13 de outubro de 2008

Por que estudar a mídia?

Professor Roger Silverstone explica porque devemos estudar a mídia?

Consumidores, produtores e usuários. Nossa relação com a mídia é tamanha que não conseguimos mais viver sem ela. A mídia está em todos os lugares, em todos os momentos - seja auxiliando, informando, entretendo ou educando. Há quem diga que não sabemos dominá-la. Que, no jogo da vida, nós, seres humanos, muitas vezes é quem somos dominados, subjugados, persuadidos e influenciados por ela. Estudá-la é, portanto, essencial e urgente.

A afirmação acima é de Roger Silverstone, conceituado professor de mídia e de comunicações da London School of Economics and Political Science, do Reino Unido. Autor do livro "Por que estudar a mídia?", o professor tem absoluta certeza de que os meios de comunicação influenciam o cotidiano das pessoas, embora não se possa, na prática, medir esses efeitos.

Em entrevista exclusiva, Silverstone destaca que a mídia faz parte, hoje, de nossa organização de espaço e tempo. Ela nos oferece pontos de referência, pontos de parada, pontos para o olhar de relance e para a contemplação, pontos de engajamento e oportunidades de desengajamento. Os infinitos fluxos da representação da mídia são interrompidos por nossa participação neles. "A maioria das pessoas acredita ser tão equilibrada em suas relações com o mundo da mídia como é em relação às suas próprias vidas. Talvez seja melhor crer nisto, mas, na verdade, estamos apenas surfando - e não nadando - no mar da mídia. Falta muito para dominá-la", afirma.


RIO MÍDIA - O título do seu último livro "Por que estudar a mídia?" é bastante sugestivo. Mas, afinal, por que devemos nos dedicar a este assunto?
Roger Silverstone - Porque precisamos compreender o processo de mediação, compreender como surgem os significados, onde e com quais conseqüências. Porque precisamos ser capazes de identificar os momentos em que o processo parece falhar, onde ele é distorcido pela tecnologia ou de propósito. Porque necessitamos compreender sua política, sua vulnerabilidade ao exercício do poder; sua dependência do trabalho de instituições e indivíduos; e seu próprio poder de persuadir. A mídia é e sempre será importante. Ainda mais agora que ela está estabelecida como uma estrutura primária de nossas vidas para dar sentido ao mundo e nosso lugar nele. Poder nada inocente. Algumas vezes, benevolente, outras vezes, não. Em ambos os casos - e precisamos distinguir quais e em quais circunstâncias - é necessário compreender como ele é exercido, por quem, com quais conseqüências, além de como este poder pode ser transformado ou contido. Devemos estudar a mídia porque queremos respostas a muitas questões, respostas que não podem ser conclusivas e que, de fato, não devem ser. Precisamos examinar a mídia como um processo, como uma coisa em curso e uma coisa feita, em todos os níveis, onde quer que as pessoas se congreguem no espaço real ou virtual, onde se comunicam, onde procuram persuadir, informar, entreter, educar, onde procuram, de múltiplas maneiras e com graus de sucesso variáveis, se conectar umas com as outras. Entender a mídia como processo também implica um reconhecimento de que ele é fundamentalmente político ou talvez, mais estritamente, politicamente econômico.


RIO MÍDIA - Você acredita que as pessoas sabem utilizar o poder da mídia com sabedoria?
Roger Silverstone - Hoje, todos crescem cercados pela mídia. Ela é parte da nossa vida social, embora possa não ser o caso das pessoas da minha idade - avôs e avós, que vivemos em outra era. Daí a nossa surpresa ao ver filhos e netos tão interligados às representações da mídia e à sofisticação em lidar com uma mídia que parece extraordinariamente complexa e muitas vezes sem sentido algum. Há uma habilidade e uma sinergia imensa entre os usuários dos meios de comunicação de massa. Usam a mídia de forma criativa a ponto de aumentar ou diminuir a capacidade que têm de gerenciar suas próprias vidas cotidianas. Mas esta habilidade e sinergia são superficiais. De fato, são bastante superficiais. Elas requerem cumplicidade e uma aceitação fria da falsa representação e da eqüidade da mídia. A maioria das pessoas acredita ser tão equilibrada em suas relações com o mundo da mídia como é em relação às suas próprias vidas. Talvez seja melhor crer nisto, mas é possível afirmar que estamos apenas surfando e não nadando no mar da mídia. Falta muito para dominá-la.


