11 de setembro de 2007

ESTADÃO RECUA E DIZ A BLOGUEIROS: "AMAMOS VOCÊS"

O jornal O Estado de S.Paulo fez na noite de quarta-feira, durante a Mesa-redonda Responsabilidade e Conteúdo Digital, um pedido formal de desculpas aos blogueiros, depois da reação provocada pela nova campanha publicitária do portal do Estadão, com crítica direta à informação produzida e veiculada por blogs.
“A campanha não teve o objetivo da ofensa ou da irritação”, abriu a noite de debate o jornalista Roberto Godoy, do Estadão, ao ler comunicado oficial do jornal. “Amamos os blogs”, resumiu.
O encontro Responsabilidade e Conteúdo Digital foi uma iniciativa do próprio Estadão, para tentar conter a ira de blogueiros e de muitos outros internautas que se sentiram atacados pela campanha criada pela agência Talent, “Por onde você tem clicado, heim”, que entrou no ar no começo de agosto. O filme da campanha do novo portal do Estadão, por exemplo, compara o blogueiro a um macaco, que vive apenas “copiando e multiplicando textos pela rede”.
(...)
Para a discussão sobre conteúdo na Internet, o Estadão convidou oito pessoas: Carlos Merigo, do blog Brainstorm#9 (www.brainstorm9.com.br), um dos blogs mais conceituados do mercado publicitário; Bruna Calheiros, do blog Sedentário e Hiperativo (www.sedentario.org) , que traz textos sobre assuntos da web e gerais, com outros quatro blogueiros; Edney Souza, do blog InterNey.net (www.interney.net), uma comunidade de blogs; Pedro Doria, editor-executivo do Estadão; João Livi, diretor de criação da Talent; Marcelo Salles Gomes, diretor do Núcleo Digital do jornal Meio&Mensagem, com notícias do mercado publicitário; Osvaldo Barbosa Lima, presidente do IAB Brasil (Interactive Advertising Bureau), órgão com a finalidade de organizar a propaganda na Internet brasileira; e Gilson Schwartz, professor da ECA (Escola de Comunicação e Artes) da Universidade de São Paulo e responsável pela Cidade do Conhecimento, projeto de inclusão digital da USP.
Paulo Lima, editor da revista Trip, o moderador do debate, chamou o momento atual de “maravilhoso, da transição por si, quando nada está parado”. Lima recordou que as novas tecnologias possibilitaram que todos se transformassem em emissores e não mais apenas em receptores de mensagens. E disse se considerar “um blogueiro de papel”. Lembrou que hoje se pode praticamente tudo, mas que isso tem uma contrapartida imediata: “Quando você pode tudo, a responsabilidade aumenta muito. Na melhor das hipóteses, você é um editor do próprio pensamento”.
Carlos Merigo, do Brainstorm#9, criticou mais uma vez a campanha do Estadão, dizendo que ela “aumenta o estereótipo de que blog é brincadeira de adolescente, que não tem credibilidade”.
Bruna Calheiros, do Sedentário e Hiperativo, disse ter se sentido atacada diretamente pelo Estadão: “O que pegou foi a generalização. Parece que tudo que você está construindo, levando a sério, é uma merda”.
Reação e revisão
Edney Souza, do InterNey.net, recordou que blog foi tachado de coisa de adolescente pela própria mídia, quando ainda não era visto assim. Foi esse tratamento dado pela mídia que transformou a ferramenta em uso quase exclusivo de adolescentes, ou como coisa de amadores.
João Livi, da Talent, afirmou que a campanha criada por sua agência teve o foco certo, que é a questão da credibilidade, às vezes duvidosa, da informação na Internet. Mas negou que fosse campanha contra blogs e admitiu uma revisão: “Não tem por que não corrigir”. Livi considerou positivo o debate que nasceu com a contestação da campanha publicitária e pediu mais: “Esse país precisa de debate. Precisamos entrar na era do debate”.
Marcelo Salles Gomes, do Meio&Mensagem, reconheceu a força adquirida pela blogosfera e defendeu a criação da disciplina de mídia nas escolas: “Para aprender a se relacionar com a mídia, compreender a mídia”. Marcelo lembrou também de que não existe imparcialidade nem em comunicação nem em nada que se faça, que tudo são escolhas. E que a leitura do Estadão, por esse motivo, precisa ser feita criteriosa e criticamente.
Pedro Doria cobrou relevância da Internet brasileira. Disse ter acumulado sucessivas frustrações com a mídia digital do país por sua falta de influência efetiva nos rumos. “O que acontece no Brasil que isso ainda não se solidificou? O que está freando?”. Ele ainda vê também o problema da credibilidade do meio: “Fica sempre aquele raio de ponto de interrogação naquilo que você lê”. Mas viu algo positivo nisso, com a formação de um leitor mais crítico: “A Internet vai pregando tantas peças que você começa a se tornar um leitor melhor”.
“Lixolândia”
