Numa demonstração da importância que adquiriu o rico processo de debates do I Fórum Nacional de TVs Públicas, concluído em Brasília na semana passada, o presidente Lula compareceu ao seu encerramento – o que não estava previsto na programação oficial – e fez um discurso de improviso garantindo, de maneira incisiva, que “o projeto da rede pública nacional de rádio e televisão já pegou no breu. Quando convidei o Franklin [Martins] para ser ministro [da Comunicação Social], uma das coisas que eu disse foi a seguinte: ‘Nós vamos fazer a TV pública e vamos fazer sem trololó’. Vamos fazer porque é preciso fazer. Muito mais do que uma vontade do governo, faremos porque a sociedade necessita de uma televisão deste tipo”.
De forma indireta, o presidente também entrou na polêmica travada na sua própria equipe de governo e se posicionou favorável à idéia da TV pública, defendida pelo Ministério da Cultura, Radiobrás, Casa Civil e outras instâncias, responsáveis pela instalação do Fórum em setembro passado. Essa proposta havia sido atropelada pelo ministro das Comunicações, Hélio Costa, que defendeu a criação da TV do Executivo, o que colocou em risco o projeto original e gerou intensa confusão conceitual – entre uma televisão publica, com gestão e financiamento autônomos, e uma televisão estatal, “chapa-branca” e sem controle social. O “ministro da TV Globo” foi derrotado e nem compareceu ao Fórum – numa cena constrangedora!
“Não queremos e eu não acredito numa coisa chapa-branca. O mal dela é que ela se desmoraliza por ela mesma”, alfinetou o presidente. Para ele, a TV pública deverá ser democrática e pluralista, garantindo a participação da sociedade e preservando a diversidade cultural do país. “Ela respeitará tudo e todos”. De maneira irônica, Lula brincou: “Eu não tenho do que me queixar porque sou um político bem tratado pela imprensa”. Na sua visão, a nova rede pública de comunicação deverá aprofundar o debate sobre os temas de interesse da sociedade, como o “aborto e o biodiesel”, o que hoje não é realizado pela mídia comercial.
“Independente e democrática”
O discurso do presidente, muito aplaudido pelos 500 participantes do evento, reflete bem as preocupações centrais dos setores engajados neste processo. A “Carta de Brasília”, elaborada pelos representantes do governo, das TVs educativas, legislativas, universitárias e comunitárias e que contou com a contribuição das entidades que lutam pela democratização da mídia (Intervozes, FNDC, Fenaj, etc.) e dos movimentos sociais presentes (como MST, CUT e UNE), apresenta os parâmetros do que deverá ser esta TV pública, prevista para estrear em 02 de dezembro, data em que terá início a transmissão por sinal digital no país.
Entre outros itens, o manifesto defende uma TV pública que “promova a formação crítica do indivíduo para o exercício da cidadania e da democracia”; que seja “a expressão maior da diversidade de gênero, étnico-racial, cultural e social brasileiras, promovendo o diálogo entre as múltiplas identidades do país”; que vise “a universalização dos direitos à informação, à comunicação, à educação e à cultura, bem como dos outros direitos humanos e sociais”; que valorize a produção regional e que fomente “a produção independente, ampliando significativamente a presença desses conteúdos em sua grade de programação”.
Nos pontos mais nevrálgicos, propõe uma TV pública “independente e autônoma em relação a governos e ao mercado, devendo seu financiamento ter origem em fontes múltiplas, com a participação significativa de orçamentos públicos e de fundos não-contingenciáveis”; e que a “gestão, programação e fiscalização” seja feita por “um órgão colegiado deliberativo, representativo da sociedade, no qual o Estado ou governo não devem ter maioria”. Ele ainda evita uma falsa polêmica ao defender que esta rede não seja “orientada por critérios mercadológicos, mas não abra mão de buscar o maior número possível de telespectadores”.
Ao final, além de apresentar sugestões concretas para a viabilização desta nova emissora e de abordar sua difícil migração para o sistema digital, a “Carta de Brasília” é concluída com uma visão otimista do rico processo de debates do Fórum. “Ao cabo destes quatro dias de reunião, sob o signo da fraternidade e da harmonia construtiva que se só se vivencia nos grandes momentos históricos, todos saímos fortalecidos. Acima de tudo, emerge fortalecido o cidadão brasileiro, detentor de um conjunto de direitos que jamais se efetivará sem a ampliação e o fortalecimento de espaço público também na televisão brasileira”.
