7 de setembro de 2009

(In)dependência do Brasil: a ordem do progresso?


Roberta Traspadini*

O mês de setembro é, para muitos, um período de comemoração pátria. Dia em que se festeja, com direito a parada cívica, o suposto logro da Independência do Brasil.

Foi com essa postura nacionalista, em que as distinções são camufladas e os valores cívicos são incorporados, que por muitos anos estudamos em nossas escolas a educação moral e cívica. Jurar respeito e amor à bandeira e demais símbolos pátrios era o elemento fundamental do adestramento educativo. Até hoje, nas competições olímpicas, esse quesito do nacionalismo, como amor à Nação, independente de suas crenças políticas, enche os olhos dos brasileiros de pura emoção.

E o que implica isto na realidade? Implica que, ante determinados temas e momentos, todos os sujeitos, brasileiros, devem estar na mesma energia da ordem e do progresso. Significa esquecer tanto dos sofrimentos próprios, quanto dos alheios. A construção de uma identidade nacional para além da classe, dos conflitos, das opções políticas e da vida cotidiana que se vive.

Esse espírito nacionalista, tipicamente capitalizado para um sentido de vida e de processo político, sustentou o progresso do capital a partir de uma lógica escravizadora do trabalho e dos recursos naturais do país, educou, via adestramento, gerações que, ao incorporarem o sentido pátrio, renegaram sua própria situação conflitiva de classe.

A intencionalidade por trás dessa concepção política é a de colocar todos os sujeitos numa única linha sobre o sentido do sentir pátrio, para além do que se vive. Nada mais trágico. Os desfiles que, na aparência, revelam belezas de trajes, de sons e de posturas, na essência camuflam um cotidiano de grande diferença e exclusão. Um cotidiano, inclusive, de muita postura raivosa de classe: os poucos detentores de muitos recursos, culpando os muitos, detentores de muitas dívidas, sobre seu processo de não progresso.

As crianças das escolas públicas vão às ruas. Talvez este seja o único momento de visibilidade para além de sua vida como brasileiros, independente de onde vivam: a periferia. E isso é o mais brutal. Reforçar nos sujeitos o amor ao País, sem forçá-los a entender o desamor de grupos políticos historicamente no poder. Poder este consolidado para responder a seus interesses específicos – de classe - e não gerais – de todos indistintamente - nacionais.

O nacional é composto de várias partes e por várias classes. E o sentido dado a ele não pode ser diferente. O nacional burguês - nacional ruralista, financeiro e comercial -, defende um Brasil para poucos lucradores, logrado pelo suor de muitos. O nacional popular, dos pequenos agricultores, sem terras, ou com terras conquistadas por eles e desde seu próprio suor, defende um Brasil em que muitos tenham, não só a oportunidade, mas a ordem do progresso sobre suas mãos.

Após anos de escravidão, mesmo com a lei Áurea assinada, o que temos é a vitória do progresso resultado da ordem burguesa. Um progresso instituído de fora para dentro, no período anterior - colonial -e que, no império, com a independência, reverteu à lógica interna a mesma reprodução anterior. Ou seja, a ordem do progresso, o progresso da ordem burguesa.

Mas, quem ganha? Quem progride? Quem vive do seu próprio suor, e quem vive do suor alheio? Essas são perguntas geradoras que qualquer sujeito, como educador popular, deve se fazer ao viver o dia pátrio. Viver o histórico sentido pátrio brasileiro, é reviver anos de exploração, exclusão e alienação, de muitos, implementados por um pequeno grupo em nome dos supostos valores nacionais.

Numa perspectiva nacionalista burguesa, o sentido pátrio registrado na nossa bandeira ganha evidência a partir das conquistas de ganho capitalistas. Ou as cores da bandeira não simbolizam a vitória do capital sobre o trabalho no âmbito nacional? Com a particularidade histórica de que, em meio ao cenário global de ação das transnacionais, o território tenha se transformado numa terra de gigantes internacionais, aparentemente sem pátria, sem fronteiras para seus ganhos.

Se os verdes são as matas, o amarelo as riquezas preciosas, o azul a beleza do céu e a gigantesca preciosidade litorânea – principalmente no tema da energia e da água -, e o branco os estados da federação, como ler então a ordem e o progresso? A Amazônia, as terras da raposa do sol, as várias serras peladas, as riquezas das empresas antes estatais, agora, (trans)nacionais - CVRD -, os transportes de ganhos privados terrestres, marítimos e aéreos, e, principalmente, o tema da energia, da água e da alimentação nas mãos das grandes corporações internacionais, são bons exemplos cotidianos do paradoxo que se vive entre desfiles pátrios e vidas cotidianas de exclusão e exploração, protagonizadas pelo povo brasileiro, em nome das benesses do capital.

A (in)dependência do Brasil, no sentido popular, como algo tomado e protagonizado pelo povo, para o povo na construção de um projeto nacional soberano não só nunca ocorreu no Brasil, como está, atualmente, muito à margem de qualquer discussão. Retomar o nacional popular é, sem sombra de dúvidas, dar um significado de classe tanto para o que se tem, quanto para como se chegou ao que se tem: um Brasil da ordem e progresso de poucos a partir da exclusão de muitos.

Por isso o hino nacional, por mais comoção que possa causar, não pode velar, tem que nos ajudar a revelar o elitismo por trás da moral e cívica nacionalista burguesa. O hino nacional é um reflexo à exaltação da classe vitoriosa – a elite - ao longo dos tempos, na luta por um Brasil soberano e nacional, quando útil, e aberto, quando mais rentável, em conformidade com seus interesses territoriais de ganhos sem fim.

A ordem e o progresso do povo brasileiro pode e deve assaltar as ruas, reivindicando, protestando e projetando, para além do que se tem, o que se quer. Necessitamos da substituição dos desfiles pátrios, de boas vestimentas e boas canções, com um público passivo assistindo, por uma nova ordem e progresso. Necessitamos de uma ação rumo a um outro Brasil, a uma outra ordem, para além do progresso do consumo, da dívida, dos infindáveis compromissos com pagamentos e débitos do povo brasileiro. Uma comoção fruto de uma ação popular. Essa é a independência que estamos por conquistar. Parafraseando o autor das idéias fora do lugar, Roberto Schuartz, é importante, ao tomarmos consciência disto, lutar por colocá-las em sua devida ordem: a do progresso, cujo sentido é o do poder popular.

(*) Economista, educadora popular e integrante da Consulta Popular/ES. Artigo publicado em 2008 AQUI.

Imagem: Internet

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