Excelente texto para iniciantes e para nem tanto.
A controvérsia no âmbito das ciências sociais sobre a possibilidade dos diferentes agentes articularem um conhecimento neutro, politicamente asséptico sobre a realidade, motivou vários escritos e formulações teóricas. Neutralidade axiológica que se originou da formação do paradigma das ciências naturais no século XVIII e XIX, no rastro da Revolução Industrial e da expansão da racionalidade quantitativa e produtivista própria do capitalismo mercantil, e que foi aos poucos se espraiando “imperialisticamente” sobre outros rincões do pensamento social. “Neutralização” axiológica do saber e da ação, proclamada pelos diversos matizes do positivismo que se naturaliza com o desenvolvimento do capitalismo pós-moderno, onde a racionalidade tecnológica aprisiona o homem no círculo de ferro da dominação burocrática, fazendo com que a busca dos fins emancipatórios, gestados pelo iluminismo clássico, ceda lugar ao discurso monológico, autocrático e intolerante da competência. Afinal, o poder só pode ser exercido – segundo tal ideologia presumidamente não ideológica – por quem é investido de conhecimentos particulares e objetivos sobre a realidade, interditando-o aos “incompetentes”, notadamente em relação aqueles não originários das classes dominantes ou da elite tecnocrática e estamental que historicamente sempre nos governou.
A disseminação desta ideologia justificadora do “conhecimento desinteressado” encontrou acolhida generosa na grande mídia conservadora no Brasil e de seus “desinteressadísimos” defensores, entre os quais figuram intelectuais “cansados”, especialmente exauridos para entabular reflexões mais profundas, menos superficiais sobre a realidade nacional. A superficialidade conceitual, o impressionismo retórico, e a agressividade destilados por boa parte dos “jornalões” contra qualquer força social e política do campo popular, conforma de forma emblemática o desapego da grande mídia à isenção, ao apurado rigor investigativo e à ética jornalística. E, se porventura em um rasgo de espontânea ação defensiva, alguém, pasmem, “ousa” desfiar críticas a “crítica” grande imprensa, é prudente se resguardar, pois tal ato não passará impune.
Atitude de confrontação e desqualificação sistemática do oponente, que pode ser constatado da hostilidade da grande mídia contra o governo Lula, que busca sistematicamente “desconstruí-lo”, transformando-o em ícone da incompetência, do autoritarismo, da corrupção, do desmazelo daqueles setores populares inaptos para exercerem o poder. A editorialização dos jornais, o tom monocórdio dos argumentos brandidos em severos editoriais eivados de temperos udenistas, a ausência do pluralismo na análise dos fatos, a seleção dos focos da notícia pinçando certos episódios ou fragmentos da realidade para não apreendê-la na sua totalidade compreensiva, figuram entre outros procedimentos como os mecanismos recorrentes utilizados pela grande mídia para fabricar a realidade em consonância com os valores do mercado e da individualidade possessiva empresarial. Realidade ideologicamente produzida, mas que deve ser apresentada como algo inquestionável, óbvio a qualquer um que observe os fatos com “objetividade cristalina”, sem ideologia, nem aprioris.
Além da manipulação dos fatos, moldando-os de acordo com a narrativa da ideologia “não ideológica” do liberalismo economicista, a mídia inova ao criar hipóteses sobre acontecimentos, testando teorias as mais estapafúrdias, sobre o sentido dos atos e a culpabilidade dos integrantes do governo. Linha “criativa” de hipóteses que propiciou um verdadeiro bombardeio sobre o governo Lula, quando da morte de dezenas de cidadãos brasileiros em decorrência de acidente com avião da TAM em São Paulo. O achincalhe do presidente, a adjetivação farta ( assassinos!, irresponsáveis! ,etc.) e a “alegria raivosa” da oposição trafegaram amplamente nas páginas dos jornalões, em uma fúria condenatória que equivaleu a um verdadeiro linchamento do governo pela mídia. Aliás, o esgrimir de hipóteses jornalísticas, não obstante a lesão aos princípios mais comezinhos da arte de informar, figura como uma das contribuições mais significativas do jornalismo nativo a teratologia nacional já nada desprezível.