Rejeitando de início o “chapéu pensante” da academia, oferecido pelo mediador Paulo Lima, mas, na seqüência, enfiando-o na cabeça por inteiro, Gilson Schwartz, da USP, defendeu a campanha do Estadão: “O Estadão tem razão de descer o cacete [no conteúdo produzido e veiculado pela Internet]. Acho ótimo alguém descer o cacete”.
Afirmou que a Internet está repleta de macacos e, às vezes, de alguns bonobos, grupo de macacos considerados mais avançados nos modos: “Esses são mais gentis”. Chamou a Internet de “lixolândia”: “Tem muito lixo, mesmo. Muita informação com baixa relevância”. Falou especificamente da infinidade de diários e criticou a “mistificação” das redes sociais.
Para o estudioso, a credibilidade ainda está associada ao papel e, quando todo mundo se torna emissor, “falta receptor”.
O blogueiro Edney reconheceu também o problema da credibilidade na blogosfera: “Falta o cara que vai colher [a informação] em primeira mão”. E sugeriu que grupos de blogueiros talvez tenham mais sustentabilidade.
O presidente do IAB Brasil, Osvaldo Barbosa Lima, afirmou que a “Internet não é contra as outras mídias, ela complementa”. Para ele, a Internet não vai substituir nenhuma outra mídia, mas tem o papel de renovação do mercado em geral. E só vai ficar no mercado quem tiver credibilidade, num processo de “seleção natural”.
Ao final do debate, Carlos Merigo comemorou: “Foi um pouco do reconhecimento da influência que hoje [os blogueiros] a gente tem. O debate foi muito saudável. É preciso estimular a ter mais”.
Leia agora a entrevista exclusiva com o editor-chefe de Conteúdo Digital do Grupo Estado, Marco Chiaretti, sobre a polêmica nascida com a campanha, credibilidade do Estadão e sua visão dos desafios para a comunicação digital:
“ESTAMOS APRENDENDO COM VOCÊS”
Jornalirismo – O Estadão errou na campanha que fez? Comprar uma briga, uma briga desigual, não é?
Marco Chiaretti – Eu não acho isso. Eu acho que é o que foi dito no começo [da mesa-redonda]: ninguém queria ofender, irritar, magoar ninguém. Esse ponto [a campanha], evidentemente, não ajudou. Eu acho que a maior parte das pessoas não se sentiu diretamente tocada. Não sou da área de marketing, não sou especialista em publicidade, eu tenho responsabilidade jornalística e não de marketing. É difícil até para eu dizer “Errou”, “Não errou”. Acho que, mesmo que tivesse havido esse overwhealming [ação excessiva], o que aconteceu nas últimas três semanas, por mais difícil que tenha sido, foi importante.
Jornalirismo – O Estadão acabou reconhecendo que os blogs são importantes, na verdade. Blogs, em geral.
Marco Chiaretti – Vou te falar um negócio: o Estadão sempre achou que são importantes. Seria uma loucura se não achasse isso. O Estadão, não estou querendo defender o meu peixe, até porque não sou a pessoa mais indicada para isso, faz 20 anos que o grupo está trabalhando com Internet e não há nenhuma discussão sobre a relevância da blogosfera. Não era isso. E acho que não é isso, porque, se fosse isso...
Jornalirismo – [O Estadão] Foi obrigado a reconhecer a relevância da coisa. O citizen journalism [o jornalismo cidadão, que abre espaço para que o leitor se torne também produtor da noticia].
Marco Chiaretti – Deixe eu te explicar uma coisa: não é obrigado, faz parte do negócio. Ninguém nos forçou a reconhecer uma situação que já existe. Sem querer ser contrário à tua questão, o ponto é que nunca nos passou pela cabeça ser contra. Não faz sentido no jornalismo do século XXI ser contra. Não seria parte do nosso DNA. A gente está fazendo isso há tanto tempo que ser contra o citizen journalism, ser contra a participação da blogosfera na divulgação, criação e edição de informação, ser contra a transformação das pessoas em emissores e produtores de notícias não faz sentido.
Jornalirismo – Você mesmo disse que “estamos aprendendo com vocês” [blogueiros, no fechamento da mesa-redonda].
Marco Chiaretti – Estamos aprendendo, sim. Acho que não é aprender assim, “Ah, não, agora eu quero aprender e tal. Saquei que eu não sabia”. É assim mesmo, você está aprendendo.
Jornalirismo – É uma novidade para todo o mundo.
Marco Chiaretti – É, essas coisas estão meio que se recriando o tempo inteiro. Seria meio cabotino dizer: “Eu sei como funciona”. Não, não sei. As pessoas estão aprendendo, não é só aqui [no Brasil], fora daqui também. Acho que o que aconteceu mostra isso, evidencia isso. Essa discussão toda...
Jornalirismo – Foi motivada por uma reação.
Marco Chiaretti – É, é assim que funciona. Essas ações e reações de comunicação são assim mesmo. Isso foi ótimo. Eu acho que você pode falar muita coisa dessa campanha, menos que ela tenha sido anódina. Menos que ela tenha passado batido, menos que não tenha nos ajudado a refletir sobre a questão. Isso é mais do que a maioria das campanhas publicitárias que eu vejo podem dizer.
