Laerte Braga
As perspectivas de derrota eleitoral do Partido Democrata e por extensão do governo do presidente Barack Obama, há dois anos das eleições presidenciais nos EUA, são uma dificuldade de monta para a presidente eleita do Brasil Dilma Roussef. Não que Obama signifique alguma coisa, mas pelo que Republicanos representam numa escala de gradação do terrorismo político, econômico e militar dos EUA.
Se antes dos oito anos de Lula éramos figurantes no contexto da chamada Nova Ordem Mundial, hoje somos protagonistas dessa ordem. E a América Latina é decisiva em todo esse processo.
Mais que nunca vale a frase do ex-presidente Richard Nixon dita em plena ditadura militar, ao buscar encontrar justificativa para as notícias de sistemáticas violações de direitos humanos pelo regime dos generais. “É uma pena, mas o Médice é um bom aliado e para onde inclinar-se o Brasil, inclina-se a América Latina”.
Quer queiramos ou não o atoleiro que George Bush meteu o seu país diz respeito ao Brasil, ao mundo inteiro. A presença de governos independentes de Washington no continente político latino-americanos é um momento histórico de afirmação, mas pode vir a ser de queda.
A economia mundial globalizada faz com que um espirro no pólo norte seja sentido em qualquer canto do mundo, que dirá no Brasil, um país com dimensões continentais e agora, com um caminho aberto para um processo de integração latino-americana numa fase aguda.
Dilma Roussef vai enfrentar de saída duas frentes de combate. Impedir que a crise econômica mundial (ainda forte e viva) afete esses anos Lula de prosperidade e segurança. Os olhos postos do grande irmão do norte sobre o Brasil e a importância, para eles, de domar essa onça que surge com um vigor impressionante.
Uma eventual vitória republicana em 2012 vai significar que à frente de uma situação de declínio a boçalidade suba de tom nos EUA.
Isso sinaliza para mais que a integração latino-americana. Ultrapassa esses limites e se estende a partes outras do mundo numa luta que se ainda não deixou claros esses contornos, é de sobrevivência das nações independentes ou que se pretendem assim.
No aspecto interno Dilma vai sofrer a feroz oposição das forças de extrema-direita (se mostraram com todas as garras nessa campanha eleitoral), aliadas incondicionais desse contexto internacional e subordinadas a interesses de nações que mais e mais vão se tornando grandes conglomerados empresariais. É o caso dos EUA.
É indiscutível que tem estatura para esse desafio, mas não é Lula e vai ter que construir seu próprio caminho, abrir sua picada em mata fechada e afirmar-se como líder desse espaço fundamental para o Brasil e imediatamente a América Latina.
Em todo o processo de destruição levado a cabo pelos EUA nos últimos anos, mesmo no período Clinton, onde a ALCA –ALIANÇA DE LIVRE COMÉRCIO DAS AMÉRICAS – era a palavra de ordem para essa parte do mundo, se olharmos o resto do mundo, são poucos os países que conseguiram preservar-se intactos ou escapar incólumes do desvario neoliberal.
A morte de Néstor Kirchnner é outro complicador. O futuro da Argentina, país essencial para e como o Brasil para a América Latina, é incerto.
As cunhas do neoliberalismo e da estupidez militar dos EUA já estão plantadas por aqui. Colômbia e Chile.
Os desafios das elites econômicas no Brasil, latifundiários, banqueiros e grandes empresários tem um componente complicado. São forças de natureza golpista, agarradas a privilégios, o que significa que reformas são indispensáveis para que se possa mexer na infra-estrutura política e econômica do Pais, abrindo perspectivas para uma independência completa e real, consumando o processo iniciado no governo Lula.
Dilma vai ter que enfrentar essa batalha para além dos caminhos tradicionais da política brasileira.
Vai ter que lutá-la nas ruas ampliando os canais de participação popular e alcançar através dessas forças os objetivos que os brasileiros que a elegeram sonham e desejam.
