2 de dezembro de 2007

Referendo na Venezuela


CARACAS - A Venezuela é uma democracia. Ponto. Se você vier até aqui, como eu fiz, vai constatar isso nas ruas. Há liberdade de ir e vir, de reuniao, de imprensa, de expressao e de manifestaçao. Só nao há, neste maldito computador, o til - ou pelo menos nao consigo encontrá-lo. No encerramento da campanha do SIM, Chávez parecia determinado a explorar o sentimento nacionalista dos eleitores, voltando a atacar o rei da Espanha, a Colômbia e o império americano. Ele também fez referência a um suposto planos dos Estados Unidos para provocar o caos nas ruas da Venezuela se o SIM vencer. Segundo o governo, a Operaçao Alicate teria o objetivo de extrair Chávez do poder, contando com setores da oposiçao como organizaçoes nao governamentais e o movimento estudantil.
A oposiçao determinou que seus eleitores devem votar e permanecer nos locais de votaçao, para fazer o trabalho de boca-de-urna e denunciar irregularidades. Chávez pediu a seus partidários que acordem na madrugada do domingo com o objetivo de chegar primeiro aos locais de votaçao. Durante o discurso de encerramento de campanha, Chávez afirmou que, se o SIM for derrotado, deixará o governo no final de seu mandato e se afastará da política. Porém, se o SIM ganhar ele disse que pode permanecer no poder até 2050, se a saúde permitir. Se a oposiçao perder, nao aceitar os resultados oficiais e promover manifestaçoes de desobediência civil, Chávez disse que na próxima segunda-feira cortará as exportaçoes de petróleo para os Estados Unidos. A Venezuela é um dos mairoes fornecedores de petróleo para os americanos e essa decisao causaria caos nos preços internacionais do produto, que tem oscilado na casa dos 90 dólares por barril.
Depois do comício de encerramento, em que apareceu abraçado à filha Maria e aos netos, fez mençoes a Jesus Cristo - "o primeiro revolucionário", o presidente da Venezuela ainda participou de dois programas de televisao antes do encerramento oficial da campanha. Em um deles, entregou computadores, ajuda para a compra de moradias e finaciamento para pequenos empresários. Essa atividades febril nas últimas horas de campanha pode ser indicativa de incertezas do campo governista de que a vitória está garantida.
O cenário da manifestaçao governista, que aconteceu na principal avenida de Caracas, a Bolìvar, revelou um sofisticado trabalho de marketing político do século 21. Chávez atravessou a multidao sobre uma espécie de trio elétrico, enquanto o público cantava slogans como refroes simples pedindo a permanencia do presidente no poder. Bandas tocavam ritmos populares. Camelôs vendiam CDs com as músicas de campanha, que tinham a foto do presidente na capa.
A multidao, toda de vermelho, formava uma onda marcante para as imagens de TV captadas por helicopteros. A rede privada Globovisión transmitiu o encontro, dando destaque a ônibus que vieram do interior trazendo partidários de Chavez.
Os slogans ouvidos no encontro, com referências contínuas a cidades do interior e a grupos específicos de ativistas do governo, indica que a estratégia na reta final era "energizar" a base de apoio social que garantiu todas as vitórias eleitorais de Chávez até agora.
O referendo acontece em meio à falta de leite, que sumiu de padarias e supermercados. Opositores atribuem isso à incapacidade gerencial do governo, enquanto partidários de Chávez dizem que faz parte da campanha de empresários para enfraquecer o presidente diante do eleitorado.
Durante o comício final, que teve uma clima bastante festivo, milhares de cópias de textos referentes às reformas constitucionais foram distribuídas, além de cartilhas para crianças, livros do autor americano Noam Choamski e uma revista sobre Che Guevara patrocinada pela estatal de petróleo, a PDVSA.
Na manifestaçao de encerramento da campanha pelo SIM, era notável a ausencia de jovens brancos, que sao maioria entre os estudantes que foram às ruas nas últimas semanas para protestar contra as reformas. Chavistas dizem que os estudantes fazem parte da elite branca do país e foram organizados e financiados com ajuda dos Estados Unidos. De fato, a troca de governos em países como a Ucrânia e Geórgia, patrocinadas com apoio americano de consultores e empresas de pesquisa americanas, tiveram um forte componente do movimento estudantil. "Os estudantes já derrubaram dois governos aqui", advertiu um taxista, prevendo que Chávez perderá votos dos próprios chavistas que nao teriam se sentido confortáveis com algumas propostas de mudança constitucional, especialmente as referentes à reeleiçao indefinida e à introduçao de conceitos de propriedade coletiva ou comunitária.
Em suas apariçoes na TV, depois do discurso de encerramento de campanha, Chávez enfatizou diversas vezes que a propriedade privada seria preservada, dando como exemplo os financiamentos concedidos a pequenos empresários e o fato de que entregava casas financiadas a longo prazo pelo governo, com baixas taxas de juros, "que serao herdadas pelos filhos e netos", segundo afirmou.
Caracas é uma cidade em que o centro comercial e os bairros considerados nobres sao cercados pelos cerros onde se amontoam as moradias improvisadas da populacao pobre. Há sinais claros do crescimento econômico dos últimos anos, bancados pela renda do petróleo. A frota de automóveis foi renovada e o país foi o segundo da América Latina em reduçao de pobreza, logo depois da Argentina, no período entre 2002 e 2006, segundo a CEPAL.
A propaganda pelo SIM está espalhada pela cidade, em postes de iluminaçao, com cartazes que, de acordo com a oposiçao, foram bancados com o dinheiro público. O governo nao faz qualquer esforço para esconder isso, uma vez que algumas propagandas oficiais trazem o nome ou a fotografia de Chávez, como um cartaz nas estaçoes de metro que mostra o presidente como protetor das reservas de petróleo, por ter nacionalizado a exploraçao na bacia do rio Orinoco.
A confianca dos oposicionistas foi reforçada pela manifestaçao que aconteceu no dia anterior à dos chavistas. A manchete acompanhada por uma foto da avenida Bolívar lotada de oposicionistas, em um dos jornais, era simplesmente "E sem ônibus", numa referência ao fato de que muitos chavistas vieram para Caracas de ônibus. Porém, outros milhares usaram o metrô.
Pelas entrevistas que fiz durante a manifestaçao, foi possível determinar alguns dos grupos sociais que dao apoio a Chávez. Há os simplesmente apaixonados pelo presidente como se fosse o novo Messias. Estavam todos próximos ao palco em que o presidente discursou. Há os que acreditam ideologicamente nas propostas de Chávez, como estudantes e professores universitários, integrantes de partidos polítocos e lìderes comunitários. A maioria, porém, é de gente que se diz direta ou indiretamente beneficiada pelas políticas sociais do governo, que incluem cursos de alfabetizaçao, acesso a universidades locais e a tratamentos de saúde.
As apariçoes públicas de Chávez nas últimas horas demonstram que a campanha pelo SIM parece contar com uma grande votaçao no interior do pais. Como o voto nao é obrigatório, o comparecimento pode determinar o resultado deste domingo. O metro de Caracas funcionará gratuitamente. O governo deu vários sinais de preocupaçao com a divulgaçao prematura de pesquisas de boca-de-urna. No discurso de encerramento de campanha, Chávez disse que se isso for feito pela emissora Globovisión, em nome do direito de informaçao ao público a emissora será tirada do ar. E, se isso for feita por empresas internacionais - como a rede CNN -, os correspondentes serao expulsos do país.
Luiz Carlos Azenha
http://viomundo.globo.com

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