2 de agosto de 2007

Latuff intimidado pela polícia

Chargista Carlos Latuff é intimado a depor após publicar ilustrações sobre PAN
Por Cristiane Prizibisczki/Redação Portal IMPRENSA
O artista gráfico Carlos Latuff, conhecido por suas charges de denúncia contra injustiças sociais e abusos de poder, teve uma desagradável surpresa na última terça-feira (24/07): sua casa recebeu a visita de policiais munidos de intimação expedida pela delegada Valéria de Aragão Sadio, da Delegacia de Repressão aos Crimes Contra Propriedade Imaterial.
No documento, a polícia informava que Latuff deveria comparecer à delegacia nesta quinta-feira (26), a fim de prestar esclarecimentos sobre recentes ilustrações que faziam referência ao Pan, entre elas, a do mascote dos jogos segurando um fuzil ao lado de uma viatura policial conhecida como "Caveirão".
Esta não é a primeira vez que Latuff tem de prestar esclarecimentos. Talvez por isso mesmo ele seja tão avesso a dar entrevistas e a ver seu nome impresso nos meios de comunicação. Mesmo assim, o desconfiado chargista topou conversar com o Portal IMPRENSA. Confira:
IMPRENSA - Latuff, você vai comparecer à delegacia nesta quinta-feira?
Carlos Latuff - Estive na terça-feira, pela manhã, assim que os policiais foram a minha residência, de posse da intimação.
IMPRENSA - Você acredita que esta intimação configura uma perseguição pessoal, considerando o fato de que outros chargistas também utilizaram o mascote do PAN?
Latuff - Talvez eu não fosse intimado se a charge tivesse sido publicada por um jornalão. Mas, como foi reproduzida pela Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência, uma organização do movimento popular, que denuncia a violência policial contra comunidades carentes, o caso foi tratado como crime. Não me surpreende nem um pouco, já que o movimento social tem sido criminalizado ao longo dos anos. Fica claro pra mim que se trata de uma ação eminentemente política, já que o cartunista Aroeira, que trabalha para o jornal O Dia, publicou três charges utilizando a imagem do mascote do Pan com a caricatura do prefeito César Maia, do governador Sérgio Cabral e do presidente Lula, e não recebeu a visita da polícia em casa, e nem o referido jornal foi indiciado por "utilização indevida" da imagem.
IMPRENSA - Você já havia sofrido algum tipo de coerção ou perseguição pelo trabalho que faz?
Latuff - Por duas vezes já fui prestar depoimentos em delegacias por conta de charges. A primeira vez em 1999, por ter lançado uma série de charges sobre a violência e corrupção policiais: http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2001/09/6125.shtml.
A segunda em 2000, por ter feito grafites contra a chamada "banda podre" da polícia: http://brasil.indymedia.org/images/2001/10/208861.jpg
E mais recentemente recebi ameaças de morte de partidários do Likud em Israel por conta de minhas charges em apoio aos palestinos:
http://www.novae.inf.br/site/modules.php?name=Conteudo&pid=427
IMPRENSA - Porque você decidiu trabalhar com estes temas sociais?
Latuff - Por entender que o artista não pode ser insensível ao sofrimento dos que o rodeiam, especialmente quando esse sofrimento é causado pela corrupção, pela violência do estado, pelo capitalismo, pela covardia. Não dá pra ficar desenhando coisinhas engraçadinhas e ignorar que num shopping da zona sul você encontra um lustre de 15 mil reais enquanto na entrada meninos cheiram cola. Não vim pra agradar, pra ter amiguinhos cartunistas, pra trocar sorrisos com jornalistas do "mainstream", pra buscar em entrevistas os famigerados 15 minutos de fama. Vim pra mexer, pra revirar a lama que ninguém quer tocar.
IMPRENSA - O que você achou da atitude da delegada Valéria?
Latuff - Trata-se de mais um incidente em que a polícia é utilizada para fins políticos. Claro que ao saber que tanto o governador quanto o prefeito se sentiram "indignados" com a charge, imaginei que haveria resposta policial, já que o Pan foi alçado a categoria de dogma religioso. Só exaltações ufanistas são permitidas, críticas porém são heresias passíveis de severa punição. De fato, trata-se de um evento de importância quase sacra para as Organizações Globo e demais empresas de mídia envolvidas na cobertura esportiva, para anunciantes, empreiteiros, governos municipal e estadual. Todo mundo ganhando os tubos, menos a população do Rio, que certamente não vai ver a cor desse dinheiro todo.
IMPRENSA - Vai continuar trabalhando com os mesmos temas, mesmo com o risco de até ser preso?
Latuff - Sem dúvida! Se tiver de pagar o preço, pagarei. Minhas obras são assinadas, não emito documentos apócrifos. Assumo tudo o que faço. Vou continuar utilizando minha arte como instrumento de denúncia, e todas as organizações do movimento popular no Brasil e fora dele estão livres para reproduzir quaisquer de minhas imagens. Abro mão de todos os direitos autorais, em favor dos que mais precisam, sejam sem-teto, camelôs, favelados, desempregados, palestinos, iraquianos etc.
Creio que incidentes como esse demonstram claramente a falácia da "liberdade de expressão", da tal "democracia" que mais parece o Monstro do Lago Ness, que dizem que existe mas eu particularmente nunca vi.

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