Uma sintonia decisiva
Apesar deste justificado otimismo, já que o Fórum superou todas as expectativas e teve amplo respaldo do governo – com a presença do presidente e de vários ministros –, ainda há muitas dúvidas sobre o futuro da TV pública, uma iniciativa inédita na história do Brasil. Uma delas aparentemente foi superada no próprio evento. Havia temores sobre a real sintonia entre o ministro da Cultura, Gilberto Gil, o principal mentor e incentivador do projeto da rede pública, e o novo ministro da Secretaria da Comunicação Social, Franklin Martins. Mas logo na abertura do Fórum, o segundo fez questão de desanuviar as tensões e de explicitar suas posições. Sem papas na língua, Franklin Martins defendeu enfaticamente o conceito da TV pública.
“O seu modelo de gestão deve tirar das mãos de qualquer palácio o centro de decisões. O governo tem um peso fundamental na criação desta televisão, sem ele ela não seria feita; mas não fará isso para ter uma televisão para ele. Vamos ter um conselho democrático que envolva a sociedade, um tipo de ombudsman da TV pública... Quanto ao modelo de financiamento, ela deverá ter um fluxo independente de recursos, se não surge um sujeito que não gosta da programação e fecha a torneira”. Franklin ainda defendeu que a programação seja construída de forma compartilhada, com o envolvimento de diferentes atores, e que a nova rede incentive a produção independente, “promovendo uma explosão de talentos e de criatividade”.
O ministro Gilberto Gil, que representou oficialmente o presidente – noutra prova do isolamento de Hélio Costa –, saudou “o trabalho conjunto com o Franklin Martins, a nossa sinergia”. Bastante empolgado, ele destacou o envolvimento das TVs educativas, comunitárias, legislativas e universitárias e dos movimentos sociais na luta pela construção de uma TV que seja “apropriada pelo público e não pelo Estado... Que tenha a capacidade de entreter sem deixar de ser inteligente... Uma TV que tenha poder de sedução, que tenha estética, mas sem abrir mão da ética... Que seja um espelho para a própria TV privada. Que evite a degradação humana, que promova a atualização do pensamento e de valores, que faça recuar o egoísmo”.
Os entraves a superar
Mesmo assim, ainda há vários entraves a superar. “São muitos os interesses em jogo. Há disputas dentro do governo pela condução política do processo; há disputas entre as associações do campo público para definir o modelo de rede; e, claro, há o interesse dos radiodifusores privados em limitar o seu alcance de forma a garantir os espaços já conquistados na televisão brasileira”, resume o professor Venício de Lima. Do ponto de vista imediato, ele lembra ainda que será necessário conciliar os interesses da Radiobrás e da TVE Brasil, que serão fundidas, com os das TVs educativas já existentes. “Algumas das atuais estruturas estatais carregam vícios de décadas e não será fácil transformá-las em contemporâneas do nosso tempo”.
No mesmo rumo das preocupações, Jonas Valente, do Coletivo Intervozes, uma das principais entidades da sociedade engajada na luta pela democratização da mídia, lembra que atualmente as emissoras públicas são transmitidas apenas pelo sistema a cabo – o que limita seu alcance. O Fórum aprovou a sua migração para o sinal aberto, mas esta será uma dura batalha. Diante deste quadro, ele insiste que será preciso uma sólida unidade para viabilizar, de fato, a nova TV pública. “Somente transformando o momento de união experimentado neste Fórum numa organização e mobilização permanente é que as emissoras do campo público conseguirão enfrentar a resistência certa que virá da imprensa comercial”.
Já o professor Laurindo Leal Filho, numa das exposições mais elogiadas do Fórum, demonstrou que o caminho para a construção da TV pública será dos mais árduos. “A ausência de uma televisão pública forte no Brasil impediu a formação de um público mais crítico em relação à TV comercial, resultado da absoluta falta de modelos alternativos. Também impossibilitou a criação de uma massa crítica capaz de exigir da televisão, no mínimo, o respeito aos preceitos constitucionais... Se outro mérito não tiver este Fórum, um está garantido. A TV pública entrou na pauta do debate nacional”.
Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro “As encruzilhadas do sindicalismo” (Editora Anita Garibaldi, 2ª edição).
De forma indireta, o presidente também entrou na polêmica travada na sua própria equipe de governo e se posicionou favorável à idéia da TV pública, defendida pelo Ministério da Cultura, Radiobrás, Casa Civil e outras instâncias, responsáveis pela instalação do Fórum em setembro passado. Essa proposta havia sido atropelada pelo ministro das Comunicações, Hélio Costa, que defendeu a criação da TV do Executivo, o que colocou em risco o projeto original e gerou intensa confusão conceitual – entre uma televisão publica, com gestão e financiamento autônomos, e uma televisão estatal, “chapa-branca” e sem controle social. O “ministro da TV Globo” foi derrotado e nem compareceu ao Fórum – numa cena constrangedora!
“Não queremos e eu não acredito numa coisa chapa-branca. O mal dela é que ela se desmoraliza por ela mesma”, alfinetou o presidente. Para ele, a TV pública deverá ser democrática e pluralista, garantindo a participação da sociedade e preservando a diversidade cultural do país. “Ela respeitará tudo e todos”. De maneira irônica, Lula brincou: “Eu não tenho do que me queixar porque sou um político bem tratado pela imprensa”. Na sua visão, a nova rede pública de comunicação deverá aprofundar o debate sobre os temas de interesse da sociedade, como o “aborto e o biodiesel”, o que hoje não é realizado pela mídia comercial.
“Independente e democrática”
O discurso do presidente, muito aplaudido pelos 500 participantes do evento, reflete bem as preocupações centrais dos setores engajados neste processo. A “Carta de Brasília”, elaborada pelos representantes do governo, das TVs educativas, legislativas, universitárias e comunitárias e que contou com a contribuição das entidades que lutam pela democratização da mídia (Intervozes, FNDC, Fenaj, etc.) e dos movimentos sociais presentes (como MST, CUT e UNE), apresenta os parâmetros do que deverá ser esta TV pública, prevista para estrear em 02 de dezembro, data em que terá início a transmissão por sinal digital no país.
Entre outros itens, o manifesto defende uma TV pública que “promova a formação crítica do indivíduo para o exercício da cidadania e da democracia”; que seja “a expressão maior da diversidade de gênero, étnico-racial, cultural e social brasileiras, promovendo o diálogo entre as múltiplas identidades do país”; que vise “a universalização dos direitos à informação, à comunicação, à educação e à cultura, bem como dos outros direitos humanos e sociais”; que valorize a produção regional e que fomente “a produção independente, ampliando significativamente a presença desses conteúdos em sua grade de programação”.
Nos pontos mais nevrálgicos, propõe uma TV pública “independente e autônoma em relação a governos e ao mercado, devendo seu financiamento ter origem em fontes múltiplas, com a participação significativa de orçamentos públicos e de fundos não-contingenciáveis”; e que a “gestão, programação e fiscalização” seja feita por “um órgão colegiado deliberativo, representativo da sociedade, no qual o Estado ou governo não devem ter maioria”. Ele ainda evita uma falsa polêmica ao defender que esta rede não seja “orientada por critérios mercadológicos, mas não abra mão de buscar o maior número possível de telespectadores”.
Ao final, além de apresentar sugestões concretas para a viabilização desta nova emissora e de abordar sua difícil migração para o sistema digital, a “Carta de Brasília” é concluída com uma visão otimista do rico processo de debates do Fórum. “Ao cabo destes quatro dias de reunião, sob o signo da fraternidade e da harmonia construtiva que se só se vivencia nos grandes momentos históricos, todos saímos fortalecidos. Acima de tudo, emerge fortalecido o cidadão brasileiro, detentor de um conjunto de direitos que jamais se efetivará sem a ampliação e o fortalecimento de espaço público também na televisão brasileira”.
Uma sintonia decisiva
Apesar deste justificado otimismo, já que o Fórum superou todas as expectativas e teve amplo respaldo do governo – com a presença do presidente e de vários ministros –, ainda há muitas dúvidas sobre o futuro da TV pública, uma iniciativa inédita na história do Brasil. Uma delas aparentemente foi superada no próprio evento. Havia temores sobre a real sintonia entre o ministro da Cultura, Gilberto Gil, o principal mentor e incentivador do projeto da rede pública, e o novo ministro da Secretaria da Comunicação Social, Franklin Martins. Mas logo na abertura do Fórum, o segundo fez questão de desanuviar as tensões e de explicitar suas posições. Sem papas na língua, Franklin Martins defendeu enfaticamente o conceito da TV pública.
“O seu modelo de gestão deve tirar das mãos de qualquer palácio o centro de decisões. O governo tem um peso fundamental na criação desta televisão, sem ele ela não seria feita; mas não fará isso para ter uma televisão para ele. Vamos ter um conselho democrático que envolva a sociedade, um tipo de ombudsman da TV pública... Quanto ao modelo de financiamento, ela deverá ter um fluxo independente de recursos, se não surge um sujeito que não gosta da programação e fecha a torneira”. Franklin ainda defendeu que a programação seja construída de forma compartilhada, com o envolvimento de diferentes atores, e que a nova rede incentive a produção independente, “promovendo uma explosão de talentos e de criatividade”.
O ministro Gilberto Gil, que representou oficialmente o presidente – noutra prova do isolamento de Hélio Costa –, saudou “o trabalho conjunto com o Franklin Martins, a nossa sinergia”. Bastante empolgado, ele destacou o envolvimento das TVs educativas, comunitárias, legislativas e universitárias e dos movimentos sociais na luta pela construção de uma TV que seja “apropriada pelo público e não pelo Estado... Que tenha a capacidade de entreter sem deixar de ser inteligente... Uma TV que tenha poder de sedução, que tenha estética, mas sem abrir mão da ética... Que seja um espelho para a própria TV privada. Que evite a degradação humana, que promova a atualização do pensamento e de valores, que faça recuar o egoísmo”.
Os entraves a superar
Mesmo assim, ainda há vários entraves a superar. “São muitos os interesses em jogo. Há disputas dentro do governo pela condução política do processo; há disputas entre as associações do campo público para definir o modelo de rede; e, claro, há o interesse dos radiodifusores privados em limitar o seu alcance de forma a garantir os espaços já conquistados na televisão brasileira”, resume o professor Venício de Lima. Do ponto de vista imediato, ele lembra ainda que será necessário conciliar os interesses da Radiobrás e da TVE Brasil, que serão fundidas, com os das TVs educativas já existentes. “Algumas das atuais estruturas estatais carregam vícios de décadas e não será fácil transformá-las em contemporâneas do nosso tempo”.
No mesmo rumo das preocupações, Jonas Valente, do Coletivo Intervozes, uma das principais entidades da sociedade engajada na luta pela democratização da mídia, lembra que atualmente as emissoras públicas são transmitidas apenas pelo sistema a cabo – o que limita seu alcance. O Fórum aprovou a sua migração para o sinal aberto, mas esta será uma dura batalha. Diante deste quadro, ele insiste que será preciso uma sólida unidade para viabilizar, de fato, a nova TV pública. “Somente transformando o momento de união experimentado neste Fórum numa organização e mobilização permanente é que as emissoras do campo público conseguirão enfrentar a resistência certa que virá da imprensa comercial”.
Já o professor Laurindo Leal Filho, numa das exposições mais elogiadas do Fórum, demonstrou que o caminho para a construção da TV pública será dos mais árduos. “A ausência de uma televisão pública forte no Brasil impediu a formação de um público mais crítico em relação à TV comercial, resultado da absoluta falta de modelos alternativos. Também impossibilitou a criação de uma massa crítica capaz de exigir da televisão, no mínimo, o respeito aos preceitos constitucionais... Se outro mérito não tiver este Fórum, um está garantido. A TV pública entrou na pauta do debate nacional”.
Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro “As encruzilhadas do sindicalismo” (Editora Anita Garibaldi, 2ª edição).
Um comentário:
Filado da Toca do Jens,sobre a expressão "pegar no breu":
[Acantha] [www.banalidades-raras.blospot.com]
Expressão que define situação irreversível; situação em que não é possível inverter o rumo, o sentido ou a direção; coisa sem possibilidade de retornar à etapa anterior; que prossegue até o final sem ser limitada pela reação inversa. A expressão é antiga e vem dos tempos em que se soltavam muitos balões nas festas juninas: a tocha dos balões, que a garotada chamava de mecha, era feita de sacos de estopa molhados com parafina de velas derretidas; no centro da mecha havia breu, substância sólida escura, inflamável, obtido a partir de secreções resinosas de várias plantas, usada na produção de colas, tintas e vernizes, comprada em qualquer depósito de material de construção. Como não era fácil colocar o balão no ar: ele pairava durante alguns minutos até que, de repente, o fogo atingia o centro da mecha, o balão tomava força e subia rapidamente. Resumindo, "pegar no breu" é uma alusão à expressão popular usada quando os balões das festas juninas, pegam impulso. (Acantha tb é cultura)
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