“Acabo de voltar do Irã.”
Nos EUA, hoje, há um tema que faz calar todas as conversas periféricas. Os que estejam em posição de servir-se dessa vara de condão, convertem-se em objeto de fascinação geral, embora temporária, como deve ter acontecido com nossos avós, caso tivessem visitado a China ou a URSS dos anos 50s. Viajar ao Irã converte qualquer um em aventureiro amalucado ou em forasteiro em perigo, em território inimigo.
A realidade é mais prosaica. Embora poucos norte-americanos visitem o Irã, não há, de fato, nada que os impeça. No meu caso, acompanhei um grupo de turistas norte-americanos em giro de duas semanas e poucos quilômetros pelo país. Não nos reunimos nem com o governo nem com os líderes da oposição, e andamos livremente, conversando com quem nos desse na telha conversar, com iranianos comuns, e o fizemos em todas as lojas onde entramos. Dado que o governo impôs restrições a visitas de jornalistas ocidentais, que mal conseguem trabalhar no Irã, andar como turista pela cidade pode ser o melhor meio de descobrir o que pensam e sentem as pessoas.
O que mais chama a atenção de norte-americanos que visitem o Irã é ver o quanto as pessoas são pró-EUA. Em nenhum outro lugar do Oriente Médio, em outros pontos do mundo muçulmano, e praticamente em lugar algum do planeta encontra-se gente que tanto e tão abertamente admira os EUA. Pesquisas de opinião confirmam o fenômeno, e não foi novidade para mim, que já vira exatamente o mesmo em outras visitas. Mas perturba sempre, se se pensa que ali se está no coração do eixo do mal, cercados, como eu estava, em plena praça Imam, em Isfahan, por garotas de ginásio, aos gritinhos de “Amamos os EUA!” Num jardim persa em Kashan, encontrei um solene ancião, que, de inglês, só sabia dizer “America very good”, frase que pronunciava com grave reverência.
O sentimento pró-EUA no Irã explica-se, sobretudo, pela admiração que os iranianos sentem pelos feitos dos EUA. Os EUA têm tudo a que muitos iranianos aspiram: democracia, liberdade pessoal e Estado de Direito. Os iranianos aspiram profunda e sinceramente por essas bênçãos, aspiração que não é nem abstrata nem transitória. Essa aspiração é produto de um século de luta para construir uma democracia liberal. Desde a Revolução Constitucional de 1906, gerações de iranianos assimilaram ideais democráticos. Hoje, a sociedade iraniana é o oposto do regime iraniano: é sociedade aberta, tolerante, ansiosa por engajar-se no mundo contemporâneo. Há muito mais potencial de longo prazo para a democracia no Irã do que em qualquer outro pondo do Oriente Médio muçulmano.
O sentimento pró-EUA no Irã é ativo estratégico valiosíssimo para os EUA. Um ataque militar dos EUA contra o Irã liquidaria ou, pelo menos, feriria gravemente esse importante ativo estratégico. O mais provável é que, se os EUA atacarem militarmente o Irã, terão conseguido converter o mais pró-americanos dos povos do Oriente Médio em mais um povo de antinorte-americanistas, o que enfraquecerá ainda mais a posição dos EUA, na região mais volátil do mundo.
A segunda coisa que aprendi, por ver, no Irã, é que a explosão de protestos antigoverno do ano passado acabou-se, pelo menos por hora. O governo insiste em reprimir com violência alguns fracos protestos, apenas porque repressão violenta funciona. E funcionou no Irã. Há muitos iranianos insatisfeitos – não sei estimar quantos –, mas ninguém com quem falei previu novos levantes ou agitações de rua. A vida transcorre razoavelmente boa para muitos iranianos, e uma eleição talvez roubada (e nem se sabe se foi roubada) não é suficiente para tirá-los de casa e fazê-los enfrentar espancamentos e prisões.
Isso implica que, se a alguém interessa manter negociações com o Irã em futuro próximo e nos próximos anos – o tempo necessário para que o programa nuclear iraniano amadureça –, terá de negociar com o atual regime. Adiar o início de negociações amplas com o Irã, na esperança de que o governo de Ahmadinejad caia... parece-me esperança totalmente delirante, irrealista.
Finalmente, me chamou a atenção – embora não me tenha surpreendido – a unanimidade dos iranianos, inclusive muitos dos que participaram dos protestos no ano passado, em torno de dois pontos: o apoio a uma agenda de reformas e a firme rejeição de qualquer ajuda externa de qualquer outra potência, EUA ou outra.
“Muitos não gostam de Ahmadinejad, mas muito menos queremos os EUA, aqui, mandando em nós” – disse-me o dono de uma loja no bazaar de Shiraz. “Preferem viver sob um governo do qual não gostam, do que sob qualquer governo imposto ao Irã por estrangeiros.”
Esses sentimentos são fortes e estão por toda a parte, no Irã. O motivo é histórico, da história moderna do país. Durante quase todos os séculos 19 e 20, o Irã foi devastado por potências estrangeiras que subjugaram o povo e saquearam seus recursos. Cada vez que o Irã começou a tentar modernizar-se – por exemplo, construindo uma usina de aço nos anos 1930s, ou nacionalizando seu petróleo, nos anos 1950s – alguém veio de fora e interrompeu qualquer modernização.
Os iranianos tornaram-se super sensíveis à intervenção estrangeira. São mais sensíveis que qualquer outro povo no mundo. Por isso, rejeitam quaisquer forças políticas que suspeitem ser patrocinadas, apoiadas ou estimuladas por potências estrangeiras.
Muitos norte-americanos apreciariam ver o Congresso e o presidente Obama abraçarem publica e vigorosamente o movimento democrático iraniano. Pois nem os líderes dos próprios movimentos democráticos iranianos querem vê-los por lá, ainda que para apoiá-los.Em vez de ajudar a democracia iraniana, qualquer sinal de apoio que venha de Washington só servirá para estigmatizar o apoiado e deslegitimar sua causa. Os norte-americanos tendem a supor que seu apoio a amigos que se digam democráticos sempre ajuda. Não. No Irã, só atrapalhará.
“Bush foi um desastre”, disse um professor de matemática que encontrei sentado ao pé de uma figueira na cidade de Rayen. “Obama é um pouco melhor. Mas os iranianos acreditam firmemente que, quando EUA ou Inglaterra viram os olhos para o Irã ou para países árabes, sempre querem roubar alguma coisa. Todos eles.”
Há alguns traços da realidade iraniana, bem claros: tão cedo não haverá mudança de regime, e não há o que o ocidente possa tentar para acelerar qualquer mudança. Isso não implica que os iranianos não sejam democráticos: são mais democráticos e mais democratizáveis, eles mesmos, que qualquer outra sociedade no mundo muçulmano. 70% dos iranianos têm hoje menos de 30 anos. As mudanças virão. Mas virão ao ritmo do Irã, não ao ritmo dos EUA.
Enquanto isso, as centrífugas continuaram girando nas usinas nucleares iranianas, é claro. A crise exige diplomacia criativa. E Washington parece congelada no paradigma da confrontação.
* Texto traduzido por Caia Fittipaldi e publicado no Huffington Post .
Fonte: Sul21
Imagem: Kayser
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