16 de dezembro de 2008

Sobre bombas cluster e o Brasil

La Vieja realizou um belo trabalho jornalístico, a respeito da negativa do Brasil em assinar o Pacto de Oslo, relativo ao fim da produção e comercialização de bombas cluster, formada por centenas de submunições explosivas, que podem ou não detonar em contato com o solo.

Leia a matéria:
Sobre a vergonha
O Brasil se recusou, recentemente, a assinar tratado internacional banindo as bombas cluster.

Uma bomba cluster é formada por centenas de submunições explosivas, que podem ou não detonar em contato com o solo. Estima-se que quatro entre dez submunições não explodam no primeiro impacto. Quando parte delas não detona, transforma a área sobre a qual foram lançadas em um verdadeiro campo minado. O grande bombardeio de munições cluster realizado por Israel sobre o sul do Líbano, em 2006, continua fazendo vítimas.

É a população civil, aliás, que mais sofre suas conseqüências. 98% de suas vítimas são civis e, desses, 27% são crianças, segundo dados da Handicap International, ONG que defende sua proibição.

Quinze países já fizeram uso de munições cluster, entre eles a França, Israel, Rússia, Estados Unidos, Arábia Saudita e o Reino Unido. Os EUA as usaram nos anos 60 e 70 no sul da Ásia (no Camboja, no Laos e no Vietnã), no Líbano, em 1983, no Golfo Pérsico, em 1991 (no Iraque, no Kuwait e na Arábia Saudita), na antiga Iuguslávia (na Sérvia, em Montenegro e no Kosovo), em 1999, no Afeganistão, em 2001 e 2002, e no Iraque, em 2003.


Mais de 100 países, dos 192 que integram a Organização das Nações Unidas (ONU), ratificaram o chamado Processo de Oslo, iniciado em 2007 na capital norueguesa para negociar o tratado.

O Brasil não o assinou por dois motivos.

Nota da assessoria de imprensa do Itamaraty à BBC Brasil afirmou que o país não concordou em bani-las por considerá-las um "armamento necessário para a defesa nacional".

O Brasil também sustenta que um tratado internacional sobre esse tipo de armamento deve ser negociado dentro da Convenção da ONU sobre Armas Convencionais (CCW, na sigla em inglês), que busca restringir o uso de armamentos que infligem danos indiscriminados ou excessivos, como minas terrestres, armas de fragmentação, bombas cluster e incendiárias. É acompanhado, nessa justa demanda, pela Rússia e pelos Estados Unidos. Em setembro do ano passado, na Costa Rica,
durante encontro americano que discutia o Processo de Olso, nossa diplomacia já havia informado que o Brasil não pretende discutir processos de paz, desarmamento e segurança nacional em fóruns fora do contexto da ONU.

A ONU é uma das entidades multilaterais que mais apóiam o Processo de Oslo, mas tudo bem.


O Brasil prefere, portanto, a via oficialista, deixando de lado os interesses da sociedade organizada.

Não haveria nenhum problema se, na maioria das vezes, Estados não representassem, em primeiro lugar, mesmo através de suas representações diplomáticas, seus interesses comerciais, que não são, necessariamente, interesses públicos.

E é fato que, na ONU, de modo algum desconhecendo sua função, predominam interesses de Estado, que também não traduzem, necessariamente, o interesse público.

Quando exclusivamente interesses comerciais passam a ser interesses de Estado é por que a coisa está feia e vem se debruçando.

Ora, o interesse público, nesse caso, parece ser o fim das bombas cluster. Tanto que o Processo de Oslo começou fora das instâncias oficiais. E os países que integram a ONU deveriam, em primeiro lugar, lutar pelos interesses das populações civis que representam, e não pelo saldo positivo de suas balanças comerciais.

