Afeganistão, Iraque, etc, controlar os países europeus, avançar sobre a América Latina, matar a África de fome, isso é a guerra global.

A barbárie capitalista. Tem sede em Washington e em Tel Aviv e filiais em todos os cantos do mundo.

No Brasil a mídia privada vende vinte e quatro horas por dia a idéia que Hollywood é o paraíso.

Se você conseguir pular o muro e escapar dos “grupos organizados de extermínio”.

A não ser que seu nome seja William Bonner, Boris Casoy, ou outros menores como Miriam Leitão, Lúcia Hipólito, Pedro Bial, Reinaldo Azevedo, Diogo Mainardi, um monte. E lógico, o tal Frias da FOLHA da ditabranda.

Com sorte, consegue virar ex-BBB e escapar para as cavernas, pois a próxima guerra, a quarta, a terceira está em curso, como dizia Einstein, será travada “com pedaços de pau e pedras”.

O que Ahmadinejad disse foi apenas que seu povo resistirá. E está pronto para isso.



[1] Leia também o Ficha Corrida: VEJA quem defende o terrorismo de estado no Brasil

25 de agosto de 2010

A Força-tarefa 373, no Afeganistão


19/8/2010, Pratap Chatterjee, TomDispatch

A partir dos relatórios secretos vazados por WikiLeaks
EUA: o programa de “assassinatos seletivos”


Pratap Chatterjee recomenda que os interessados em conhecer o conteúdo dos arquivos WikiLeaks Afghan War Diary
visitem o blog DiaryDig[1], para entender melhor aquele banco de dados e facilitar a pesquisa.
O autor recebe e-mails sobre problemas relacionados à leitura daqueles arq uivos em pchatterjee@igc.org
.
Caso você deseje apoiar o trabalho de distribuir informação independente pela rede, faça uma doação em dinheiro
para a página Wikileaks, em
http://www.wikileaks.org/wiki/Special:Support
ou para o Fundo criado para pagar os advogados que defendem o soldado Bradley Manning
http://www.bradleymanning.org/


“Localizar, deter, eliminar e impedir que recomece” [ing. “Find, fix, finish, and follow-up”] é como o Pentágono descreve a missão das equipes militares clandestinas que operam no Afeganistão na perseguição de todos os que se suspeite que sejam membros dos Talibã ou da al-Qaeda, onde quer que estejam. Outros falam de operações de “caça humana”, e de equipes cuja missão é “capturar/matar”.

Seja qual for a terminologia, os detalhes de dúzias dessas operações – e de como deram errado repetidas vezes – foram afinal revelados pela primeira vez, na massa de documentos secretos, dos militares e da inteligência dos EUA, que a página Wikileaks[2] vazou em julho, e que foi objeto de uma tempestade de protestos oficiais.

Agentes de um tipo de guerra clandestina que os EUA praticam cada dia mais amplamente, essas equipes militares fazem sempre muito mais inimigos que amigos e destroem todo o sentimento de boa-vontade em relação aos EUA que resulte dos projetos de reconstrução e ajuda econômica.

Quando Danny Hall e Gordon Phillips, respectivamente diretores civil e militar da equipe norte-americana que trabalha na reconstrução, na província de Nangarhar, Afeganistão, chegaram para uma reunião com Gul Agha Sherzai, governador local, em meados de junho de 2007, sabiam que tinham muito o que explicar e do que pedir desculpas. Caberia a Philips explicar por que uma equipe militar clandestina norte-americana de “capturar/matar”, designada como “Força-tarefa [ing. task force] 373”, à caça de Qari Ur-Rahman, suposto comandante Talibã, codinome “Carbon”, aparecera de repente, a bordo de um helicóptero armado AC-130 Spectre, e matara sete oficiais da polícia afegã, no meio da noite.

