21 de janeiro de 2009

Explodem as ruas, no Egito

Nem sinal de calma nas ruas do Egito, ante a iminência de novos ataques em Gaza

Reem Leila, do Cairo (Al-Ahram, Egito, 15-21/1/2009)
http://weekly.ahram.org.eg/2009/930/eg6.htm

Os acontecimentos em Gaza nas últimas três semanas levaram à rua a população egípcia, numa demonstração de revolta dirigida tanto contra o governo egípcio quanto à agressão israelense à Palestina.

A maior manifestação aconteceu em Alexandria, com milhares de manifestantes que se reuniram na 6ª-feira, depois das orações. Liderados por militantes da Fraternidade Muçulmana, cantaram slogans contra o ataque israelense e contra a cumplicidade do Egito no bloqueio de Gaza. Os manifestantes conclamavam os egípcios a lutar ao lado dos palestinenses. Um dos slogans, repetido incansavelmente nas manifestações durante as últimas semanas, dizia "Onde está o exército? Guerra a Israel!"

No mesmo dia, o Sindicato dos Médicos reuniu-se em assembleia extraordinária, na qual se anunciou que 11 médicos egípcios haviam sido autorizados a entrar em Gaza para auxiliar no socorro aos palestinenses feridos.

"Muitos médicos assinaram declarações assumindo responsabilidade pessoal pelo que lhes aconteça em Gaza, para reforçar o pedido de autorização ao Ministério da Saúde do Egito, sem a qual não poderiam viajar. O Ministério negou inicialmente a autorização, alegando falta de segurança para os médicos em Gaza, mas, depois, concordou" – informou Hamdi El-Sayed, presidente do Sindicato dos Médicos. El-Sayed, que também é presidente da Assembleia Popular (AP) do Comitê de Saúde, disse que os médicos, que viajam como voluntários, conhecem bem a situação em Gaza. "Há 27 médicos egípcios altamente qualificados em Arish – cidade onde houve forte manifestação contra os ataques israelenses –, prontos para viajar a qualquer momento.

No sábado, houve novas manifestações. Milhares de estudantes da Universidade do Cairo protestaram no campus, antes de saírem em passeata pela cidade. Os estudantes queimaram uma enorme bandeira de Israel, cantando cantos religiosos e gritando "guerra a Israel". Houve vários policiais e 60 estudantes feridos, e três ativistas foram presos.

Dia 9/1, em assembleia, os professores condenaram Israel e criticaram o silêncio dos governos árabes. Adel Abdel-Gawad, presidente do Clube de Professores da Universidade do Cairo (Cairo University Teaching Staff Club), disse que os professores assinaram uma petição em que reivindicam o direito de os egípcios lutarem ao lado dos palestinenses, contra Israel. "Também aprovamos um boicote a produtos fabricados em Israel e nos EUA", disse Abdel-Gawad.

Embora a maioria das manifestações tenha sido convocada pela Fraternidade Muçulmana, participaram pessoas de todo o espectro político, inclusive da esquerda secular, sem qualquer conflito com os religiosos islâmicos.

No início da semana grupos da Irmandade Muçulmana entregaram uma carta ao presidente Hosni Mubarak, exigindo que o Egito amplie os trabalhos de assistência e ofereça mais do que "apenas transporte e ajuda humanitária aos feridos". Mohamed El-Beltagui, secretário assistente do bloco parlamentar da Fraternidade Muçulmana tem insistido para que o Egito "dê os primeiros passos na direção de unir os países árabes, para que ponham fim ao holocausto em Gaza".

As manifestações têm mostrado claramente que a Fraternidade Muçulmana pode mobilizar milhares de pessoas quando queira, e o grupo já declarou que as manifestações continuarão.

As dimensões das manifestações populares têm levado os analistas a reavaliar as dimensões e a capacidade de mobilização do grupo.

Amr El-Shobaki, analista político do Centro Al-Ahram de Estudos Políticos e Estratégicos aponta que o governo egípcio tem sido visto, na opinião pública em geral, como cúmplice do bombardeio contra Gaza. Dado que os egípcios não têm muitos meios para manifestar sua indignação contra Israel, o apoio às manifestações da Fraternidade Muçulmana cresce, pode-se dizer, naturalmente. De qualquer modo, disse ele, as manifestações no Cairo têm sido menores do que em outras capitais, reflexo, diz El-Shobaki, "da atmosfera de fraca democracia em que vive o Egito, e do medo de que haja forte repressão pelas forças de segurança".