A Human Rights Watch afirma que quatro empresas brasileiras fabricam munições cluster: Avibras, Ares, Target e Britanite. A Avibras Aeroespacial S.A. e a Britanite-IBQ Industrias Quimicas Ltda. produzem a família ASTROS de mísseis de superfície, carregados com submunições, exportados para o Irã, o Iraque e a Arábia Saudita. O Sistema ASTROS foi usado pela Arábia contra o Iraque em 1991, na batalha de Khafji, deixando atrás de si um rastro de submunições não detonadas. A Ares Aeroespacial e Defesa Ltda. produz os mísseis ar-superfície FZ-100 70mm, carregados com a submunição Hydra M261. Já a Target Engenharia e Comércio Ltda. produz,
para a Força Aérea Brasileira e para exportação, dois tipos de bombas cluster, os modelos BLG-120 e BLG-252.

La Vieja entrou em contato com todas elas no começo deste mês, através da singela mensagem abaixo:

"Como os senhores devem saber, o Brasil não assinou recente
tratado
internacional que proíbe as bombas de fragmentação (cluster),
o chamado
Processo de Oslo.


Tenho informações de que sua empresa fabrica esse tipo de armamento.

Tal recusa deu-se porque o Brasil as considera necessárias para a defesa
nacional. A diplomacia brasileira também sustenta que um tratado
internacional sobre esse tipo de armamento deve ser negociado dentro da
Convenção da ONU sobre Armas Convencionais.


Segundo a Handicap International, ONG que recebeu o Prêmio Nobel da
Paz
em 1997, 98% das vítimas das bombas de fragmentação são civis.
E, segundo
a Cruz Vermelha, cerca de 400 milhões de pessoas vivem
em áreas afetadas pelas
bombas de fragmentação, em países como
Iraque, Afeganistão e Líbano.


Gostaria de saber a posição da empresa a respeito dessa negativa do
Itamaraty e o que pensa a respeito dos danos causados pelo referido
armamento a populações civis. Se possível, se vê alguma relação

entre a atividade comercial de fabricá-lo e os danos por ele causados".



Nenhuma delas deve ter lhe levado a sério, já que La Vieja já está no centésimo mate e nada de resposta.

Os números de telefone da Target Engenharia Indústia e Comércio não funcionam ou não são da empresa, e seu endereço de email retorna automaticamente as mensagens que lhe são enviadas. A Ares também não respondeu à mensagem, assim como a Britanite-IBQ Indústrias Químicas Ltda. e a Avibras Aeroespacial S.A.

A Britanite e a Avibras, aliás, parecem ter bons motivos para ignorar qualquer solicitação de esclarecimento sobre suas atividades.

A Britanite, através de seu setor de fabricação de armamentos - BSD/Britanite Sistema de Defesa -, recentemente doou duas unidades da bomba inerte Mk.81, de sua fabricação, para
o 1º Esquadrão de Aviões de Interceptação e Ataque (EsqdVF-1) da Marinha do Brasil, a fim de "abrilhantar os festejos do 91º aniversário da Aviação Naval, durante a exposição estática de aeronaves AF-1/1A Skyhawk".

La Vieja entrou em contato com a Britanite e funcionários confirmaram que a BSD é um setor interno dessa empresa.

No sítio da Britanite, no entanto, os produtos fabricados pela BSD não aparecem em sua lista de produtos.

Só na descrição da empresa há uma tímida referência à fabricação de armamentos: "Instalada em uma área de aproximadamente 2.350.000 metros quadrados, no município de Quatro Barras, estado do Paraná, a Britanite fabrica explosivos, acessórios de detonação e material de defesa".

A Marinha brasileira é subordinada ao Ministério da Defesa, que por seu turno tem ascendência sobre nosso Ministério das Relações Exteriores. Com empresas privadas doando material bélico para as forças armadas, bastas unir os pontos para compreender o porquê do armamento cluster ter sido considerado "necessário para a defesa nacional" pelo próprio Itamaraty.

Como se vê, a política externa brasileira, tradicionalmente pacífica, parece estar se subordinando, gradativamente, aos interesses belicistas de nosso Ministério da defesa, que parece ver com bons olhos a exportação de armanentos pela indústria nacional.

O que acontece depois, como sempre, não é problema nosso.

Se a Britanite está faceira, o que dizer da Avibras.