O incidente mostra claramente o conflito absoluto entre duas doutrinas que regem a guerra dos EUA no Afeganistão: de um lado, a doutrina da contraguerrilha [ing. counterinsurgency], que visa a “proteger a população”; de outro lado, a doutrina do contraterrorismo, que visa a exterminar terroristas e supostos terroristas. Apesar de o governo Obama ter-se empenhado, nos discursos, a favor da doutrina da contraguerrilha, o contraterrorismo foi, é e continua a ser a principal doutrina que orienta sua [de Obama] guerra no Afeganistão.

Para Hall, funcionário do Serviço Diplomático, que deixara há menos de dois meses um posto em Londres, o serviço associado aos militares provou-se muito mais difícil do que havia esperado. Em artigo publicado na revista Foreign Service Journal poucos meses antes daquela reunião, Hall escrevera, “Sentia-me como se nunca soubesse, de fato, o que estava acontecendo, onde eu deveria estar, o que deveria fazer, qual o meu papel; de fato, sem nem saber se havia algum papel para mim. Para piorar, eu não falava nem a língua pashtun nem a língua militar, as duas únicas que circulavam por ali.”

Para Phillips, a situação não era menos espinhosa. Um mês antes, entregara pessoalmente os pagamentos solatia – indenização, prevista na legislação militar, paga no caso de morte de civis provocada por erro das Forças norte-americanas – em presença do governador Sherzai, ao mesmo tempo em que condenara o ato de um homem-bomba Talibã que matara 19 civis, com o que se deu por encerrado o incidente. “Vimos agora como convidados à sua casa”, disse Phillips aos parentes dos mortos, “convidados para ajudar a reconstruir, com melhores condições de segurança e governança, a sua província de Nangarhar, para oferecer-lhes vida melhor e futuro mais luminoso, aos senhores e seus filhos. Hoje, choro com os senhores a morte de seus entes queridos.”

Hall e Phillips tinham sob sua responsabilidade um portfólio de 33 projetos ativos de reconstrução coordenados pelos EUA, no valor total de $11 milhões, em Nangarhar, de construção de estradas, fornecimento de equipamento escolar e um programa agrícola orientado para a exportação, pela província, de frutas e legumes.

Apesar disso, a missão da “equipe de reconstrução provincial” de Hall e Phillips (constituída de especialistas civis, funcionários do Departamento do Estado e soldados) parecia estar em conflito direto com a equipe de operações especiais encarregada dos serviços de “capturar/matar” (Seals da Marinha, Rangers do Exército e os “Boinas Verdes”, associados a agentes da Divisão de Atividades Especiais da CIA), cujo trabalho era caçar afegãos suspeitos de serem terroristas e líderes guerrilheiros. Essa equipe deixava uma trilha de cadáveres de civis e de ódio contra os norte-americanos, por onde passasse.

Detalhes de algumas das missões da Força-tarefa 373 vieram a público, pela primeira vez, como resultado da divulgação de mais de 76 mil relatórios de incidentes, vazados pela página Wikileaks – que recebe e divulga pela internet, material que lhe seja enviado para divulgação sem identificar fontes. – Alguns daqueles documentos foram analisados pelos jornais Guardian[3] e New York Times e pela revista Der Spiegel. E relatório completo de todas as depredações e assassinatos praticados pela Força-tarefa 373 pode ainda vir a público.

Simultaneamente, o governo Obama recusa-se a comentar as missões de assassinatos autorizados, que continuam em andamento no Afeganistão e no Paquistão. Pode-se, contudo, desde já, extrair, da leitura cuidadosa dos documentos já vazados pela página WikiLeaks, uma breve história daquela força-tarefa, que se pode complementar com o que já se sabia, de relatórios não-secretos da atividade do exército dos EUA no Afeganistão.

Segundo os dados que se leem na página Wikileaks, havia 2.058 nomes, numa lista secreta chamada “Joint Prioritized Effects List” (JPEL), de alvos para “capturar/matar” no Afeganistão. Em dezembro de 2009, havia um total de 757 prisioneiros – provavelmente nomes que aparecem naquela lista secreta – na Bagram Theater Internment Facility (BTIF), prisão norte-americana incluída no complexo conhecido como “Base Aérea de Bagram”.

