Leia abaixo matéria publicada no site Terra Magazine e assinada por Daniel Bramatti:
A “tragédia anunciada” revelou-se não apenas um clichê, mas um grande erro. Ao que tudo indica, o acidente com o avião da TAM não teve nada a ver com pista molhada, “grooving” ou ineficiência governamental.
Suspeito usual por conta da crise aérea - que é concreta e inegável -, o governo foi quase de imediato relacionado às 199 mortes por comentaristas, políticos e meios de comunicação, ainda que várias vozes ponderadas apontassem a necessidade de, ao menos, esperar pelos dados das caixas-pretas.
Para Clóvis de Barros Filho, professor de Ética da Comunicação, esse movimento não é surpreendente. “Já não é de hoje que a mídia em geral tem apreço por endossar versões que deslegitimam a ação do Estado”, afirmou, em entrevista a Terra Magazine.
O professor vê sinais de politização em uma cobertura jornalística que deveria ser técnica. “É óbvio que algumas manifestações de autoridades do governo são profundamente infelizes, inclusive do presidente da República. Entretanto continuo a acreditar que existe uma confusão propositadamente estabelecida com o intuito de fazer com que um caso gravíssimo e episódico seja inscrito numa crise - que existe, mas que não tem nada a ver com esse acidente.”
Que a confusão está estabelecida, não há dúvidas. Uma busca no Google pelos termos “tragédia anunciada”, “TAM” e “Congonhas” traz links para mais de 60 mil sites.
Leia a seguir a entrevista de Barros Filho, que leciona na Escola de Comunicação e Artes da USP e na Escola Superior de Propaganda e Marketing:
Terra Magazine - Depois da publicação de trechos da caixa preta pela Folha de S.Paulo, os deputados da CPI do Apagão Aéreo decidiram divulgar a transcrição dos diálogos do piloto e do co-piloto, inclusive até o momento em que são registrados gritos na cabine. O senhor acha que existe algum problema ético em divulgar essas últimas manifestações?
Clóvis de Barros Filho - Acho que só não deveria se divulgar se isso atrapalhasse as investigações. Não creio que seja esse o caso, não vejo por que não divulgar. Acho que, a partir do momento que a especulação sobre as causas do acidente tem muita relevância política, a divulgação dessas informações permite um esclarecimento que talvez redirecione a opinião pública.
O senhor falou em especulações e relevância política. O senhor acha que, logo após o acidente, a cobertura jornalística deu excessivo destaque à hipótese de um problema da pista, em detrimento de uma possível falha técnica ou humana?
Já não é de hoje que a mídia em geral tem apreço por endossar versões que deslegitimam a ação do Estado. É, portanto, natural que a tese da insuficiência da pista tivesse ganho o aplauso inicial. O fato de isso ter de eventualmente ser revisto é salutar. Penso que só não enxerga quem não quer.
Existem aí indícios muito claros de que o episódio de Congonhas está, digamos, sendo instrumentalizado. De um lado um movimento de deslegitimização do Estado, orquestrado pelo mundo corporativo, através do discurso da ineficácia, que tem como contrapartida a responsabilidade social e outras baboseiras. Tudo o que mostra a ineficácia do Estado interessa a certas políticas, a serviço de quem a mídia costuma estar.
Um segundo movimento é o da corrosão da legitimidade do atual governo, contra o qual a mídia opera como um todo, com honrosas exceções, como força de oposição. A partir do momento em que a acachapante derrota nas urnas colocou em xeque esse movimento, parece que estamos assistindo a uma venezuelização da vida política brasileira, com as classes médias e altas servindo-se dos meios de comunicação para levantar hipóteses de impedimento do presidente com base na crise do setor aéreo.
Mais do que uma precipitação da imprensa ao responsabilizar o governo, o senhor acha então que houve um movimento deliberado?
Se o senhor pedir para apresentar provas, não tenho. Mas é o que eu acho. Se o senhor acompanhar a leitura de algumas revistas na época das eleições, fica fácil perceber que existe um “a priori” partidário e ideológico que orquestra todas as decisões editoriais. Decisões de capa, de política editorial como um todo. Relação quase de radical deslegitimação do governo Lula. Então por que não um avião a mais nesse processo? É claro que o governo não ajudou. Declarações como a da Marta Suplicy e gestos como o do Marco Aurélio Garcia, de alguma forma, facilitam esse tipo de articulação.
