4 de junho de 2007

Chávez, o Senado e a mídia escrota*


A mídia hegemônica nativa está fazendo um enorme escarcéu com o desabafo do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que acusou o Senado Federal de ser “papagaio” dos interesses dos EUA por este ter aprovado resolução contra o fim da concessão pública à RCTV – os dois únicos votos contrários à moção foram dos senadores Inácio Arruda (PCdoB-CE) e José Nery (PSOL-PA). De todas as formas, tenta jogar o governo e a sociedade brasileira contra o processo revolucionário bolivariano. Defensora descarada do tratado neocolonial da Alca, derrotada nas ruas e nas urnas, ela usa todos os ardis para implodir o rico processo em curso de integração latino-americana. A mídia privada, partidária de golpes fascistas no passado, como em 64, e no presente, como na abjeta manipulação nas eleições presidenciais de 2006, agora tenta pousar de “democrata” e “nacionalista”. Dá nojo e asco!
O presidente Lula, que inicialmente até resistiu à pressão midiática para que se opusesse ao fim da concessão da RCTV, acabou caindo na armadilha. Antes, insistiu acertadamente em declarar que “o Brasil não tem nada a ver com a concessão, que é um problema da legislação venezuelana”. Já quando o Senado emitiu sua nota, o governo preferiu não criticar a interferência desta casa legislativa na decisão soberana do país-irmão. Mas, diante da reação do presidente venezuelano e da feroz campanha da mídia, o presidente Lula acabou cedendo e “expressou o seu repúdio a manifestações que coloquem em questão a independência, a dignidade e os princípios democráticos que norteiam nossas instituições”. Era o que a mídia desejava para fazer alarde sobre o “racha” entre Chávez e Lula.
Interferência indevida e inoportuna

A ofensiva da mídia é ardilosa, baixa e escrota! Em dezenas de manchetes, editoriais e notícias, acusa o governo venezuelano de ter se metido nos assuntos internos do Brasil ao criticar uma resolução do Senado. Mas ela nada fala sobre a própria resolução desta casa legislativa, que parece ter adotado uma tática diversionista para abafar recentes escândalos. O Senado brasileiro pode se imiscuir nos assuntos internos de um país irmão; já o presidente Chávez, que vive nova fase de tensão e golpismo, não pode se irritar contra uma resolução indevida e inoportuna. Na prática, o que o presidente venezuelano afirmou não está tão distante da pura verdade. “O congresso brasileiro deveria se preocupar com os problemas do Brasil. Mas ele é dominando por partidos da direita, que não querem a entrada da Venezuela no Mercosul. O Congresso está agora subordinado aos interesses de Washington”, cutucou.

A áspera resposta decorreu do requerimento aprovado no Senado que solicita a devolução da concessão à RCTV. A proposta foi apresentada pelo senador Eduardo Azeredo, ex-presidente do PSDB, um político mais sujo do que pau de galinheiro desde a descoberta do esquema ilegal de financiamento das campanhas eleitorais – o famoso Valerioduto. Na seqüência, ela foi defendida pelo senador José Sarney que, apesar do seu papel no processo de redemocratização do país, não é o político mais indicado para chiar contra “atentados à liberdade de imprensa” – já que teve papel de destaque durante a ditadura militar que perseguiu, censurou e matou jornalistas (é só lembrar de Vladimir Herzog) e ainda hoje mantém um “latifúndio da mídia” no Maranhão.

Acuados pela mídia e preocupados com sua “imagem” nas telinhas, até parlamentares do PT, como o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, e o senador outsider Eduardo Suplicy, defenderam a resolução do Senado. Neste caso, o ex-presidente do PT, José Dirceu, que já sentiu na pele que não adianta ceder às seduções dos “donos da mídia”, adotou uma posição bem mais equilibrada. Em seu blog, ele criticou “excessos retóricos” de Chávez, mas argumentou que também “estiveram errados nossos senadores ao aprovar moção que representa interferência nos negócios internos da Venezuela. Cada senador, individualmente, pode expressar sua opinião a respeito do tema, mas a instituição Senado não deveria se manifestar a respeito da atitude legal tomada pelo governo venezuelano”.
Mercosul e autopreservação corporativa
A direita nativa e sua mídia escrota tentam amplificar o incidente, que deveria ser tratado pelas vias diplomáticas, com dois objetivos nítidos. O primeiro, como autênticos “papagaios” das ambições imperialistas dos EUA, é o de implodir o rico processo de integração latino-americana. “Foi uma agressão o que Chávez disse. Agora fica mais difícil a inclusão da Venezuela no Mercosul”, esbravejou o tucano, mais parecido com urubu, Eduardo Azeredo. Já o direitista Heráclito Fortes, senador do DEM (ex-PFL, também batizado de Demo), sugeriu “que as empresas brasileiras deixem a Venezuela em apoio à RCTV”. Os colunistas bem pagos da mídia hegemônica já concentram as suas atenções na próxima reunião do Parlamento do Mercosul, marcada para 25 de junho, e farão forte alarde para isolar e excluir o país-irmão do bloco regional e para dar “irrestrito apoio” à emissora golpista.

O segundo objetivo é o da autopreservação corporativa. A direita está preocupada com a irradiação da experiência venezuelana e com o futuro da mídia. Teme que os novos governos da região, oriundos das lutas sociais, apliquem sua Constituição nos capítulos que afirmam que a concessão de emissoras de rádio e televisão é pública, uma prerrogativa do Estado, e que deve ser reavaliada periodicamente – o prazo da concessão da TV Globo, por exemplo, encerra-se em outubro próximo. O deputado Rodrigo Maia, presidente do DEM, não esconde o temor. “Este é o último e triste capítulo da novela do autoritarismo na Venezuela. Só nos resta torcer para que o enredo não se repita no Brasil, por meio da TV pública que o Lula se empenha em criar”. Mais explícito impossível!
Manipulação grosseira da Folha
Para fazer vingar estes dois objetivos, a manipulação da mídia brasileira é descarada. Basta ver as duas edições do jornal Folha de S.Paulo deste final de semana. No sábado, uma manchete espalhafatosa e mentirosa: “Venezuela impede protesto da oposição”. Abaixo, a foto de três jovens loiras, tipicamente de classe média (o que representa menos de 10% da população venezuelana), com mordaças na boca e caras de choro. Um verdadeiro contra-senso: se o governo proíbe protestos, de onde saiu a foto das jovens a frente de uma reduzida passeata. Já no domingo, a marcha favorável ao fim da concessão da RCTV, com centenas de milhares de participantes e bem mais popular e mestiça, não mereceu a manchete da golpista Folha, mas somente uma foto jocosa de duas meninas seminuas na passeata pró-Chávez, com o visível intento de desqualificar a manifestação. Uma aberração jornalística!

No seu editorial de sábado, o jornal da famiglia Frias – a mesma que conclamou os generais a darem o golpe em 1964, que cedeu suas peruas de transportes de jornais para levar presos políticos à tortura e que, no ano passado, foi um dos principais palanques da direita na campanha presidencial – ainda exige do governo Lula uma posição mais dura. “Lula fez o que lhe cabia ao defender a ‘independência’ e os ‘princípios democráticos’ das instituições brasileiras, além de cobrar explicações do embaixador venezuelano. Mas perdeu a chance de posicionar-se contra o fechamento da RCTV”. O cinismo da Folha e de outros meios privados é chocante. Como ironiza o sociólogo Emir Sader, “que moral eles têm para falar de democracia e de pluralismo nos meios de comunicação?”.
*Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro “Venezuela: originalidade e ousadia” (Editora Anita Garibaldi, 3ª edição).

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