Ademais, deve-se salientar ainda o papel da grande mídia nas últimas eleições presidenciais, que marcaram profundamente sua atuação partidária, facciosa, que às escâncaras – como revela publicação recente da Fundação Perseu Abramo sobre a mídia nas eleições presidenciais de 2006 – agiu em favor da candidatura da direita, do Sr. Geraldo Alckmin, e contrariamente a alternativa democrática e popular consubstanciada em torno de Lula. Comportamento explicitamente partidário que foi rapidamente assimilado criticamente pela maioria da população, que ao sufragar Lula e o PT demonstrou sua posição de altiva independência frente à mídia dos monopólios e das elites sempiternas.
Como também ficaram claros a parcialidade e o tom faccioso da grande mídia ao tentar impedir e desqualificar o debate sobre o Conselho Nacional de Jornalismo, a classificação dos programas de televisão, a quota para negros nas universidades, o maior protagonismo do Estado nas políticas públicas, a importância da Bolsa-Família,a política internacional soberana e tantos outros assuntos, interditados ao debate.
O viés neoliberal da pré-compreensão da grande mídia, ao defender um conceito de liberdade negativa, abstencionista do Estado perante o mercado, e a sua postura de rejeição à ação positiva, intervencionista do governo Lula, traz a lume o embate ideológico entre a grande mídia e qualquer projeto minimamente democrático que se queira implantar em nosso país.
Neste sentido, a crítica que exercito, como tantos outros democratas, não se confunde com insatisfação com a existência “abusiva” da liberdade de imprensa em nosso país, nem mesmo com as críticas ao governo Lula e ao PT – muitas delas justas e necessárias para a expansão de aperfeiçoamento da esfera pública entre nós – mas com seu contrário, a negação prática e reiterada dos valores do pluralismo político, ideológico e cultural, por uma mídia conservadora, facciosa, partidária, forjada historicamente pelos seus nexos incestuosos contraídos com o poder econômico empresarial e com as burocracias autocráticas, notadamente nos períodos discricionários como no Golpe de 64 de infeliz memória.
Na verdade, somente teremos efetivamente liberdade de imprensa no Brasil quando conseguirmos democratizar a propriedade dos jornais e a concessão das rádios e canais de televisão para um conjunto de novos atores sociais ora excluídos. Democratização que deve envolver iniciativas como: universalização do direito à antena; concretização do preceito constitucional de um conselho da sociedade civil que estabeleça formas de controle público dos processos de concessão de rádios e TVs atualmente manipulados por políticos como moeda de troca para barganhas nada republicanas; e a vedação de propriedade cruzada de empresas de comunicação como ocorre na legislação de outros Estados democráticos, entre as demais propostas oriundas de grupos temáticos que se debruçam criticamente sobre o assunto.
Com tais mudanças, poderemos esperar a proliferação de novos espaços midiáticos, hoje represados pelos mecanismos antidemocráticos do mercado monopolístico da notícia, e um melhor equilíbrio entre as diversas correntes ideológicas existentes em nosso país, hoje refugadas pela ação familiar de alguns poucos grupos de comunicação em nosso país.
Newton de Menezes Albuquerque é professor de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC)- 07/09/2007
A disseminação desta ideologia justificadora do “conhecimento desinteressado” encontrou acolhida generosa na grande mídia conservadora no Brasil e de seus “desinteressadísimos” defensores, entre os quais figuram intelectuais “cansados”, especialmente exauridos para entabular reflexões mais profundas, menos superficiais sobre a realidade nacional. A superficialidade conceitual, o impressionismo retórico, e a agressividade destilados por boa parte dos “jornalões” contra qualquer força social e política do campo popular, conforma de forma emblemática o desapego da grande mídia à isenção, ao apurado rigor investigativo e à ética jornalística. E, se porventura em um rasgo de espontânea ação defensiva, alguém, pasmem, “ousa” desfiar críticas a “crítica” grande imprensa, é prudente se resguardar, pois tal ato não passará impune.
Atitude de confrontação e desqualificação sistemática do oponente, que pode ser constatado da hostilidade da grande mídia contra o governo Lula, que busca sistematicamente “desconstruí-lo”, transformando-o em ícone da incompetência, do autoritarismo, da corrupção, do desmazelo daqueles setores populares inaptos para exercerem o poder. A editorialização dos jornais, o tom monocórdio dos argumentos brandidos em severos editoriais eivados de temperos udenistas, a ausência do pluralismo na análise dos fatos, a seleção dos focos da notícia pinçando certos episódios ou fragmentos da realidade para não apreendê-la na sua totalidade compreensiva, figuram entre outros procedimentos como os mecanismos recorrentes utilizados pela grande mídia para fabricar a realidade em consonância com os valores do mercado e da individualidade possessiva empresarial. Realidade ideologicamente produzida, mas que deve ser apresentada como algo inquestionável, óbvio a qualquer um que observe os fatos com “objetividade cristalina”, sem ideologia, nem aprioris.
Além da manipulação dos fatos, moldando-os de acordo com a narrativa da ideologia “não ideológica” do liberalismo economicista, a mídia inova ao criar hipóteses sobre acontecimentos, testando teorias as mais estapafúrdias, sobre o sentido dos atos e a culpabilidade dos integrantes do governo. Linha “criativa” de hipóteses que propiciou um verdadeiro bombardeio sobre o governo Lula, quando da morte de dezenas de cidadãos brasileiros em decorrência de acidente com avião da TAM em São Paulo. O achincalhe do presidente, a adjetivação farta ( assassinos!, irresponsáveis! ,etc.) e a “alegria raivosa” da oposição trafegaram amplamente nas páginas dos jornalões, em uma fúria condenatória que equivaleu a um verdadeiro linchamento do governo pela mídia. Aliás, o esgrimir de hipóteses jornalísticas, não obstante a lesão aos princípios mais comezinhos da arte de informar, figura como uma das contribuições mais significativas do jornalismo nativo a teratologia nacional já nada desprezível.
Ademais, deve-se salientar ainda o papel da grande mídia nas últimas eleições presidenciais, que marcaram profundamente sua atuação partidária, facciosa, que às escâncaras – como revela publicação recente da Fundação Perseu Abramo sobre a mídia nas eleições presidenciais de 2006 – agiu em favor da candidatura da direita, do Sr. Geraldo Alckmin, e contrariamente a alternativa democrática e popular consubstanciada em torno de Lula. Comportamento explicitamente partidário que foi rapidamente assimilado criticamente pela maioria da população, que ao sufragar Lula e o PT demonstrou sua posição de altiva independência frente à mídia dos monopólios e das elites sempiternas.
Como também ficaram claros a parcialidade e o tom faccioso da grande mídia ao tentar impedir e desqualificar o debate sobre o Conselho Nacional de Jornalismo, a classificação dos programas de televisão, a quota para negros nas universidades, o maior protagonismo do Estado nas políticas públicas, a importância da Bolsa-Família,a política internacional soberana e tantos outros assuntos, interditados ao debate.
O viés neoliberal da pré-compreensão da grande mídia, ao defender um conceito de liberdade negativa, abstencionista do Estado perante o mercado, e a sua postura de rejeição à ação positiva, intervencionista do governo Lula, traz a lume o embate ideológico entre a grande mídia e qualquer projeto minimamente democrático que se queira implantar em nosso país.
Neste sentido, a crítica que exercito, como tantos outros democratas, não se confunde com insatisfação com a existência “abusiva” da liberdade de imprensa em nosso país, nem mesmo com as críticas ao governo Lula e ao PT – muitas delas justas e necessárias para a expansão de aperfeiçoamento da esfera pública entre nós – mas com seu contrário, a negação prática e reiterada dos valores do pluralismo político, ideológico e cultural, por uma mídia conservadora, facciosa, partidária, forjada historicamente pelos seus nexos incestuosos contraídos com o poder econômico empresarial e com as burocracias autocráticas, notadamente nos períodos discricionários como no Golpe de 64 de infeliz memória.
Na verdade, somente teremos efetivamente liberdade de imprensa no Brasil quando conseguirmos democratizar a propriedade dos jornais e a concessão das rádios e canais de televisão para um conjunto de novos atores sociais ora excluídos. Democratização que deve envolver iniciativas como: universalização do direito à antena; concretização do preceito constitucional de um conselho da sociedade civil que estabeleça formas de controle público dos processos de concessão de rádios e TVs atualmente manipulados por políticos como moeda de troca para barganhas nada republicanas; e a vedação de propriedade cruzada de empresas de comunicação como ocorre na legislação de outros Estados democráticos, entre as demais propostas oriundas de grupos temáticos que se debruçam criticamente sobre o assunto.
Com tais mudanças, poderemos esperar a proliferação de novos espaços midiáticos, hoje represados pelos mecanismos antidemocráticos do mercado monopolístico da notícia, e um melhor equilíbrio entre as diversas correntes ideológicas existentes em nosso país, hoje refugadas pela ação familiar de alguns poucos grupos de comunicação em nosso país.
Newton de Menezes Albuquerque é professor de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC)- 07/09/2007
Fonte: Mensagem ao Partido
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