É evidente que, quando se pensa na crise do setor aéreo, há um problema. O acidente do avião da TAM me parece um outro problema. A confusão desses dois problemas é do interesse político de alguns. Uma coisa é o caso da malha aérea nacional, o problema dos controladores de vôo etc., em relação aos quais o governo talvez tenha bastante responsabilidade. A outra coisa é o problema técnico que levou o avião a não parar. A meu juízo, esses problemas são bastante diferentes, mas eles são invariavelmente tratados no mesmo saco, e claro que com um efeito reforçativo de ineficácia que interessa a muitos.
Como o senhor vê o fato de ter se carimbado esse acidente, desde o início, como uma tragédia anunciada?
No momento em que isso foi dito essa observação era absurda, porque não se podia saber em hipótese alguma, naquele momento, qual era a causa. Se você não sabe qual é a causa de um fenômeno, você não pode dizer que aquilo foi anunciado. Estou convencido de que existe por trás disso um movimento de desestabilização.
É óbvio que o acidente do avião da TAM é de enorme gravidade. É óbvio que a dor das pessoas é incomensurável. É óbvio que algumas manifestações de autoridades do governo são profundamente infelizes, inclusive do presidente da República. Entretanto continuo a acreditar que existe uma confusão propositadamente estabelecida com o intuito de fazer com que um caso gravíssimo e episódico seja inscrito numa crise - que existe, mas que não tem nada a ver com esse acidente.
Como o senhor vê, nesse contexto, a articulação de um grupo de empresários e publicitários, dois dias depois do acidente, em torno de uma campanha chamada de movimento Cansei, depois abraçada pela OAB de São Paulo?
O movimento Cansei é o retorno do recalcado. A derrota de Geraldo Alckmin, para quem estuda os meios de comunicação como eu, é um enorme mistério. Para quem ensina que a mídia produz efeitos extraordinários de condução da opinião pública, agenda os temas políticos fundamentais etc., você imaginar que um candidato ganha com enorme facilidade uma eleição na contramão de toda a mídia de massa do país é, no mínimo, estranho. Parto da premissa de que a mídia produziu sim um grande efeito - se não tivesse produzido, a derrota teria sido ainda mais acachapante. Ora, depois desse massacre eleitoral...
Quando o candidato é o que interessa, aí a festa é cívica, a voz do povo é a voz de Deus e o resultado das eleições é soberano. Quando o resultado não interessa, aí o movimento Cansei é levantado como legítimo etc. A meu ver, esse movimento é um golpe. É uma tentativa de golpe daqueles que foram violentamente derrotados nas eleições.
A “tragédia anunciada” revelou-se não apenas um clichê, mas um grande erro. Ao que tudo indica, o acidente com o avião da TAM não teve nada a ver com pista molhada, “grooving” ou ineficiência governamental.
Suspeito usual por conta da crise aérea - que é concreta e inegável -, o governo foi quase de imediato relacionado às 199 mortes por comentaristas, políticos e meios de comunicação, ainda que várias vozes ponderadas apontassem a necessidade de, ao menos, esperar pelos dados das caixas-pretas.
Para Clóvis de Barros Filho, professor de Ética da Comunicação, esse movimento não é surpreendente. “Já não é de hoje que a mídia em geral tem apreço por endossar versões que deslegitimam a ação do Estado”, afirmou, em entrevista a Terra Magazine.
O professor vê sinais de politização em uma cobertura jornalística que deveria ser técnica. “É óbvio que algumas manifestações de autoridades do governo são profundamente infelizes, inclusive do presidente da República. Entretanto continuo a acreditar que existe uma confusão propositadamente estabelecida com o intuito de fazer com que um caso gravíssimo e episódico seja inscrito numa crise - que existe, mas que não tem nada a ver com esse acidente.”
Que a confusão está estabelecida, não há dúvidas. Uma busca no Google pelos termos “tragédia anunciada”, “TAM” e “Congonhas” traz links para mais de 60 mil sites.
Leia a seguir a entrevista de Barros Filho, que leciona na Escola de Comunicação e Artes da USP e na Escola Superior de Propaganda e Marketing:
Terra Magazine - Depois da publicação de trechos da caixa preta pela Folha de S.Paulo, os deputados da CPI do Apagão Aéreo decidiram divulgar a transcrição dos diálogos do piloto e do co-piloto, inclusive até o momento em que são registrados gritos na cabine. O senhor acha que existe algum problema ético em divulgar essas últimas manifestações?
Clóvis de Barros Filho - Acho que só não deveria se divulgar se isso atrapalhasse as investigações. Não creio que seja esse o caso, não vejo por que não divulgar. Acho que, a partir do momento que a especulação sobre as causas do acidente tem muita relevância política, a divulgação dessas informações permite um esclarecimento que talvez redirecione a opinião pública.