Operações “capturar/matar”

A ideia de equipes “mistas”, formadas de membros de diferentes ramos da organização militar, em colaboração com membros da CIA, foi concebida em 1980, depois da desastrada Operation Eagle Claw [Operação Garra de Águia], quando Força Aérea, Exército e Marinha uniram-se numa muito mal planejada e mal-sucedida operação para resgatar reféns norte-americanos no Irã, com a ajuda da CIA. Morreram oito soldados, quando dois helicópteros colidiram sobre o deserto iraniano. Depois, uma comissão de alto nível, de seis membros, sob a coordenação do almirante James L. Holloway III recomendou que se criasse um comando para operações especiais conjuntas [ing. Joint Special Forces], forças armadas e CIA, de modo a garantir melhor coordenação de planejamento e execução nas operações futuras.

Depois do 11/9, o processo foi acelerado. Naquele mês, uma equipe da CIA chamada “Quebra-queixo” [ing. Jawbreaker] partiu para o Afeganistão, para planejar no local a invasão liderada pelos EUA. Pouco depois, uma equipe de Boinas Verdes, do Exército, criou a Força-tarefa Dagger, com idêntico objetivo. Apesar da rivalidade inicial entre os comandantes das duas equipes, acabaram por integrar-se num único grupo.

A primeira equipe clandestina “mista” da qual participaram a CIA e várias forças especiais militares, para operações no Afeganistão foi a Força-tarefa 5, para a missão de capturar ou matar “alvos de alto valor”, como Osama bin Laden e outros altos comandantes da al-Qaeda, e Mullah Mohammed Omar, chefe dos Talibã. Uma organização gêmea, criada para operar no Iraque, recebeu o nome de Força-tarefa 20. As duas acabaram por unir-se e constituíram a Força-tarefa 121, comandada pelo general General John Abizaid, então comandante do Comando Central dos EUA.

Em livro a ser lançado ainda nesse mês de setembro de 2010 – Operation Darkheart [Operação Coração Escuro], o tenente-coronel Anthony Shaffer narra as atividades dessa Força-tarefa 121 em 2003, quando o autor foi membro de uma subequipe chamada Jedi Knights [Cavaleiros Jedi]. Trabalhando sob o codinome Major Christopher Stryker, Shaffer participou de operações conduzidas pela Agência de Inteligência da Defesa (equivalente militar da CIA), fora da base aérea de Bagram.

Numa noite de outubro, Shaffer desceu de um helicóptero MH-47 Chinook sobre uma vila próxima de Asadabad, na província de Kunar, para integrar-se a uma equipe “mista”, composta de Rangers do Exército (divisão das forças especiais) e soldados da 10ª Divisão de Montanhas. A missão: capturar um dos subcomandantes do grupo de Gulbuddin Hekmatyar, conhecido senhor-da-guerra aliado dos Talibã. A missão fora organizada a partir de informações oferecidas pela CIA.

Não foi fácil. “O trabalho daquela equipe deu certo, mas só enquanto puderam atacar o coração dos Talibã e um de seus paraísos seguros do outro lado da fronteira do Paquistão. Por um momento, Shaffer anteviu o que poderia ser a vitória dos EUA, naquela guerra” – lê-se no material de divulgação do livro. “Mas, então, os altos escalões militares intrometeram-se na operação. A política à qual servem as altas patentes militares não era nem realista nem racional. Shaffer e sua equipe foram obrigados a parar e a assistir, sentados, o crescimento da guerrilha – bem ali, do outro lado da fronteira do Paquistão.”

Quase 25 anos depois da Operação Garra de Águia, Shaffer, que foi membro do grupo Able Danger que caçou a Al-Qaeda nos anos 1990s, descreve a dura, amarga disputa, a guerra interna, subterrânea, entre as equipes da CIA e das Forças Especiais militares, sobre como gerir o sombrio mundo dos assassinos norte-americanos autorizados a matar clandestinamente no Afeganistão e no Paquistão.

