19 de agosto de 2008

A história do cabo que se negou a atirar no povo - Parte I

No dia 2 de abril de 1964, menos de 48 horas após o golpe militar, Carlos Alberto Telles Frank começou a traçar um novo rumo para a sua vida. Naquela tarde sombria, o jovem cabo e seus colegas de farda foram reunidos às pressas no pátio central do quartel onde estavam lotados. Receberam ordens expressas de um superior para coibir e dispersar uma manifestação que estava ocorrendo naquele momento na Praça Silveira Martins, em Bagé. “Todos ouviram, em alto e bom tom que deveriam atirar, caso encontrassem qualquer tipo de resistência”, lembra. Após ouvir o comando, o cabo Frank se negou a atirar contra os manifestantes, argumentando para colegas e superiores, “que não estava no Exército para matar pessoas desarmadas e inocentes”.
Frank passou a discursar em voz alta na esperança de que seus colegas tivessem a mesma atitude. “Olhei para tropa e em voz alta passei a repetir que naquela manifestação possivelmente encontraríamos amigos, conhecidos e até mesmo familiares”. Tão logo terminou seu discurso improvisado, Frank foi imediatamente preso e recolhido ao 3º Regimento de Artilharia 75, em Bagé, onde permaneceu incomunicável até o dia 15 de abril.
Uma semana depois, o cabo foi posto em liberdade, porém havia sido expulso do Exército sob a alegação de insubordinação e desacato às ordens superiores. Saiu da prisão e no mesmo dia voltou a ser detido por uma patrulha do Exército que tinha como ordem segui-lo por onde fosse como forma de represália e intimidação. Desta vez, o cabo Frank foi conduzido para o presídio municipal da cidade, onde permaneceu detido por 24 horas na companhia de quatro presos, todos acusados de assassinato. Quando saiu da cadeia começou a sentir na pele as conseqüências impostas por discordar do regime e defender idéias consideradas subversivas.
Frank foi perseguido e preso outras oito vezes. Na época estava com 26 anos e tinha três filhos. A mulher decidiu voltar para a casa dos seus pais, em Bagé, e levou consigo as crianças. No total, de 1964 a 1972, Frank permaneceu dois anos, cinco meses e 24 dias detido sem qualquer ordem judicial, condenação ou fundamento legal. Foi transferido inúmeras vezes, foi interrogado outras tantas, passou por sessões de tortura física e psicológica. Por seis meses, permaneceu trancafiado em uma pequena cela, a chamada solitária, totalmente escura, sem direito a banheiro e com água racionada. Sua comida era servida e misturada com terra. Por diversas vezes, ouviu os gritos de dor de quem era submetido a torturas “bárbaras”.
Durante todo o período em que esteve preso, Frank conheceu os horrores impostos pelo regime militar no Brasil. Ainda hoje se lembra das técnicas desumanas utilizadas como forma de “arrancar confissões”. “Por várias vezes, os presos eram drogados com substâncias depositadas nas suas refeições. Faziam isso para que a pessoa ficasse transtornada”. Frank guarda um laudo formulado por uma instituição universitária confirmando a prática de dopar os presos políticos. Para chegar a esta conclusão, a instituição realizou diversas entrevistas com os que foram encarcerados por oposição à ditadura militar".
O cabo ainda hoje luta na Justiça para obter ter o direito à promoção a sub-tenente mesmo após ser reintegrado ao Exército com base na Lei de Anistia como segundo sargento. Frank recebeu parcialmente indenização e seu processo está tramitando na Justiça.

Por Alexandre Frota
Fonte: DIST Brasil - Democracia, Inclusão Social e Trabalho

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