O senhor falou em especulações e relevância política. O senhor acha que, logo após o acidente, a cobertura jornalística deu excessivo destaque à hipótese de um problema da pista, em detrimento de uma possível falha técnica ou humana?
Já não é de hoje que a mídia em geral tem apreço por endossar versões que deslegitimam a ação do Estado. É, portanto, natural que a tese da insuficiência da pista tivesse ganho o aplauso inicial. O fato de isso ter de eventualmente ser revisto é salutar. Penso que só não enxerga quem não quer.
Existem aí indícios muito claros de que o episódio de Congonhas está, digamos, sendo instrumentalizado. De um lado um movimento de deslegitimização do Estado, orquestrado pelo mundo corporativo, através do discurso da ineficácia, que tem como contrapartida a responsabilidade social e outras baboseiras. Tudo o que mostra a ineficácia do Estado interessa a certas políticas, a serviço de quem a mídia costuma estar.
Um segundo movimento é o da corrosão da legitimidade do atual governo, contra o qual a mídia opera como um todo, com honrosas exceções, como força de oposição. A partir do momento em que a acachapante derrota nas urnas colocou em xeque esse movimento, parece que estamos assistindo a uma venezuelização da vida política brasileira, com as classes médias e altas servindo-se dos meios de comunicação para levantar hipóteses de impedimento do presidente com base na crise do setor aéreo.
Mais do que uma precipitação da imprensa ao responsabilizar o governo, o senhor acha então que houve um movimento deliberado?
Se o senhor pedir para apresentar provas, não tenho. Mas é o que eu acho. Se o senhor acompanhar a leitura de algumas revistas na época das eleições, fica fácil perceber que existe um “a priori” partidário e ideológico que orquestra todas as decisões editoriais. Decisões de capa, de política editorial como um todo. Relação quase de radical deslegitimação do governo Lula. Então por que não um avião a mais nesse processo? É claro que o governo não ajudou. Declarações como a da Marta Suplicy e gestos como o do Marco Aurélio Garcia, de alguma forma, facilitam esse tipo de articulação.
É evidente que, quando se pensa na crise do setor aéreo, há um problema. O acidente do avião da TAM me parece um outro problema. A confusão desses dois problemas é do interesse político de alguns. Uma coisa é o caso da malha aérea nacional, o problema dos controladores de vôo etc., em relação aos quais o governo talvez tenha bastante responsabilidade. A outra coisa é o problema técnico que levou o avião a não parar. A meu juízo, esses problemas são bastante diferentes, mas eles são invariavelmente tratados no mesmo saco, e claro que com um efeito reforçativo de ineficácia que interessa a muitos.
Como o senhor vê o fato de ter se carimbado esse acidente, desde o início, como uma tragédia anunciada?
No momento em que isso foi dito essa observação era absurda, porque não se podia saber em hipótese alguma, naquele momento, qual era a causa. Se você não sabe qual é a causa de um fenômeno, você não pode dizer que aquilo foi anunciado. Estou convencido de que existe por trás disso um movimento de desestabilização.
É óbvio que o acidente do avião da TAM é de enorme gravidade. É óbvio que a dor das pessoas é incomensurável. É óbvio que algumas manifestações de autoridades do governo são profundamente infelizes, inclusive do presidente da República. Entretanto continuo a acreditar que existe uma confusão propositadamente estabelecida com o intuito de fazer com que um caso gravíssimo e episódico seja inscrito numa crise - que existe, mas que não tem nada a ver com esse acidente.
Como o senhor vê, nesse contexto, a articulação de um grupo de empresários e publicitários, dois dias depois do acidente, em torno de uma campanha chamada de movimento Cansei, depois abraçada pela OAB de São Paulo?
O movimento Cansei é o retorno do recalcado. A derrota de Geraldo Alckmin, para quem estuda os meios de comunicação como eu, é um enorme mistério. Para quem ensina que a mídia produz efeitos extraordinários de condução da opinião pública, agenda os temas políticos fundamentais etc., você imaginar que um candidato ganha com enorme facilidade uma eleição na contramão de toda a mídia de massa do país é, no mínimo, estranho. Parto da premissa de que a mídia produziu sim um grande efeito - se não tivesse produzido, a derrota teria sido ainda mais acachapante. Ora, depois desse massacre eleitoral...
Quando o candidato é o que interessa, aí a festa é cívica, a voz do povo é a voz de Deus e o resultado das eleições é soberano. Quando o resultado não interessa, aí o movimento Cansei é levantado como legítimo etc. A meu ver, esse movimento é um golpe. É uma tentativa de golpe daqueles que foram violentamente derrotados nas eleições.
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