A Força-tarefa 373

Avancemos fast forward, até 2007, ano da primeira referência à Força-tarefa 373, nos documentos vazados por Wikileaks.

Não se sabe se o número que identifica essa Força-tarefa teria algum outro significado; por coincidência ou não, o capítulo nº 373 do “Código 10 dos EUA” – a lei aprovada no Congresso, que estabelece as competências dos militares norte-americanos – é o capítulo que estabelece a competência do secretário da Defesa para “autorizar qualquer empregado civil” que preste serviços ao exército, a “executar mandatos judiciais e a efetuar prisões sem mandato”. Seja ou não essa a inspiração para o nome que recebeu a Força-tarefa 373, tudo que diga respeito a ela foi absoluta e totalmente classificado como material de alta segurança e protegido por segredo total. Foi assim e ainda é assim. Apenas que, hoje, depois de Wikileaks ter vazado aqueles documentos, já se sabe, com certeza, que o grupo existe, ou, pelo menos, que exi stiu.

Analistas dizem que a Força-tarefa 373 complementa a Força-tarefa 121 usando “forças brancas”, como os Rangers e os Boinas Verdes, diferentes da força mais secreta Delta Force. A Força-tarefa 373, conforme o pouco que se sabe, é comandada a partir de três bases militares – em Cabul, capital do Afeganistão; em Candahar, segunda maior cidade do país; e na cidade de Khost, próxima das áreas tribais no Paquistão. É possível que algumas de suas operações partam de Camp Marmal, base alemã ao norte, na cidade de Mazar-e-Sharif. Fontes familiarizadas com o programa dizem que a Força-tarefa tem seus próprios helicópteros e aviões, dentre os quais os helicópteros armados AC-130 Spectre, usados exclusivamente por ela.

Tudo leva a crer que tenha sido comandada pelo general-brigadeiro Raymond Palumbo, e que esteja baseada no Comando Especial de Operações Especiais em Fort Bragg, Carolina do Norte. Mas Palumbo deixou Fort Bragg em meados de julho, logo depois de o general Stanley McChrystal ser substituído por Obama no comando geral da guerra no Afeganistão. E não se conhece o nome do novo comandante da Força-tarefa 373.

Em mais de 100 relatórios de eventos que se leem nos arquivos Wikileaks, descreve-se a Força-tarefa 373 como ativa em numerosas operações de “capturar/matar”, sobretudo nas províncias de Khost, Paktika e Nangarhar, todas na região da fronteira com o Paquistão, nas Áreas Tribais sob Administração Federal. Há alguns relatórios de capturas bem-sucedidas; outros, de eventos em que morreram oficiais da polícia afegã e até crianças pequenas, que enfureceram os moradores da região e levaram a atos de protesto e a alguns ataques contra as forças militares lideradas pelos EUA.

Em abril de 2007, David Adams, comandante da equipe de reconstrução provincial da província de Khost, foi convocado para uma reunião com os anciãos da vila de Gurbuz, na província de Khost, indignados com as operações conduzidas, naquelas comunidades, pela Força-tarefa 373. O relatório que se pode ler nos arquivos vazados por Wikileaks não diz o que a Força-tarefa 373 havia feito, que tanto indignou os anciãos de Gurbuz. Mas o governador da província de Khost, Arsala Jamal, já havia protestado, em dezembro de 2006, contra das operações das Forças Especiais em sua província, que haviam deixado vários civis mortos. Naquela ocasião, foram mortos cinco civis, em ataque contra a vila de Darnami.

“Essa é nossa terra”, dissera então o governador. “Há tempos venho convidando com insistência: temos de sentar juntos e discutir. Nós conhecemos nossos irmãos afegãos, conhecemos nossa cultura. Essas operações não foram planejadas para criar novos inimigos. Temos meios para fazer diminuir o número de operações erradas.”

Como Adams lembraria depois, em coluna publicada no Wall Street Journal, “O número sempre crescente de ataques contra famílias afegãs afastou de nós a maioria dos anciãos das áreas tribais de Khost.”