Jornalirismo – Acho que acabou também uma certa empáfia da grande mídia. Teve que reconhecer uma diferença.
Marco Chiaretti – Não sei direito esse troço da empáfia da grande mídia. Mas acho isso é uma coisa que as pessoas que não estão trabalhando nos jornais acham. Mas não é muito assim. São pessoas normais, eu sou igual a você. É uma função que eu estou ocupando. E as pessoas aqui [a platéia, em grande parte formada por blogueiros] também. Se a gente tivesse esse convencimento, eu acho, não tinha nada disso. Virava para a outra pessoa e falava assim: “Escuta, eu não quero te ouvir”. Isso certamente acontece e aconteceu, mas não foi o que aconteceu aqui [no episódio], eu acho. Não sei se dá para generalizar também. Se uma questão foi muito discutida aqui foi até onde a gente pode generalizar. Não generalizaria para o lado de lá, vamos dizer assim. O que acho que aconteceu de mais legal é a percepção da força crítica, da necessidade dessa crítica estar presente o tempo inteiro. De todos os lados, do lado do seu site, do lado do site que eu ajudo a fazer, do lado do blog do Carlos [Merigo, do Brainstorm#9]. É uma coisa permanente em qualquer um que se comunica. E esse esforço crítico permanente, esse imperativo da crítica, digamos, isso aí, sim, se alguém abandonar isso, acho que você tem toda a razão, isso é empáfia. Achar que está infenso, que não pode ser criticado. Não é verdade.
Jornalirismo – Como é que é fica a credibilidade do Estadão na Internet, como é que é essa busca? Tem alguns assuntos que a gente sabe que o Estadão é um pouco complexo, como religião, sem-terra. Quero saber se, na Internet, vai ter alguma coisa que vai avançar essa credibilidade.
Marco Chiaretti – Não sei se você concorda comigo. Mas, na minha opinião, no jornal, no jornal de papel, você vê uma questão que não é muito comum: que é uma separação muito clara entre opinião, informação e negócio. Entre Igreja, Estado e opinião. Vou te dar um exemplo: há alguns dias, no jornal O Estado de S.Paulo, foi feita uma entrevista de quatro páginas com o senhor presidente da República. Quatro páginas. Quatro. Uma, duas, três, quatro. Você diria que isso está dento da tua linha de interpretação sobre a não-isenção?
Jornalirismo – Lógico.
Marco Chiaretti – Claro que não.
Jornalirismo – Acho uma boa pauta. Acho importante um país saber o que um presidente fala.
Marco Chiaretti – O jornal é assim. Se o editorial, se o artigo de opinião do jornal tem uma posição crítica em relação ao presidente da República, isso, na minha opinião, não se imiscui no aspecto jornalístico, editorial. Esse é o esforço que o jornal faz. Acho isso. Evidentemente, é um jornal que tem uma visão política, que tem linha editorial. Mas, sinceramente, não acho isso um defeito.
Jornalirismo – Desde que esteja bem claro.
Marco Chiaretti – Acho que você pode falar um monte de coisas de O Estado de S.Paulo, menos que não seja claro na sua tomada de posições. Acho que essa é uma crítica que eu não faria ao Estadão.
Jornalirismo – Você é um cara que trabalha com Internet no Brasil desde o começo. Então você é um cara que acredita muito no meio. O que você acha que vai acontecer daqui para a frente? Os blogs vão virar profissionais? O Estadão unificou a redação... [do impresso e do digital].
Marco Chiaretti – Acho que nós vamos ter que aprender a inventar coisas na web. Acho, realmente, que a gente está replicando muito. Copiando estratégias de um meio no outro meio. Não é só papel-web, é tevê-web-papel. Não sei se você viu, a gente está inventando a TV Estadão aqui. Nós fizemos a transmissão de tevê, com equipamento, com toda a complexidade.
Jornalirismo – Na verdade, está todo o mundo aprendendo, mesmo.
Marco Chiaretti – Isso nós temos que desenvolver mais. Nós vamos ter que inventar mais. Tem uma economia grande nascendo aí, e essa economia nos empurra nisso. Não adianta a gente ficar falando: “Não vou fazer, não vou fazer”. Não tem jeito, vai ter que fazer. Você vai ter que fazer, eu vou ter que fazer.
Fonte: Jornalirismo.com, Guilherme Azevedo, 30/08/07.

3 comentários:

Anônimo disse...

Debate com jeito de "Conversas Cruzadas". O cara do Interney parece ser o único blogueiro com noção do embróglio em que estava metido.

Vale a pena dar uma lida no seu relato:

http://www.interney.net/?p=9760282

Anônimo disse...

Tem o video do debate no youtube: (70 min.)

http://www.youtube.com/watch?v=-gK5Chpj4-g

Claudinha disse...

Valeu a dica, sisqueci.