Passados nove anos do processo de privatização do Sistema Telebras, cabe fazer uma análise sobre como se encontra o mercado brasileiro de telecomunicações. Em 1996, os Estados Unidos aprovaram seu Telecommunications Act, reconhecendo que o projeto de monopólios regionais, criado em 1984, não somente não dera os resultados esperados como deixara as empresas norte-americanas frágeis demais para concorrer com as empresas de outros países ricos. Pois, apenas um ano depois o Brasil aprovou sua Lei Geral de Telecomunicações (LGT) instituindo exatamente o modelo que os Estados Unidos haviam abandonado.
Por este modelo, o Sistema Telebras foi dividido em três operadoras fixas (as atuais Brasil Telecom, Telemar e Telefonica), uma operadora de longa distância (Embratel) e nove operadoras móveis. A Europa e o México também passaram por processos de privatização das suas operadoras de telecomunicações, mas seguiram um caminho diferente do brasileiro. Nestes países optou-se por vender a operação toda, sem fatiar a empresa. E o governo manteve a chamada “golden share”, que lhe permite intervir caso a operadora não atenda às respectivas demandas de políticas públicas em telecomunicações. Em todas elas, houve a obrigação de manter o controle da empresa com o capital nacional.
Em 1996, a Telebras tinha receita operacional de US$ 12,7 bilhões, lucro líquido de US$ 2,73 bilhões, gerava 98 mil empregos e possuía 15,9 milhões de linhas fixas em serviço. Já a Telmex tinha receita operacional de US$ 6,93 bilhões, lucro líquido de US$ 1,53 bilhões, gerava 49 mil empregos e possuía 8,8 milhões de linhas fixas em serviço [1]. Hoje, o dono da Telmex (Carlos Slim Helu) acaba de se tornar o homem mais rico do mundo e 25% do seu faturamento em telecomunicações é obtido em território brasileiro. Já a Telebras...
Com o desmembramento da Telebras, o governo brasileiro gerou o mesmo fenômeno que ocorrera nos Estados Unidos entre 1984 e 1996, mas em proporções ainda maiores. Em um primeiro momento, as empresas resultantes foram compradas por investidores financeiros brasileiros (com a ajuda de dinheiro público, proveniente do BNDES, Previ e Petros, entre outros) e estrangeiros. Em paralelo, os grandes grupos estrangeiros (ancorados no domínio de seus mercados internos) partiram para a compra destas empresas, aproveitando-se da sua pouca competitividade e da necessidade destes investidores realizarem lucros.
Telmex e Telefonica de España têm disputado palmo a palmo o mercado latino-americano e, consequentemente, o brasileiro. Ambas são frutos de processos de privatização, mas realizados de forma diferente da que ocorreu por aqui. No Brasil, a Telefonica é dona da porção paulista da antiga Telebras, de 50% da Vivo (negocia com a Portugal Telecom a compra da outra metade), da TVA (comprada ao Grupo Abril, que não aguentou a disputa) e de uma recém lançada operação de TV via satélite. Já a Telmex é proprietária da Embratel, da Claro e da NET Serviços (a dona da rede de cabos da TV paga da família Marinho).
De brasileiro mesmo só restaram a Telemar e a Brasil Telecom. Separadas elas não têm nenhuma chance de disputar o mercado com suas rivais estrangeiras. Mesmo os antigos adeptos do processo de privatização da Telebras já começam a defender a fusão das duas. Passados nove anos, seria uma tentativa de reverter, mesmo assim só parcialmente, o estrago feito pela venda da Telebras em fatias.
Mas, aqui começa um outro tipo de problema. Estas duas empresas possuem entre seus acionistas algumas raposas velhas, que estão há anos operando privadamente com recursos públicos, graças às suas conexões com os sucessivos governos. O fato deles e de seus políticos aliados estarem defendendo a fusão da Telemar e da Brasil Telecom deve ser visto com preocupação. A fusão deve ser transparente ao ponto de evitar que seus atuais acionistas tenham ganhos desmedidos com a operação. Ao mesmo tempo, devem haver garantias de que, ao final do processo de fusão, a empresa resultante não seja simplesmente vendida para uma operadora estrangeira. Ou seja, Telefonica e Telmex ficariam apenas esperando para adquirir o bolo todo e não somente um pedaço.
