Inicialmente declaro-me cristão, mas não católico, e sem o intento de debater questões religiosas. Não obstante, mesmo sem esquecer aspectos que acho controversos, salientaria, até com admiração, a atitude corajosa de muitos de seus religiosos, que fazem a defesa desinteressada e intransigente dos necessitados, pondo em risco as próprias vidas, muitas já extirpadas por balaços oriundos do interesse acumulativo. Neste sentido, as "Campanhas da Fraternidade" são, inequivocamente, orientações importantes e fundamentais ao cenário nacional, impondo uma agenda de discussão que governo e sociedade negligenciam.
O assunto "agronegócio" toma relevância pelo o que é, como atua e a que interesses atende. No âmbito das informações que ele próprio oferece, revela-se como um negócio predador, que ajudou a transformar o Brasil no maior consumidor mundial de venenos agrícolas, matando não só a vida que a terra abriga, mas também gerando com seus químicos a intoxicação alimentar. Nas safras de 2008/2009 foram aplicadas em lavouras de destruição 629.705 ton. de tóxicos (deste total só a soja é responsável por 318.818 ton.), numa área de plantio bem inferior à dos USA, o qual, mesmo assim, consome menos venenos agrícolas que nós. Será que estes são os químicos definidos (e ardilosamente "confundidos") como "adubos"?
O agronegócio produz fundamentalmente para exportações que oferecem lucro com base em expressivas isenções fiscais. É verdade que ajuda a chamada "balança comercial" a equacionar números favoráveis, mas poucos prestam atenção no "dedo" do governo desequilibrando as forças, mediante intenso financiamento público. Só no ano passado esse setor recebeu dos cofres públicos R$ 92.5 bi, sobrando para a agricultura familiar R$ 15 bi, mesmo que esta seja 67% mais produtiva do que aquele. Não nos esqueçamos dos R$ 300 milhões que o BNDES repassa para que os já ricos "empresários" recuperem áreas que eles mesmos degradam, enquanto que para os agricultores familiares aplica-se a fria letra da lei. Nem citamos todas as isenções fiscais que ajudam esse "setor produtivo" a saracotear lucros, enquanto que tais impostos são cobrados dos brasileiros até à exaustão.
Esse é, também, um negócio que deturpa e faz mal uso da ciência (aliás, quanto mais deturpada melhor), ao transformar importantes avanços científicos, em reações que combinam irresponsabilidade e criminalidade. Particularmente não vejo problema no estudo da transgenia, mas o desvirtuo científico e ético que sofre, torna-a instrumento na busca de lucro assassino. Se bem utilizado, o químico corretivo de determinadas pragas deve ser aplicado, mas a imposição do uso de venenos como fonte de renda para empresários bilionários, torna seu comércio em ato delituoso e desumano. As plantações organizadas para saciar a fome de todos devem ser estimuladas, mas as promover às custas da destruição da natureza, expulsão do homem do campo e, mais uma vez, para o acúmulo doloso e fraudulento dos já ricos, transforma-as em mortalhas para muitos. Dizer genericamente que "o agronegócio gera emprego" é falso e leviano, pois, segundo dados governamentais, 81% das pessoas ocupadas no campo atuam na agricultura familiar. Aliás, a bem da verdade, o índice de desemprego no campo aumenta, justamente por conta dessas lavouras de silêncio.
Esta forma de produção é tão desumana quanto irracional, trazendo um lucro bilionário que jamais satisfaz e sacia as empresas, alinhando-se com a ausência de ética de muitos empresários. A avidez pelo dinheiro ultrapassa o respeito pela vida. Que insensibilidade e alienação são estas que dizem ser "saudável e indispensável o ânimo de lucrar", aceitando o amealho a custas de mal formações fetais, mortes prematuras e envenenamento coletivo?
O trator que vimos em inúmeras repetições televisivas, destruindo as laranjeiras - as quais foram plantadas mediante a destruição da natureza (vida!) que antes lá estava, tem o tamanho de um brinquedo se comparado com o maquinário do agronegócio. Ele destrói desde a Floresta Amazônica até o nosso Pampa, onde as empresas pasteiras insistem em aplicar o mesmo modelo colonialista de sempre (muito anterior ao tal "Jeca Tatu"), exportando pasta de celulose (sem qualquer valor agregado), fazendo um "trabalho" que exige investigações não só da polícia, como de vários órgãos públicos. O princípio capitalista é tão notório que, óbvio, geram desemprego, miséria, destroem a natureza, secam rios, promovem favelização e desorganização social, afrontam imposições constitucionais e infra-constitucionais - só para dizer o mínimo. Onde estão as imagens e notícias destas negociatas? Os animais silvestres vêm desaparecendo por conta da destruição de seus hábitat, promovida pelos que buscam o lucro de forma insana e animalesca. E, mais uma vez, os casos de intoxicações e morte de crianças, mulheres e homens que foram vitimados por químicos aplicados por exportadores não são pequenos!
Que "negócio" é este e que pessoas são estas que vêm cobrar de uma instituição como a Igreja Católica que apóie o agronegócio em detrimento dos que não recebem de volta os benefícios dos impostos que pagam e, muitos, sequer têm onde trabalhar com dignidade? Que "negócio" é este que deprecia as posturas de um clero, mas que tem como atitude já noticiada a grilagem? Que pessoas são estas que exigem defesa dos que trabalham com os pobres, enquanto se empanturram no ócio que a fortuna lhes propicia?
Lucro e agronegócio não têm "espírito", têm metas bem definidas; acúmulo financeiro acima de tudo, custe o que custar, doa a quem doer. Aliás, mesmo que ocasione a submissão nacional a interesses estrangeiros. Criticar uma instituição milenar baseado em comportamento isolado só serve para justificar teses particulares, absurdas e, obviamente, infundadas.
Transformar o acúmulo financeiro em meta de vida, é tirar o sentido e meta da própria vida. É não entender o processo evolutivo (social, racional, psicológico, intelectual e humano, em geral), usurpando do homem a sua responsabilidade para com os demais e com o desenvolvimento ambiental sustentável.
Este tal de "agronegócio" só acumula valores para poucos e, nisto eu concordo, é muito bem definido como "o motor básico da iniciativa capitalista". Entretanto, não podemos escamotear que este tal "motor" tem como combustível exatamente "o capital meramente especulativo, que entra e sai à socapa nas bolsas de valores, e que se refugia em ilhas de imunidade fiscal".
Assim, esta lógica financista não serve para nenhuma sociedade, seja ela cristã, budista, islâmica, atéia ou qualquer outra que respeite a vida.
*Professor Titular
Universidade Federal de Pelotas
Instituto de Biologia
Disciplina de Anatomia dos Animais Domésticos
[Endereço eletrônico e telefones suprimidos pelos editores do blog.]
Um comentário:
. . . na paleta professor ! na paleta !
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