RIO MÍDIA - Você acredita que a mídia pode afetar a rotina dos jovens? Como educar as crianças a respeito da mídia?
Roger Silverstone - Evidentemente a mídia causa efeitos, embora não necessariamente diretos e significantemente mensuráveis. A história da pesquisa da comunicação de massa foi dominada por tentativas de medir tais efeitos, mas as metodologias empregadas raramente conseguiram dar conta da sutileza, da profundidade e dos efeitos a médio e longo prazos da mídia e da sua capacidade de construir cultura. Esta análise depende do reconhecimento de que a mídia tem um status estrutural e até mesmo um status ontológico no nosso cotidiano. Portanto, sim, a mídia afeta nossa rotina. Influência que de certa forma pode ser amenizada. Mas devemos considerar a mídia como um efeito: efeito de ação em todos os diferentes níveis da sociedade. Uma coisa é certa: a mídia exerce tamanha influência no nosso dia-a-dia que necessitamos de instrumentos de análise poderosos e sofisticados para avaliá-la. Acredito que devemos desenvolver estes instrumentos assim como novos princípios para a prática da educação para a mídia. Na minha avaliação, os jovens devem ser mais instruídos para lidar com o processo de representação da mídia. Capacitação que deveria fazer parte da educação básica, hoje e sempre.


RIO MÍDIA - A qualidade é um conceito difícil de definir até mesmo por especialistas. Como podemos definir o que seja uma mídia de qualidade?
Roger Silverstone - A qualidade é um tema difícil. Juízos sobre qualidade são sempre subjetivos. De certa forma, eu acho que não vale a pena tentar defini-lo como uma propriedade da mídia. Conseqüentemente, podemos pensar qualidade não como algo intrínseco ao programa, seriado ou portal da internet, mas como algo intrínseco à natureza do relacionamento que as audiências e usuários podem construir com estes programas ou seriados, assim como à natureza dos relacionamentos que produtores têm com seus sujeitos, com suas imagens ou com seu público. Podemos pensar em questões como honestidade, responsabilidade, confiança... A qualidade se torna, portanto, uma categoria ética e não estética, embora estes conceitos nunca possam ser totalmente separados.


RIO MÍDIA - A qualidade é um conceito difícil de definir até mesmo por especialistas. Mídia de Todos, Mídia para Todos. Este foi o tema norteador da 4ª Cúpula Mundial de Mídia. O que o senhor acha deste tema?
Roger Silverstone - Talvez "Mídia de mais, Mídia para mais" fosse mais realista. Mas o princípio é bom. A expectativa de que todos devemos ter uma voz na mídia é necessária, embora com certeza não devemos subestimar a luta que isto nos implicaria e as obrigações que a nós se imporiam por ganharmos esta voz. O pluralismo dentro dos espaços midiáticos é essencial, mas pluralidade na produção não garante a pluralidade na recepção. E a expansão na mídia pode produzir tanto uma exaustão de imagens e textos quanto, por outro, uma fragmentação do social potencialmente perigosa. Com certeza, existe uma grande luta a ser feita contra o crescente controle que poucas corporações dominantes da mídia têm sobre as mídias locais, regionais e nacionais, incluindo a comunicação na internet. Como um chamado político, este seria um grande tema para ser discutido por toda a sociedade.


Fonte: Rio Mídia
Entrevista concedida a Marcus Tavares
Foto - divulgação

Nenhum comentário: