Mas será verdade que devemos nos curvar às formas de capitalismo neoliberal da atualidade? Será que as chocadeiras robotizadas são a solução para as angústias que a população mundial - ricos ou pobres, capitalistas ou socialistas - vivem?
Parece que a Veja quer nos impedir de discutir como o trabalhador deve usar a máquina a seu favor. Quer desclassificar aulas brilhantes como a do Colégio Dom Bosco de Goiânia, conduzidas por professores ativos como Marcos Santos, com os alunos democraticamente colocados em roda, experimentando ares diferentes das quatro paredes de uma sala de aula, e ilustradas por músicas emblemáticas como a dos Titãs. Quer que nos curvemos à tecnologia como o único deus verdadeiro, e que aceitemos, conformados, nossa posição na sociedade, gratos por poder comer um frango de R$ 5,00.
Mas será que a produção agropecuária enormemente acrescida pelo deus-tecnologia está servindo ao propósito básico de manter a humanidade alimentada? Será que essa divindade nos tornou mais fraternos? Não é o que vemos nos noticiários, sob as pontes ou nos faróis.
Veja se lamenta pela derrota de Einstein imposta por Freire. Eu regozijo! Não vamos falar do absurdo da comparação infantil, nem dos erros crassos em livros didáticos, confundidos por Veja com manipulação ideológica, mas por que a estranheza? Claro, a suposta superioridade das Exatas sobre as Humanas (note-se: ambas, ciências). Esse lamento traz o ranço dos anos do pós-guerra, quando se acreditou que a tecnologia faria a humanidade mais feliz e igualitária. Será que conseguimos?
Conheci tão poucos pais que ficaram satisfeitos com a opção de um filho pela pedagogia, no lugar da engenharia que sequer apareceriam numa estatística. Nenhuma escola que tenha equiparado a carga horária de Arte à de Matemática. O número de aulas de que dispõem os professores de geografia e história tão covardemente atacados pela Veja é tão ínfimo que certamente não seria capaz de abalar os alicerces do capitalismo (se assim o quisessem). Ao contrário, as aulas de Exatas, preparadas para manter a ciência em seu status de suprema sabedoria (através da linguagem inacessível e distância do cotidiano que muitos professores insistem em manter, para segurança de sua própria incompetência) e exaltar a sociedade tecnocrata, abarrotam a grade horária, para desespero dos alunos. Não é de se espantar que livros de Exatas, com todos os seus preconceitos, não tenham sido alvo dos ataques de Veja. Em tempo: este que vos escreve é um convicto professor de química.
Convenhamos: certamente preferimos o estereótipo do "velho descabelado" inspirado em Einstein do que o do "velho barbudo", como tão desrespeitosamente Marx é referido na reportagem.
Veja diz que ensinamos para um mundo que acabou. Digo que ainda não conseguimos fazer esse mundo sequer acontecer. Nunca, em mais de dez anos nas salas de aula, consegui me despir das coisas em que acredito. Muitas vezes estava errado (muitas vezes cheguei ao certo pelos meus alunos), mas isso é o que nos faz humanos.
A ciência não é isenta! Não foi a luta da suposta democracia contra o nazismo que criou a bomba atômica? Einstein nem teria tido participação nisso se seu colega Szilard, tão politicamente engajado, não o tivesse convencido a apor sua renomada assinatura na famosa carta entregue a Roosevelt. Foi também a disputa entre capitalismo e socialismo pela hegemonia que lançou homens ao espaço. É nossa obrigação, professores, discutir isso! A neutralidade é tão perigosa quando a ditadura ideológica.
A Veja, citando Arendt, diz que a figura adulta do professor impõe sua ideologia. Se esquece que, passados 50 anos, gradativamente estamos conseguindo que o professor deixe seu pedestal de mestre e conviva como parceiro dos educandos. O mesmo vem acontecendo, timidamente, com outros profissionais, mas muito pouco ainda com os cientistas, os deuses da nossa sociedade capenga. Importante notar que a maioria dos cientistas não quer esse papel: nós é que os entronizamos.
É verdade, os professores pouco sabem a respeito de Marx, Guevara e Freire. Eu mesmo, dos dois primeiros, nada li. Mas também nada sabem sobre Einstein, criando uma visão unilateral e falsa do trabalho dos cientistas: a de que seu único objetivo é o bem da humanidade. É mais fácil para mim acreditar que a única finalidade de Che era libertar os oprimidos da miséria. Não temos que nos perguntar sobre como esses objetivos pretendem ser atingidos, ou o fim justificará os meios?
O desemprego não é alto em "países com baixa inserção tecnológica" pela falta de robôs, mas sim pela falta de qualificação profissional. Daí o importante papel da educação básica, que deve envolver toda a sociedade. Mas a maioria está ausente desse processo, bem como os pais - talvez trabalhando nas chocadeiras robotizadas que garantem nosso frango a R$ 5,00.
Eu gostava de discutir com meus alunos, nas primeiras aulas, que não há uma verdade, mas várias, que dependem das experiências pessoais de cada ser humano. Do ser humano, e não da tecnologia. Esta deve ser mantida em seu lugar, como ferramenta. E a "verdade científica" passa a ser a grande mentira.
Parece que a Veja quer nos impedir de discutir como o trabalhador deve usar a máquina a seu favor. Quer desclassificar aulas brilhantes como a do Colégio Dom Bosco de Goiânia, conduzidas por professores ativos como Marcos Santos, com os alunos democraticamente colocados em roda, experimentando ares diferentes das quatro paredes de uma sala de aula, e ilustradas por músicas emblemáticas como a dos Titãs. Quer que nos curvemos à tecnologia como o único deus verdadeiro, e que aceitemos, conformados, nossa posição na sociedade, gratos por poder comer um frango de R$ 5,00.
Mas será que a produção agropecuária enormemente acrescida pelo deus-tecnologia está servindo ao propósito básico de manter a humanidade alimentada? Será que essa divindade nos tornou mais fraternos? Não é o que vemos nos noticiários, sob as pontes ou nos faróis.
Veja se lamenta pela derrota de Einstein imposta por Freire. Eu regozijo! Não vamos falar do absurdo da comparação infantil, nem dos erros crassos em livros didáticos, confundidos por Veja com manipulação ideológica, mas por que a estranheza? Claro, a suposta superioridade das Exatas sobre as Humanas (note-se: ambas, ciências). Esse lamento traz o ranço dos anos do pós-guerra, quando se acreditou que a tecnologia faria a humanidade mais feliz e igualitária. Será que conseguimos?
Conheci tão poucos pais que ficaram satisfeitos com a opção de um filho pela pedagogia, no lugar da engenharia que sequer apareceriam numa estatística. Nenhuma escola que tenha equiparado a carga horária de Arte à de Matemática. O número de aulas de que dispõem os professores de geografia e história tão covardemente atacados pela Veja é tão ínfimo que certamente não seria capaz de abalar os alicerces do capitalismo (se assim o quisessem). Ao contrário, as aulas de Exatas, preparadas para manter a ciência em seu status de suprema sabedoria (através da linguagem inacessível e distância do cotidiano que muitos professores insistem em manter, para segurança de sua própria incompetência) e exaltar a sociedade tecnocrata, abarrotam a grade horária, para desespero dos alunos. Não é de se espantar que livros de Exatas, com todos os seus preconceitos, não tenham sido alvo dos ataques de Veja. Em tempo: este que vos escreve é um convicto professor de química.
Convenhamos: certamente preferimos o estereótipo do "velho descabelado" inspirado em Einstein do que o do "velho barbudo", como tão desrespeitosamente Marx é referido na reportagem.
Veja diz que ensinamos para um mundo que acabou. Digo que ainda não conseguimos fazer esse mundo sequer acontecer. Nunca, em mais de dez anos nas salas de aula, consegui me despir das coisas em que acredito. Muitas vezes estava errado (muitas vezes cheguei ao certo pelos meus alunos), mas isso é o que nos faz humanos.
A ciência não é isenta! Não foi a luta da suposta democracia contra o nazismo que criou a bomba atômica? Einstein nem teria tido participação nisso se seu colega Szilard, tão politicamente engajado, não o tivesse convencido a apor sua renomada assinatura na famosa carta entregue a Roosevelt. Foi também a disputa entre capitalismo e socialismo pela hegemonia que lançou homens ao espaço. É nossa obrigação, professores, discutir isso! A neutralidade é tão perigosa quando a ditadura ideológica.
A Veja, citando Arendt, diz que a figura adulta do professor impõe sua ideologia. Se esquece que, passados 50 anos, gradativamente estamos conseguindo que o professor deixe seu pedestal de mestre e conviva como parceiro dos educandos. O mesmo vem acontecendo, timidamente, com outros profissionais, mas muito pouco ainda com os cientistas, os deuses da nossa sociedade capenga. Importante notar que a maioria dos cientistas não quer esse papel: nós é que os entronizamos.
É verdade, os professores pouco sabem a respeito de Marx, Guevara e Freire. Eu mesmo, dos dois primeiros, nada li. Mas também nada sabem sobre Einstein, criando uma visão unilateral e falsa do trabalho dos cientistas: a de que seu único objetivo é o bem da humanidade. É mais fácil para mim acreditar que a única finalidade de Che era libertar os oprimidos da miséria. Não temos que nos perguntar sobre como esses objetivos pretendem ser atingidos, ou o fim justificará os meios?
O desemprego não é alto em "países com baixa inserção tecnológica" pela falta de robôs, mas sim pela falta de qualificação profissional. Daí o importante papel da educação básica, que deve envolver toda a sociedade. Mas a maioria está ausente desse processo, bem como os pais - talvez trabalhando nas chocadeiras robotizadas que garantem nosso frango a R$ 5,00.
Eu gostava de discutir com meus alunos, nas primeiras aulas, que não há uma verdade, mas várias, que dependem das experiências pessoais de cada ser humano. Do ser humano, e não da tecnologia. Esta deve ser mantida em seu lugar, como ferramenta. E a "verdade científica" passa a ser a grande mentira.
Marcelo Dias Pulido
Editor Assistente - Editorial Didáticos Ática
Ciências, Biologia e Química
Fonte: História em Projetos
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