21 de novembro de 2009

A consciência Branca da Globo


Por Rebeca Oliveira Duarte* para o Geledés

Não havia data melhor. Em plena semana da Consciência Negra, a teledramaturgia global reafirma, mais uma vez, a pura reprodução de imagens, palavras e ideais racistas em horário nobre.

Ao elencar a atriz negra Thaís Araújo para protagonista de sua novela das nove, a TV Globo, através de seu funcionário Manoel Carlos, parecia querer responder ao Estatuto da Igualdade Racial idealizado pelo movimento negro que não seria necessário estabelecer cotas para atrizes e atores negros; bem, parece não ter sido à toa que justamente no momento de uma decisão histórica quanto ao conteúdo do referido Estatuto, a Globo tenha lançado ao ar duas novelas com protagonistas negras, atrizes que inclusive têm uma postura racial condizente às suas trajetórias, como são Thaís Araújo e Camila Pitanga. Nas entrelinhas, previa-se uma forjada justificativa à sociedade das "desnecessárias" cotas raciais para os meios de comunicação, já que este espaço vem sendo ocupado pelo núcleo negro da Globo. Convenhamos, uma jogada de mestre; assim, evita-se o "mal maior" para a Consciência Branca do comando global, que é obedecer a lei e fazer cumprir os direitos da pessoa, da população e dos povos negros.

Pois então que nesta semana, no capítulo que foi ao ar na noite do 17 de novembro, com precisão cirúrgica o autor desenhou a cena mais representativa possível da ópera racista contra o verdadeiro protagonismo negro. A suposta protagonista da novela, a personagem de Helena, após ser retirada de seu núcleo familiar negro para transitar exclusivamente num núcleo branco e assim ser sujeita a traições e humilhações, é posta de joelhos diante de uma de suas antagonistas brancas - já que, para uma negra, não basta uma só antagonista, devendo vir elas em número de três: a amante do marido, a filha mimada e infantilizada do marido e a ex-mulher do marido. Não apenas de joelhos, deve pedir perdão de cabeça baixa; não apenas de cabeça baixa, sob o olhar duro e inflexível de sua então dominadora; não apenas isso, como se já não fosse o bastante, deve pedir perdão e ter por resposta uma bofetada no rosto. Para finalizar a cena, a personagem desabafa com uma das melhores amigas que "devia ser assim".

rebeca-oliveira_copyA idéia de protagonista negra, na Globo, enfim foi definida claramente. Uma heroína que, se inicialmente surgia diante de um drama familiar, afirmando um núcleo negro protagonista, como âncora, marco e raiz, veio sendo reduzida dramaturgicamente a pobre vítima de suas três antagonistas brancas, tendo estas enfim recebido mais espaço de visibilidade que a suposta protagonista. O papel, de central, tornou-se periférico, apoio para a virada de jogo das outras atrizes, que passam a receber os aplausos da população e das "críticas" noveleiras de plantão, prontas para limar a atriz negra por seu papel "sem graça".

Ou talvez, pensa o autor que pode salvar o papel de Helena pondo-a no lugar em que acha pertencer à mulher negra. Agora sim, a Globo assinou embaixo de suas verdadeiras posturas ideológicas - mais diretamente, de seu racismo.

Rebeca Oliveira Duarte - Advogada e Cientista Política do Observatório Negro

Um comentário:

Unknown disse...

E repetiram a cena incontáveis vezes nos intervalos comerciais dos dias anteriores, nas vinhetas de divulgação do 'próximo capítulo'. Fui atingido por essa injúria debochada de madrugada esperando um ônibus em um bar de rodoviária. Diz que selecionam os 'melhores momentos' para nos bombardearem. A violência se alimenta do cinismo.