Dia 12/6/2007, Danny Hall e Gordon Philips, trabalhando na província de Nangarhar, a nordeste e em área próxima de Khost, foi convocado para uma reunião como governador Sherzai, para dar explicações sobre a morte daqueles sete oficiais de polícia afegãos, resultado de uma operação da Força-tarefa 373. Como Jamal, Sherzai declarou, diretamente a Hall e Philips, que “considera absolutamente indispensável melhor coordenação (...)” e que “de modo algum deseja ver repetidos os mesmos erros.”

Menos de uma semana depois, a equipe da Força-tarefa 373 atacou, com cinco mísseis, uma construção em Nangar Khel, na província de Paktika, ao sul de Khost, em atentado para matar Abu Laith al-Libi, líbio, suposto membro da al-Qaeda. Quando os soldados dos EUA chegaram à vila, descobriram que a Força-tarefa 373 havia destruído uma madrassa (escola islâmica), matado seis crianças e ferido gravemente uma sétima, a qual, apesar dos esforços de uma equipe médico-militar dos EUA, morreu pouco depois. (No final de janeiro de 2008, circularam notícias de que al-Libi teria sido morto por um míssil Hellfire lançado de um avião-robô Predator, numa vila próxima de Mir Ali, no Waziristão Norte, no Paquistão.)

Akram Khapalwak, governador da província de Paktika, reuniu-se com militares dos EUA, um dia depois do ataque à madrassa. Diferente dos outros governadores provinciais em Khost e Nangarhar, Khapalwak aceitou apoiar os “itens para discussão” preparados para que a Força-tarefa 373 explicasse – à mídia – o incidente. Segundo os relatórios sobre esse incidente que se leem em Wikileaks, o governador então “reforçou os comentários sobre a tragédia que vitimara as crianças; e ainda acrescentou que a tragédia poderia ter sido evitada, se os moradores da vila tivessem informado sobre a presença de guerrilheiros na área.”

Apesar de tudo, nenhuma espécie de “itens para discussão”, não importa quem os tenha repetido para os jornais, conseguiu fazer diminuir o número de civis mortos, enquanto continuaram os raids da Força-tarefa 373.

Dia 4/10/2007, a Força-tarefa 373 despejou 500 bombas Paveway de 500 pound sobre uma casa na vila de Laswanday, a menos de 10 km de Nangar Khel na província de Paktika (a mesma província onde já haviam sido mortas sete crianças). Dessa vez, morreram quatro homens, uma mulher e uma menina – civis – além de uma mula, um cachorro e várias galinhas. Foram feridos uma dúzia de soldados dos EUA, os quais relataram que “nenhum inimigo foi capturado ou morto”.

A história afegã que ninguém conta

Nem todos os raids resultaram em mortes de civis. Os relatórios militares vazados por Wikileaks sugerem que aquela Força-tarefa 373 teve melhor sorte ao capturar “alvos” vivos e sem mortes de civis, dia 14/12/2007. O 503º Regimento (aerotransportado) da Infantaria foi convocado para dar cobertura à Força-tarefa 373 numa incursão à província de Paktika, à caça de Bitonai e Nadr, dois supostos líderes da Al-Qaeda cujos nomes aparecem na lista JPEL. A operação aconteceu nos arredores da cidade de Orgun, próxima à Base Avançada de Operações dos EUA Harriman [ing. U.S. Forward Operating Base (FOB) Harriman]. Localizada a 7 mil pés de altitude e cercada por montanhas, vivem nessa base cerca de 300 soldados e uma pequena equipe da CIA, e a base é frequentemente visitada por barulhentos helicópteros e cáfilas de sonolentos camelos que pertencem aos pashtuns locais.

Uma equipe de assalto aéreo (codinome “Operation Spartan”) desceu sobre o local onde se supunha que Bitonai and Nadr vivessem, mas não os encontrou. Um informante afegão disse aos soldados das Forças Especiais que suspeitava de que os procurados estivessem escondidos a poucas milhas daquele local; a Força-tarefa 373 encontrou-os e prendeu-os, além de outros 33 homens que os acompanhavam; todos foram levados para a Base Avançada Harriman para interrogatório e possível transferência para a prisão na Base de Bagram.

Mas quando a Força-tarefa 373 estava no comando da operação, todos os civis, pelo que se vê, corriam risco. E, embora houvesse soldados norte-americanos ansiosos por relatar o que viam – como o demonstram os documentos vazados por Wikileaks –, jamais se ouvem as vozes afegãs e a versão afegã dos acontecimentos. Por exemplo, numa 2ª-feira à noite, em meados de novembro de 2009, a Força-tarefa 373 executou operação para prender ou matar um suposto guerrilheiro (codinome “Ballentine”) na província de Ghazni. Um relatório tenso informa que foram mortos uma mulher afegã e quatro “insurgentes”. Na manhã seguinte, uma Força-tarefa “White Eagle” [Águia Branca], unidade de soldados poloneses sob o comando da 82ª Divisão (aerotransportada) dos EUA, relatou que cerca de 80 pessoas reuniram-se em ato de protesto contra as mort es. A janela de um dos veículos blindados foi danificada pelos manifestantes afegãos, mas não há, nos relatórios, qualquer opinião que tivesse sido colhida entre os afegãos, sobre o mesmo incidente.

Ironicamente, um dos últimos incidentes em que houve participação da Força-tarefa 373, dos que se leem nos documentos de Wikileaks, foi praticamente reprise da Operação Garra de Águia original, desastre que levou à criação das equipes “conjuntas” de capturar/matar. Na madrugada de 26/10/2009, dois helicópteros norte-americanos, um UH-1 Huey e um AH-1 Cobra, colidiram perto da cidade de Garmsir, na província de Helmand, ao sul; quatro fuzileiros da Marinha [ing. Marines] morreram.

Aliada muito próxima da Força-tarefa 373 é a unidade britânica Força-tarefa 42, reunião de comandos do Serviço Especial da Força Aérea, Serviço Especial Embarcado e Regimento Especial de Reconhecimento, que operam na província de Helmand e são mencionados em vários relatórios dos que se leem nos documentos Wikileaks.

Caça humana

“Capturar/matar” é elemento chave de uma nova ‘doutrina’ militar desenvolvida pelo comando das Forças Especiais fixada depois do fracasso da “Operação Garra de Águia”. Sob a liderança do general Bryan D. Brown, que assumiu o Comando das Forças Especiais em setembro de 2003, a ‘doutrina’ passou a ser conhecida como “4F” [da expressão “find, fix, finish, and follow-up”, em português, aproximadamente “Localizar, deter, eliminar e impedir que recomece”], mensagem eufemística[4]< /a>, mas fácil de entender, sobre o modo prescrito para lidar com os supostos terroristas e guerrilheiros.

Nos anos Bush-Rumsfeld (secretário da Defesa), Brown começou a organizar equipes de “forças especiais ‘mistas’” para essas missões 4F fora das zonas de guerra. Receberam o nome anódino de “Elementos de Ligação Militar” [ing. Military Liaison Elements]. Os repórteres Scott Shane e Thom Shanker, do New York Times, relataram pelo menos um assassinato cometido por essa equipe no Paraguai (de um assaltante armado, cujo nome não aparecia em nenhuma lista de ‘procurados’). A equipe norte-americana, cuja presença no Paraguai não fora comunicada ao embaixador dos EUA, recebeu ordens para deixar imediatamente o país.

“A exigência número um é defender a pátria. Às vezes, há ordens para localizar e capturar ou matar em todo o mundo terroristas que tentem agredir essa nação,” disse Brown à Comissão das Forças Armadas da Câmara de Deputados, em março de 2006. “Nossos parceiros estrangeiros (...) são nações bem-intencionadas mas incapazes, que querem ajuda para construir suas próprias competências para defender suas fronteiras e eliminar o terrorismo em seus países ou regiões.” Em abril de 2007, o presidente Bush, como prêmio ao trabalho de planejamento de Brown, criou um cargo especial de alto nível no Pentágono, de secretário-assistente de Defesa para operações e conflitos de baixa-intensidade e competências interdependentes.