O governo federal pretende tornar-se seu acionista. Considerada estratégica pelo Ministério da Defesa e por militares, a empresa enfrenta dificuldades financeiras há anos. Atualmente, encontra-se em processo de recuperação judicial. A entrada do governo no negócio é sua tábua de salvação.

Para que o negócio se concretize, basta que seu plano de recuperação seja aprovado pelos credores, o que deve ocorrer nos próximos meses. O ministro Nelson Jobim (Defesa) já considera o negócio consumado, afirma o sítio Investidor Informado.

A empresa deve em torno de R$ 640 milhões. Desse valor, cerca de R$ 400 milhões são débitos com o governo federal, montante que, de acordo com seu plano de recuperação, seria transformado em ações da Avibras, que ficariam em poder da União. Como seu patrimônio é avaliado em R$ 1,5 bilhão, o governo seria dono de aproximadamente 25% da empresa.

Ainda segundo o Investidor Informado, a direção da Avibras, que é favorável ao negócio, "espera evitar, com a parceria, problemas como o ocorrido durante a venda para o governo da Malásia de 212 milhões em sistemas lançadores de foguetes Astros-II, seu principal produto. A empresa alega que o negócio quase naufragou devido à demora do governo em conceder autorização para a venda e que esse foi um dos fatores que contribuíram para o pedido de recuperação judicial".

Como "O Ministério da Defesa, a rigor, está querendo modificar a diplomacia brasileira, tornando-a mais belicista e orientada por critérios puramente comerciais (...)", mais uma vez basta unir os pontos para perceber que nossa Diplomacia não fará nenhum esforço para atrapalhar o negócio bélico brasileiro.


Com o Estado como provável sócio da indústria bélica nacional, fica fácil compreender por que nossa diplomacia recusou-se a assinar o tratado de banimento das munições cluster e
o porquê desse armamento ter sido considerado, pelo próprio Itamaraty, "necessário para a defesa nacional".

Não seria nada bom para os negócios, afinal, assinar um tratado que limitasse nosso mercado.

Porém, até que ponto é ético um Estado que pretende se comprometer com a indústria bélica ser o responsável pela assinatura de um tratado que pretende banir exatamente aqueles armamentos fabricados pelo seu provável sócio privado? Esse Estado, nesse caso, não seria parte interessada na questão, o que implicaria seu impedimento? Esse Estado teria alguma legitimidade, nesse contexto? O ato de recusar-se a assiná-lo seria moralmente válido?

Estados, no entanto, não podem se omitir, nessas circunstâncias. Mas podem, entrementes, não se tornar acionistas de empresas privadas interessadas na questão.

É profundamente lamentável, sob qualquer aspecto, que o Brasil não assine tratados de banimento de armamentos amorais em função de interesses comerciais. La Vieja não pode deixar de sentir uma profunda vergonha perante seus semelhantes. Cada vida despedaçada por armamentos cluster, em qualquer canto do mundo, terá a marca de nosso povo, caso o negócio entre a União e a Avibras se concretize.

Como parte interessada na proliferação de armamentos, sequer a
posição brasileira na Convenção da ONU sobre Armas Convencionais (CCW, em inglês) - o Brasil sustenta que tratados internacionais sobre armamentos como o cluster, por exemplo, devem ser negociados dentro dessa convenção, que busca restringir o uso de armamentos que infligem danos indiscriminados ou excessivos - será digna de confiança.

No sítio da Britanite lê-se que sua grande preocupação com o meio ambiente só tem uma razão para existir: a continuidade da vida das futuras gerações.

Trata-se de uma razão muito peculiar, para uma empresa fabricante de artefatos bélicos responsáveis pela morte de milhares de seres humanos.
Fonte da Imagem: Discovery Chanel

2 comentários:

Carla Beatriz disse...

Claudia,

Tem um meme para vocês lá no Vai, Carla! Ser Gauche na Vida!. ;-)

Beijos

Anônimo disse...

veja a reação do Tribunal de Justiça do RS, qdo leva uma sapatada !