Os que estão indo à rua, diz ele, são os que culpam o governo egípcio pela tragédia de Gaza.

"Os partidos políticos nada fazem – inclusive o partido que está no poder –, têm fraco desempenho e a população já não confia neles. O único grupo no qual a ira popular pode manifestar-se é a Fraternidade Muçulmana, que é "a força de oposição mais bem organizada e mais ativa, em todo o país."

O Partido Nacional Democrático (NDP), que está no poder, promoveu várias reuniões em todo o país, em solidariedade com o povo palestinense. No domingo, mais de 3.000 pessoas, de Kom Ombo, Nubia e Aswan reuniram-se em manifestação, condenando o Iran, a Síria e o Hizbóllah, além de Israel. As reuniões do NDP defendem as políticas de Mubarak em relação ao conflito de Gaza, e destacam que o Egito enviou 25 milhões (libras egípcias) em donativos, 20 toneladas de ajuda humanitária e abriu a fronteira pra dar passagem a feridos, para que fossem atendidos no Egito.

"Normalmente não apoio as manifestações da Fraternidade Muçulmana, nem me envolvo em política", disse Heba Magdi, estudante universitária. "Mas isso agora é diferente. Dado que ninguém mais faz nada, tenho apoiado os movimentos da Fraternidade. O que está acontecendo em Gaza é horrível demais e o governo não está fazendo o que deve fazer."

O sentimento de Magdi é cada vez mais encontrado na população em geral, no Egito, que acusa o governo de só oferecer "críticas muito leves" à ação de Israel. "A Fraternidade Muçulmana é hoje a única força de oposição que há no Egito, o que a torna perigosamente muito poderosa", diz El-Shobaki.

Para El-Shobaki, a imprensa egípcia é parcialmente responsável por essa situação. Os jornais comprometidos com o governo, diz ele, parecem só se preocupar com os foguetes do Hamás, e com melhorar a imagem do próprio governo. Nenhum jornal manifesta qualquer solidariedade com os palestinenses que estão sendo chacinados em Gaza. "A Fraternidade Muçulmana é a única via que resta para a população que deseje oferecer solidariedade aos palestinenses."

A causa Palestina, que já foi um fator que unia os árabes em geral, e os egípcios em especial, está hoje fraturada.

"As pessoas querem apoiar a Palestina, mas não sabem que Palestina apoiar: a Palestina que elegeu o Hamás ou a Palestina na qual quem governa é o Fatah?" – pergunta o sociólogo Qadri Hefni. "Todos, os partidos políticos e as pessoas, a população em geral, são contrários a Israel e aos ataques contra os palestinenses, mas o governo é contra o Hamás e aliado de Máhmude Abbas. E a Fraternidade Muçulmana apoia o Hamás. As pessoas ficam sem saber o que fazer."

O governo egípcio está numa posição muito precária. O tratado de paz com Israel desmente as alegações anteriores de que o Egito não teve conhecimento prévio dos planos de Israel no ataque contra Gaza, e toda a credibilidade do governo Mubarak está abalada.

Mas Hefni acredita que o governo egípcio fez "esforços tremendos" para deter a agressão contra Gaza, por Israel, apesar de todas as circunstâncias.

"Não podemos fazer mais do que já fizemos. Temos muitos problemas domésticos. Esses que gritam que os egípcios devem atacar Israel, que vão e lutem para defender Gaza, em vez de perturbar a ordem pública e gritar slogans vazios."

Enquanto o número de mortos em Gaza não pára de aumentar, aumenta também a revolta nas ruas no Egito e em todo o mundo árabe.
Tradução: Caia Fittipaldi

Um comentário:

Ler o Mundo História disse...

cláudia eu não consigo ter acesso ao teu perfil, o link tá lá no post do HP (em butido na frase 'pra assistir, clique aqui)
beijos
ps vc está no twitter?