Como boa parte do dinheiro colocado no processo de venda destas operadoras é proveniente do Estado, nada mais justo que este Estado tenha um papel de destaque na nova empresa. Não é possível repetir o erro da privatização da Telebras, onde o dinheiro foi público, mas a gestão privada. A presença do Estado, por sua vez, deve se dar a partir de políticas públicas que coloquem esta nova empresa a serviço de duas relevantes tarefas: universalização da banda larga e produção de ciência e tecnologia.
Infelizmente, o governo Lula não tem demonstrado nem a visão estratégica nem a vontade política de construir um projeto nacional para o campo das telecomunicações, que lance mão da presença do Estado para reunir o que sobrou do antigo Sistema Telebras. Sem isso, corremos o risco de assistir as duas últimas peças brasileiras caírem em mãos de grandes grupos transnacionais e assim perderemos de vez o controle sobre a infra-estrutura de telecomunicações do país.
Curioso e triste é o fato de que muitos dos antigos líderes sindicais que lutaram contra a privatização da Telebras, hoje estão no governo, ou bem próximo dele, operando a defesa do modelo fracassado que eles mesmos criticaram.
[1] - DANTAS, Marcos, "Uma alternativa para as telecomunicações no cenário da 'gloalização': a Brasil Telecom", Comunicação&política, nova série, V. 5, n. 1, jan-abr 1998, pags. 7-48.
* Gustavo Gindre é membro do Intervozes e membro eleito do Comitê Gestor da Internet no Brasil.
Por este modelo, o Sistema Telebras foi dividido em três operadoras fixas (as atuais Brasil Telecom, Telemar e Telefonica), uma operadora de longa distância (Embratel) e nove operadoras móveis. A Europa e o México também passaram por processos de privatização das suas operadoras de telecomunicações, mas seguiram um caminho diferente do brasileiro. Nestes países optou-se por vender a operação toda, sem fatiar a empresa. E o governo manteve a chamada “golden share”, que lhe permite intervir caso a operadora não atenda às respectivas demandas de políticas públicas em telecomunicações. Em todas elas, houve a obrigação de manter o controle da empresa com o capital nacional.
Em 1996, a Telebras tinha receita operacional de US$ 12,7 bilhões, lucro líquido de US$ 2,73 bilhões, gerava 98 mil empregos e possuía 15,9 milhões de linhas fixas em serviço. Já a Telmex tinha receita operacional de US$ 6,93 bilhões, lucro líquido de US$ 1,53 bilhões, gerava 49 mil empregos e possuía 8,8 milhões de linhas fixas em serviço [1]. Hoje, o dono da Telmex (Carlos Slim Helu) acaba de se tornar o homem mais rico do mundo e 25% do seu faturamento em telecomunicações é obtido em território brasileiro. Já a Telebras...
Com o desmembramento da Telebras, o governo brasileiro gerou o mesmo fenômeno que ocorrera nos Estados Unidos entre 1984 e 1996, mas em proporções ainda maiores. Em um primeiro momento, as empresas resultantes foram compradas por investidores financeiros brasileiros (com a ajuda de dinheiro público, proveniente do BNDES, Previ e Petros, entre outros) e estrangeiros. Em paralelo, os grandes grupos estrangeiros (ancorados no domínio de seus mercados internos) partiram para a compra destas empresas, aproveitando-se da sua pouca competitividade e da necessidade destes investidores realizarem lucros.
Telmex e Telefonica de España têm disputado palmo a palmo o mercado latino-americano e, consequentemente, o brasileiro. Ambas são frutos de processos de privatização, mas realizados de forma diferente da que ocorreu por aqui. No Brasil, a Telefonica é dona da porção paulista da antiga Telebras, de 50% da Vivo (negocia com a Portugal Telecom a compra da outra metade), da TVA (comprada ao Grupo Abril, que não aguentou a disputa) e de uma recém lançada operação de TV via satélite. Já a Telmex é proprietária da Embratel, da Claro e da NET Serviços (a dona da rede de cabos da TV paga da família Marinho).
De brasileiro mesmo só restaram a Telemar e a Brasil Telecom. Separadas elas não têm nenhuma chance de disputar o mercado com suas rivais estrangeiras. Mesmo os antigos adeptos do processo de privatização da Telebras já começam a defender a fusão das duas. Passados nove anos, seria uma tentativa de reverter, mesmo assim só parcialmente, o estrago feito pela venda da Telebras em fatias.
Mas, aqui começa um outro tipo de problema. Estas duas empresas possuem entre seus acionistas algumas raposas velhas, que estão há anos operando privadamente com recursos públicos, graças às suas conexões com os sucessivos governos. O fato deles e de seus políticos aliados estarem defendendo a fusão da Telemar e da Brasil Telecom deve ser visto com preocupação. A fusão deve ser transparente ao ponto de evitar que seus atuais acionistas tenham ganhos desmedidos com a operação. Ao mesmo tempo, devem haver garantias de que, ao final do processo de fusão, a empresa resultante não seja simplesmente vendida para uma operadora estrangeira. Ou seja, Telefonica e Telmex ficariam apenas esperando para adquirir o bolo todo e não somente um pedaço.
Como boa parte do dinheiro colocado no processo de venda destas operadoras é proveniente do Estado, nada mais justo que este Estado tenha um papel de destaque na nova empresa. Não é possível repetir o erro da privatização da Telebras, onde o dinheiro foi público, mas a gestão privada. A presença do Estado, por sua vez, deve se dar a partir de políticas públicas que coloquem esta nova empresa a serviço de duas relevantes tarefas: universalização da banda larga e produção de ciência e tecnologia.
Infelizmente, o governo Lula não tem demonstrado nem a visão estratégica nem a vontade política de construir um projeto nacional para o campo das telecomunicações, que lance mão da presença do Estado para reunir o que sobrou do antigo Sistema Telebras. Sem isso, corremos o risco de assistir as duas últimas peças brasileiras caírem em mãos de grandes grupos transnacionais e assim perderemos de vez o controle sobre a infra-estrutura de telecomunicações do país.
Curioso e triste é o fato de que muitos dos antigos líderes sindicais que lutaram contra a privatização da Telebras, hoje estão no governo, ou bem próximo dele, operando a defesa do modelo fracassado que eles mesmos criticaram.
[1] - DANTAS, Marcos, "Uma alternativa para as telecomunicações no cenário da 'gloalização': a Brasil Telecom", Comunicação&política, nova série, V. 5, n. 1, jan-abr 1998, pags. 7-48.
* Gustavo Gindre é membro do Intervozes e membro eleito do Comitê Gestor da Internet no Brasil.
LEIA TAMBÉM A RESPEITO DOS DEZ ANOS DA PRIVATIZAÇÃO DA CRT AQUI.
2 comentários:
Telecomunicação é serviço. E serviço tem de ser eficiente. O povo brasileiro não tem nenhuma saudade do monopólio estatal das teles. Aquilo sim era um atraso. Filas imensas, telefones demoravam para serem instalados e o empreguismo era corrente. A festa acabou. O monopólio estatal foi extinto para sempre. Há problemas no setor, inegavelmente há, mas que podem ser bem resolvidos por gestão competente, transparente e responsável.
Outra coisa, privatização não é o termo certo, porque esses serviços continuam sendo públicos. Apenas o Estado passou para a iniciativa privada a concessão desse importante serviço com responsabilidade de continuidade e universalidade e com a tarefa de cumprir as metas impostas pelos contratos de concessão e pelas normatizações da Agência. Muito melhor assim do que como era antes.
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