Tribunal de Justiça gaúcho demite funcionária que denunciou nepotismo em processo supersônico

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul determinou a demissão, nesta quarta-feira, da funcionária de carreira Simone Janson Nejar, que denunciou o nepotismo na Corte. O processo de demissão dela ganhou velocidade supersônica. Na segunda-feira (15-12-2008), a Comissão de Inquérito Administrativo (Processo Administrativo Disciplinar nº 0022-08/000177-8), presidida pelo funcionário Homero Fortes, e ainda pelas funcionárias Claudia Rozales Ribeiro e Édison de Souza, concluiu pela Demissão da Oficiala Superior Judiciária do Quadro de Pessoa Efetiva da Secretaria do Tribunal de Justiça, nos termos dos artigos 187, III e 191, VI, da Lei Complementar nº 10.098/94, e artgios 756, VI e 757, VE, “d”, ambos da Lei Estadual nº 5256/66.

Os problemas de Simone Jansen Nejar começaram no momento em que ela teve a iniciativa atrevida de ingressar com uma ação judicial no Supremo Tribunal Federal, pedindo uma decisão da Suprema Corte para serem eliminados (demitidos) os nepotes do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. A reação se constitui na apresentação de uma denúncia contra ela formulada por um dos “nepotes” apontados por Simone Janson Nejar, Ivan Carlos Campos Ribeiro, subchefe do Núcleo de Inteligência (arapongagem) do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que ocupa cargo de confiança (CC). O “nepote” continua no Tribunal de Justiça, e Simone Janson Nejar é demitida porque, conforme a denúncia, “causava constrangimento aos seguranças e funcionários da Equipe de Segurança ao ficar no balcão da portaria especulando sobre possíveis parentescos entre funcionários e Magistrados, fazendo comentários sobre nepotismo no Judiciário, perguntando a um Segurança se era “capanga do Armínio” ou pedindo proteção “contra os capangas do Núcleo de Inteligência”. Mas, o foco central mesmo da denúncia do “nepote” Ivan Carlos Campos Ribeiro se centrou na atividade de Simone Janson Nejar no seu blog (http://grupo30.canalblog.com), onde, conforme o “nepote”, “a indiciada se refere ao Poder Judiciário, ao Presidente e ao 1º Vice-Presidente do Tribunal de Justiça de forma depreciativa, difamatória e injuriosa, fazendo afirmações que se sabe inverídicas e agindo com incontinência pública, como sumariamente vão exemplificados alguns dos fatos”. E aí o “nepote” Ivan Carlos Campos Ribeiro, subchefe do “núcleo de inteligência” (arapongagem) do Tribunal de Justiça apontava os fatos: 1) no dia 10.08.08, no post “Os pratos da balança – entendendo juridicamente as desigualdades” (http://grupo30.canalblog.com/archives/2008/08/p10-0.html) diz que os elevadores do Tribunal de Justiça tem uso diferenciado, uns para os servidores, população e leprosário em geral e outro para uso exclusivo dos magistrados”; afirma que os banheiros do Tribunal ganham configuração melhor de acordo com os andares, quanto mais alto, melhor; revela que o Foro Central é conhecido como senzala; afirma que a determinação do Conselho Nacional de Justiça acerca de um plano de estatização de 47 cartórios não será cumprida pelo Tribunal de Justiça, ou muito pouco será feito a respeito”. A enorme decisão da Comissão de Processo Administrativo, em 36 páginas, exarada no dia 15, foi imediatamente encaminhada, no mesmo dia, pelo Diretor Geral do Tribunal de Justiça, Omar Jacques Amorim (auditor de carreira do Tribunal de Contas) para o desembargador Jorge Luis Dall’Agnol, 2º vice-presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que instantaneamente acolheu a conclusão e exarou a demissão. Se todos os processos que tramitam no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul tivessem o mesmo tratamento que recebeu este, os gaúchos todos seriam “suecos”, com Justiça digna de país de primeiríssimo mundo. Videversus publicará amanhã a íntegra deste Processo Administrativo Disciplinar, na certeza de que os gaúchos têm muito a aprender sobre a qualidade da Justiça no Rio Grande do Sul.

pescado do sitio:

http://grupo30.canalblog.com/


http://www.videversus.com.br/index.