"- Maldito seja Copérnico!
- Oh, oh, oh, o que Copérnico tem a ver com isso? - exclama padre Eligio.
- Tem sim, padre Eligio. Porque quando a Terra não girava...
- Mas ela sempre girou!
- Não é verdade! O homem não sabia disso e, por conseguinte, era como se não girasse. Para muitos, ela continua a não girar também agora. Eu falei que girava, outro dia, a um velho camponês; sabe o que ele me respondeu? 'Que era uma boa desculpa para os bêbados'".
Luiggi Pirandello. O Falecido Mattia Pascal.
Estranhamente, ninguém da platéia clamou por "pacificação" entre 1999 e 2002, quando a mídia hegemônica guasca e a oposição, em uníssono, declararam guerra ao governo Olívio Dutra (PT).
Toda a elite gaudéria aplaudia o espetáculo, do alto de seus camarotes. Flores eram jogadas quase em desvario, tão logo as cortinas voltavam a se abrir após o fim de mais uma encenação.
Dir-me-ão, provavelmente, que disso não se segue que tal pacificação não possa ocorrer agora, e que revanchismos só conduzem à irracionalidade.
De fato, o revanchismo não é benquisto entre cristãos, acostumados a oferecer a outra face. Mas, que bom que nem todos rezam pela mesma cartilha, não? Que bom, aliás, que alguns sequer rezam...
E, de fato, erros passados não justificam erros semelhantes, presentes ou futuros, como qualquer lógica informal bem demonstra.
Só o cinismo ou o analfabetismo político, porém, para lembrarmos aqui de um grande e engajado dramaturgo, fariam alguém confundir revanchismo com responsabilização. A pacificação política pela qual clama Luciano Alabarse - o que, em boa lógica, implica como contrapartida a existência de um estado de conflito político - passa, necessariamente, pela responsabilização moral dos protagonistas desse enredo.
O espetáculo que se descortina diante de nossos atônitos ou enlevados olhares, dependendo do lugar que ocupamos na plateia, não pode ser despersonalizado. Ele tem atores, um diretor, roteiro e atos. A narrativa é linear e o tempo é o cronológico, muito embora alguns se esforcem, sabe-se lá o porquê, para lhe atribuir a pecha de teatro do absurdo.
Nem isso é suficiente, todavia. Diferentemente do palco teatral, onde mesmo limites éticos são testados e quase todo mise em scène é tolerado, pois elemento da interpretação e fundamental para a construção narrativa, pelo menos para aquela que quer dizer alguma coisa, a arena política é o espaço da responsabilização par excellence, como diriam os conterrâneos de Racine e Molière.
E isso por uma razão muito simples: a política é o espaço da ética, e não do cinismo. Ao contrário do teatro, nenhum experimentalismo moral é bem-vindo em política, e todo jogo de cena só faz por merecer vaias. Há um escândalo de corrupção e investigações em andamento, donde se supõe que emergirão responsáveis. Declarações que comprometem sobremaneira nossa governadora foram feitas e esperamos explicações. É isso que publicamente precisa ser cobrado. Depois, as coisas até podem ser pacificadas. Em alguns contextos históricos a pacificação social foi possível, mas nesse caso não se trata disso. Sequer chegamos a tais extremos, a bem da verdade, a menos que se tome nosso pedante ufanismo como um sintoma de sua proximidade. Entretanto, mesmo assim ainda estamos distante de ouvir, ao longe, os violinos da concórdia, para de braços dados já corrermos todos nus e felizes pelo pampa guasca.
Portanto, não precisamos ter lido Macbeth para sabermos que é hora de responsabilizações, e que exigir isso não tem absolutamente nada a ver com revanchismos de qualquer ordem. Não enxergar isso, na melhor das hipóteses, é analfabetismo político, como já se disse.
Aliás, se é hora de experimentalismos cínicos, vamos arriscar o nosso. É falsa a famigerada dicotomia que divide gaúchos entre situação e oposição, gremistas e colorados, chimangos e maragatos, petistas e antipetistas. Há uma terceira via, a dos justos e equidistantes. É desses homens e mulheres, que na hora do aperto recorrem a discursos supostamente neutros, que precisamos. São tão equânimes que sequer têm nome; são conhecidos somente como aqueles que não se misturam. Buscam a pacificação acima de tudo, mesmo que para isso a despersonalização de seus discursos tripudie sobre a história e sobre a responsabilização moral. Enxergam além, esses homens e mulheres. São quase como que o super-homem nietzschiniano na versão gaudéria, uma espécie de supergaucho. Acima do bem e do mal, não entendem como os belicosos gaúchos não frequentam todos a mesma roda de chimarrão (o mate, quando sorvido em Porto Alegre).
Talvez, todavia, o Palácio Piratini esteja encenando "Assim é, se lhe parece", do grande Pirandello, e disso não saibamos. Talvez a política guasca seja absolutamente relativa e as coisas por aqui mudem totalmente de figura a cada olhar, dependendo da pessoa que observa, e cada representação no palco político guasca seja verdadeira para quem a vê como verdadeira. A verdade, nesse caso, seria absolutamente relativa, um verdadeiro nonsense. Não há verdade, não há história, não há responsabilizações... O que resta são silêncios e pacificações.
O que o Rio Grande do Sul precisa, realmente, é de gente que encene menos. Luciano Alabarse, de tanto teatro, talvez tenha perdido completamente a noção da realidade. Urge que saia de cena do debate público tão despercebido quanto entrou.
Aliás, o que exatamente Alabarse quis dizer com "Se até os índios americanos fumam o cachimbo da paz, por que não esperar que governo e oposição gaúchos pensem mais no bem do nosso Estado do que no umbigo que a natureza lhes deu?" (O grifo é meu). Que se selvagens como eles celebram a paz, nós, os esclarecidos, não temos razão para não fazê-lo?
É a mistura de analfabetismo político e de preconceito que leva à selvageria.
(Tartufi é de Hupper)
2 comentários:
Que papel patético deste Alabarse.
E pensar que o bendito serviu de referência para a doida do Piratini em carta aberta publicada na página do PSDB...
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