Michael G. Vickers, que se tornou conhecido no livro e filme Charlie Wilson's War (2007, port. Jogos do poder[5]), como arquiteto das operações secretas de fornecimento de armas e dinheiro para os mujaheedin na campanha da CIA contra o Afeganistão soviético nos anos 1980s, foi indicado para aquele cargo. Sob sua liderança, reformularam-se as linhas de atuação, em de zembro de 2008, para “desenvolver capacidades para ampliar o alcance dos EUA em áreas nas quais não sejam admitidos, para operar com e mediante forças estrangeiras nativas, ou para conduzir operações de baixa visibilidade”. E assim o programa “capturar/matar” foi institucionalizado em Washington.

“A guerra ao terror é fundamentalmente guerra indireta (...) É guerra de parceiros (...) mas é também em certo sentido guerra nas sombras, seja pela sensibilidade política seja pelo problema de localizar terroristas”, disse Vickers ao Washington Post no final de 2007. “Porisso a CIA é tão importante (...) e nossas forças para Operações Especiais desempenham grande papel.”

A partida de George W. Bush da Casa Branca não diminuiu o entusiasmo geral pelas operações 4F. Aconteceu o contrário: a fórmula 4F foi maquiada, à típica maneira dos militares, e é hoje “find, fix, finish, exploit, and analyze” ou F3EA [port. “Localizar, deter, eliminar, impedir que recomece e análise”], e o presidente Obama, em todos os sentidos, ampliou o alcance das operações militares ‘mistas’ e dos programas “capturar/matar” em todo o mundo – ampliação que acompanha perfeitamente a escalada dos ataques por aviões-robôs comandados pela CIA.

Há bem poucos que apoiem publicamente a ‘doutrina’ do “capturar/matar”. Mas o professor Austin Long, da Columbia University, abraçou a causa dos projetos F3EA. Observando semelhanças entre um programa de assassinatos “Phoenix”, responsável por dezenas de milhares de assassinatos durante a guerra do Vietnã (programa que o professor defende), o professor Austin recomendou que se reduzam “as pegadas” que os militares estão deixando no Afeganistão; para isso, sugere que as Forças Especiais sejam reduzidas para no máximo 13 mil soldados, que se concentrariam exclusivamente em operações de contraterrorismo, especificamente em assassinatos. “Phoenix sugere que a coordenação da inteligência e a integração da inteligência com um braço armado pode ter efeito poderoso inclusive contra grupos extremamente grandes e armados” – escreveram Long e seu co-autor William Rose nau, em monografia publicada em julho de 2009 pelo Rand Institute, intitulado “The Phoenix Program and Contemporary Counterinsurgency” [port. O Programa Phoenix e a contraguerrilha contemporânea].

E há outros, até mais agressivamente empenhados. O tenente George Crawford, que se aposentou no cargo de “estrategista chefe” do Comando das Forças Especiais e passou a trabalhar para a Archimedes Global, Inc., empresa de consultoria em Washington, sugeriu que a sigla F3EA fosse substituída por apenas duas palavras: “Caça humana” [ing. Manhunting]. Em monografia publicada pela Joint Special Operations University [aprox. “Universidade das Operações Especiais Mistas] em setembro de 2009, sob o título “Caça humana: Organização de contrarrede para guerra irregular” [orig. “Manhunting: Counter-Network Organization for Irregular Warfare]” Crawford ensina “como dar conta da missão de desenvolver habilidades para caça humana, entendida como habilidade relevante para a segurança na cional dos EUA.”

“Estamos matando ‘os caras’ errados”

A estranha evolução desses conceitos, a criação de equipes cada vez mais globais de ‘caçadores-assassinos’, cujo trabalho em tempo integral, sete dias por semana é assassinar, e os muitos civis que essas equipes “de Forças Especiais mistas” assassinam regularmente em suas ações contra ‘alvos’ que ninguém sabe quem define têm perturbado até vários especialistas militares.

Por exemplo, Christopher Lamb, atual diretor do Instituto de Estudos Nacionais Estratégicos na Universidade de Defesa Nacional [ing. Institute for National Strategic Studies at the National Defense University, e Martin Cinnamond, ex-funcionário da ONU que serviu no Afeganistão, assinaram estudo para a edição da primavera-2010 da revista Joint Forces Quarterly no qual escreveram: “Há ampla concordância em torno da ideia de que a abordagem indireta da contraguerrilha deve preceder quaisquer operações de matar/capturar. Mas tem ocorrido exatamente o contrário.”

Outros militares têm dito que a abordagem do caçador-matador é precária e contraproducente. “Para mim, a Força-tarefa 373 e outras forças-tarefas assemelhadas tem alguma utilidade, porque mantêm o inimigo sob pressão. Mas essa abordagem não vai às raízes do conflito, de por que a população civil apoia os Talibã,” disse Matthew Hoh, ex-empresário contratado pela Marinha e pelo Departamento de Estado, que renunciou em setembro ao cargo que exercia no governo. Hoh, que várias vezes trabalhou com a Força-tarefa 373, além de outros programas de “capturar/matar” no Afeganistão e no Iraque, acrescenta: “Estamos matando ‘os caras’ errados, gente de nível intermediário no comando dos Talibã, que só nos veem como inimigos porque estamos lá, atacando-os nas terras deles. Se não estivéssemos lá, eles não estariam fazendo guerra contra os EUA.”

A Força-tarefa 373 talvez seja um pesadelo para os afegãos. Para o resto do mundo – agora que Wikileaks nos deu acesso àqueles documentos –, pode ser vista como evidência de desastres políticos muito mais profundos. Em todos os casos, a pergunta que vem à cabeça de quem saiba da atividade dessa Força-tarefa 373 é tão horrível quanto básica: os EUA estarão, mesmo, a caminho de converter-se em alguma espécie de Caçadores de Homens & Cia., empresa global?


[1] DiaryDig.org é um blog independente criado para facilitar a pesquisa nos arquivos do Afghan War Diaries vazados pela página Wikileaks dia 25/7/2010. São m ais de 76 mil relatórios (e outros serão divulgados em breve) de cinco anos (2004-2009) da guerra do Afeganistão.
A partir de DiaryDig.org leem-se todos os documentos vazados, organizados por tipo, categoria, data, número de mortos e várias outras classificações. A partir da página de qquer documento, clica-se no texto verde sublinhado para ter acesso a outros documentos que contenham a mesma expressão ou a mesma frase; já há várias conexões criadas entre termos considerados mais importantes, e que poderiam passar despercebidas por leitor menos habituado àquele tipo de discurso.
Esperamos que essa ferramenta seja útil a analistas, jornalistas e ao público em geral interessados em conhecer a atuação dos EUA na guerra do Afeganistão e dar bom uso a esse raro e importante banco de dados que WikiLeaks distribuiu.
Caso você deseje apoiar esse trabalho, faça uma doação em dinheiro para a página Wikileaks ou para o Fundo criado para pagar os advogados que defendem o soldado Bradley Manning (em http://www.diarydig.org/).

[3] Para conhecer a história do vazamento pela página WikiLeaks e a parte do material que foi analisado na primeira publicação, pelo jornal Guardian, ver o blog “Outras Palavras”, 27/7/2010, em http://www.ponto.outraspalavras.net/category/afeganistao/

[4] Há aqui um traço semântico de tradução impossível, em que ficam fortemente sugeridas várias expressões de baixo calão (‘f-words’, ‘4 letters-words’, ‘fuck-words’ dentre outras).

[5] Sinopse e ficha técnica em http://www.imdb.com/title/tt0472062/

Tradução: Vila Vudu