21 de novembro de 2009

O fim do mito do PMDB diferente


Por Ayrton Centeno para Brasília Confidencial

Nós, os gaúchos, temos uma predileção especial pelas mitologias. Fervilham criaturas lendárias no nosso rico folclore: salamanca, negrinho do pastoreio, mãe do ouro... Nossa própria História está impregnada pelo além do real. Basta ver a recriação mítica do tipo do gaúcho. De vagamundo, peão ou mesmo ladrão, metamorfoseou-se em ícone de bombachas. Aos fins-de-semana, mansos bancários, comerciantes ou barnabés lotam os centros de tradições, trajando-se de acordo com o figurino do herói ancestral. Este gosto pelo mitológico também espichou suas raízes para a política.

Um dos mitos mais acalentados pela gauchidade é de que, no Rio Grande do Sul, os partidos políticos são diferentes. A palavra diferente aqui oculta outro sentido, o de melhor. E o partido que mais diferente se julgava da sua seção nacional sempre foi o PMDB. Tanto que, muitas vezes, distinguia-se com o apêndice RS, para deixar claro que o assunto não se referia exatamente à sigla de Orestes Quércia, Newton Cardoso, Jáder Barbalho e outras figuras das quais a seção estadual queria distância. Era o PMDB diferente. Os artífices desta construção mental foram, claro, os peemedebistas locais com a ajuda valiosa da mídia.

Hoje, o PMDB/RS continua querendo ser diferente mas as evidências marcham no rumo oposto. A principal referência deste culto à alteridade regional é o senador Pedro Simon. Como solista do PMDB/RS é ele quem canta, mesmo que implicitamente, a diferença de José Sarney ou Renan Calheiros. Simon não cultiva apenas a distinção geográfica -- os bons e éticos aqui, os maus e corruptos lá. Além do espaço, há a dimensão do tempo. Com sua verve tradicional, evoca com frequência “o MDB velho de guerra”. Quase sempre, sua intenção é enaltecer o papel desempenhado na trincheira contra o arbítrio. Embora produzido no laboratório do regime militar -- depois da extinção das 13 siglas existentes em 1965 através do AI-2 -- para abrigar uma oposição consentida, o “MDB velho de guerra” de Simon causaria dissabores aos generais batendo-os nas urnas e ajudando a pavimentar o caminho da abertura. É uma tirada recorrente que explicita um travo de desencanto com a trajetória do atual PMDB, uma confederação de caciques regionais interessada nos seus próprios interesses.

Mas o mal-estar passa tão logo o senador adentra o território gaúcho, o que revela as insuspeitadas virtudes terapêuticas do clima sulino. Bafejado pelo vento minuano e os odores do pampa, Simon parece perceber o PMDB/RS como algo à parte, como se fosse, talvez, “o MDB velho de guerra”. Ardente crítico da corrupção que grassa – segundo seus discursos no Senado -- no resto do Brasil, tão logo põe os pés no chão riograndense o bravo parlamentar recolhe-se a um monastério imerso em piedoso silêncio quando se trata dos descaminhos da legenda no Sul. O grande problema, porém, é a fragilidade do mito no confronto com a percepção pura e simples das coisas.

A ópera não se resume à participação do PMDB/RS em um governo devastado por denúncias de corrupção como o da tucana Yeda Crusius, do qual Simon é fiador. Tampouco tem a ver com a sofreguidão da bancada peemedebista para livrar a cara da governadora tucana ante qualquer investigação no Legislativo. Nem mesmo se refere ao fato do PMDB/RS ser acionista majoritário na débâcle do Estado – empobrecido e desprestigiado politicamente – pelo fato de ter governado o Rio Grande do Sul em 10 dos últimos 14 anos. Há outros e graves senões.

O PMDB diferente tem três deputados estaduais e um deputado federal – o secretário-geral do partido Eliseu Padilha, ex-ministro dos transportes de Fernando Henrique Cardoso -- investigados nas operações Rodin e Solidária, ambas da Polícia Federal, que rastreiam o destino de R$ 340 milhões aspirados dos cofres públicos.

Nas interceptações telefônicas realizadas pela PF com autorização judicial, o PMDB diferente mostra-se igual. Talvez diferente – não para melhor mas para pior -- somente na vulgaridade e na baixeza do palavreado que algumas fitas expõem. Porém, o senador que os gaúchos tantas vezes honraram com o seu voto, aparentemente não se dá conta que sua consciência crítica também faz falta ao PMDB/RS e ao Estado que representa. O PMDB diferente do Rio Grande do Sul hoje é tão crível quanto um boitatá. Parece mesmo um fogo-fátuo com sua luz bruxuleante, ardendo na noite em cima de uma coxilha para iluminar um tempo que não existe mais.

Um comentário:

Cezar - PoA disse...

Maravilha. Pôs o dedo exatamente em cima da ferida. Baita texto.