A própria configuração de sua vitória mostra isso. Perdeu as eleições em estados onde predomina o agro-negócio e onde são fortes as elites de extrema-direita. Tem a seu desfavor a mídia privada que tece loas à liberdade de expressão para garantir o controle do processo que é alienante e o domínio de poucas famílias num modelo em que curiosamente essa liberdade de expressão tem mão única.
As eleições mostraram sem disfarces essa face perversa do modelo.
São desafios que combinam políticas de fortalecimento da integração latino-americana, de ampliação dos mercados brasileiros com nações de outras partes, modelo pacientemente construído pelo governo Lula através do chanceler Celso Amorim – um dos grandes brasileiros de sua geração e da história de nossa diplomacia – com a preservação dos níveis de crescimento econômico e políticas sociais que permitam as reformas necessárias a que essa infra-estrutura perversa que ainda habita entre nós, possa se transformar de fato num governo popular.
Onde o cidadão fale, onde o povo seja o principal ator.
É como matar uma onça por dia. Os adversários são fortes, já mostraram não ter escrúpulos e deixaram claros os seus interesses e objetivos.
De saída a política externa traz desafios que têm largos reflexos na política, na economia e no social. Enfrentar a ação golpista dos EUA via Colômbia e Chile contra Venezuela, Bolívia, Equador, Uruguai, Paraguai e o esforço que farão para recuperar a Argentina.
Não aceitar as imposições quanto ao Irã, opor-se às políticas terroristas no Afeganistão, no Iraque e na Palestina, ampliar a integração com países de língua portuguesa e buscar formas de relacionamento com países da Comunidade Européia (uma espécie de protetorado dos EUA) que impliquem em equilíbrio político e econômico sem concessões que não resultem de consenso que possam beneficiar a ambos.
Se os governos da maioria dos países da Europa subordinam-se aos EUA, os povos das nações européias começam a perceber a armadilha travestida para além da economia, seja em cerco militar, ou em reformas neoliberais.
Ampliar as relações com a Rússia, estabelecer premissas novas para com a China, enfim, afirmar-se como potência mundial que, a permanecerem os números, em breve terá ultrapassado Itália, França e estará nos calcanhares de um semi falido Reino Unido.
A vitória de Dilma tem esse sentido, esse significado. E a certa altura com certeza irá passar por um momento de união nacional das forças progressistas em torno dessas questões básicas (vai ser necessária a maturidade dessas forças), sob pena de nada do que foi conquistado valer.
Nossos adversários internos e externos jogam o jogo em estreito acordo e com objetivos bem claros.
Dilma não vai encontrar e nem pode pensar em tratar o governo como um clube de inimigos e amigos cordiais. É só olhar as dificuldades enfrentadas por Lula e perceber que a dimensão de estadista do atual presidente se deveu, entre erros e acertos, à coragem de resistir.
E uma resistência que o Brasil excluído percebeu com clareza tal que elegeu Dilma.
Se os primeiros passos foram dados, os próximos serão em terreno bem mais pantanoso, pois os inimigos do Brasil sabem que um descuido e vamos ao chão.
Abraçar os movimentos populares, reciclar o caráter corporativo de boa parte do movimento sindical, evitar aparelhamentos pelegos, abrir as portas do processo à participação popular.
Trazer ao debate temas como o monopólio da informação (decisivo) e não se deixar encantar pelo canto do jogo institucional montado sobre estruturas que atendem apenas aos interesses dos donos.
Aprofundar a reforma agrária é de tal ordem importante, diz respeito à própria soberania nacional em vários campos.
Se Dilma tem dimensão para isso? Claro que tem, vai ter que mostrá-la em cada dia de seu governo.
Existem momentos que enfrentar desafios se torna questão de sobrevivência. Esse é um deles. O nível da campanha eleitoral mostrou que é assim.
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