25 de janeiro de 2006

O preço de Arnaldo Jabor

A Globo nunca escondeu o seu fascínio pela doutrina nazi-bushista. Quem não lembra os âncoras de seus telejornais exaltando, deslumbrados, as armas "inteligentes" que os estadunidenses arremessavam contra os iraquianos, no início da guerra, quando esta lhes parecia uma empreitada fácil?

Mantendo a "coerência" e fiel à doutrina, agora a Globo se lança de corpo e alma na luta contra o "terrorismo" e a "ameaça" que ele faz pairar sobre a "civilização" judaico-cristã. Um confronto titânico, sem dúvida, onde, pela ótica global, todas as armas e métodos são legítimos. Afinal, a "causa" é nobre.

Isso está bem demonstrado na série "24 Horas", que a Globo põe no ar todos os dias e anuncia com espalhafato durante sua programação. Pelos trechos exibidos, dá para antever uma orgia de violência. O agente Jack qualquer coisa "joga pesado", diz o anúncio! Esta série, provavelmente feita sob encomenda, possui todos os ingredientes da doutrina Bush e está bem adequada às necessidades propagandísticas da expansão imperial dos EUA.

Propus-me, contendo as ânsias, a assistir essa merda. Desculpem, leitores, mas não há outro qualitativo possível. Já no primeiro capítulo, contei seis assassinatos e uma prática que se tornaria recorrente nos outros episódios. O "herói", o agente Jack, invade uma sala de interrogatório e, ato contínuo, dá um tiro no joelho de um suspeito de "terrorismo" para obter uma confissão. Um inequívoco ato de tortura. Os episódios seguintes não tive a oportunidade de assistir, mas, pela amostra, a produção de cadáveres por minuto de capítulo deve ter mantido a média. Esta semana, pude assistir novamente: matanças de praxe e outros episódios de tortura. Suspeitando-se agora de uma funcionária do próprio departamento que está à caça dos "terroristas", a sua diretora não exita em ordenar, a um de seus subordinados, que submeta a suspeita à uma sessão de tortura. O tal subordinado, engravatado e em mangas de camisa, como qualquer funcionário de escritório que cumpre determinação de seu superior, sequer esboça uma reação de surpresa frente a tal pedido. Mune-se, de um pequeno aparelho elétrico próprio para dar choques, e como se fosse a coisa mais natural do mundo, o usa na sua colega de trabalho "suspeita" de passar informações aos "terroristas". Não contentes com as negativas da "suspeita", seu colega aplica-lhe uma injeção na veia, sabe-se lá de que substância, pois a mesma fica apavorada frente a esse procedimento. A sessão de tortura explícita entre colegas, com a ordem dada pela diretora-chefe do departamento e assistida por ela, só termina quando a verdadeira informante é descoberta e morta, durante uma perseguição. A suspeita é retirada da sala de interrogatório em cadeiras de rodas e inconsciente.

Fiquei curioso em saber quais desdobramentos isso teria e no dia seguinte, 13/01/06, obtive a resposta. Parte do desfecho eu já imaginava. A chefe do departamento alega para sua vítima que um valor mais alto se impunha: a segurança nacional. Ela ouve calada, depois, faz os queixumes de sempre - como puderam desconfiar dela, uma fiel servidora da causa nacional e blá, blá, blá - e o caso parecia encerrado. No entanto, passado um tempo, a "vítima" intima a sua chefe e cobra seu "preço", exigindo aumento de salário e promoção de cargo como "compensação" pela tortura que sofreu, no que é atendida prontamente.

A partir deste "incidente", fiquei a imaginar qual seria o "preço" de cada indivíduo e como ele reagiria diante de determinada situação. O que cada um é capaz de justificar moralmente na defesa de seus interesses? O mentecapto que escreveu esse "roteiro" se sente pagando um "preço" para fazer isso, ou o faz naturalmente, sem avaliar a que propósitos está servindo?
Fiquei a pensar sobre como se sente o funcionário da Globo que põe essa "programação" no ar. Ele se indigna, mas se resigna, pois precisa daquele emprego, ou é mais um nesta cadeia de mentecaptos que a tudo naturaliza?

Divago mais e me vem a lembrança um outro funcionário, Arnaldo Jabor, que, um pouco antes do início de mais um capítulo desse infame seriado, fez seu costumeiro comentário na Jornal da Globo. Como de hábito, Jabor dispara sua "metralhadora giratória" em todas as direções (ou quase todas): atira nos terroristas, fundamentalistas, Hugo Chávez (um de seus alvos favoritos), contra a guerra no Iraque, Bin Laden e, pasmem, atira contra o próprio Bush! Este é um homem que não tem preço, dirão todos. Mas o que os incautos não percebem, é que a metralhadora giratória do Jabor tranca num ponto e dali não passa.

A crítica aparentemente isenta e imparcial de Jabor esconde uma armadilha nem tão sutil. Ela é descolada da História e apresenta os fatos de forma não hierarquizada, como se eles não tivessem origem ou causa. Assim, quando Jabor critica o "terrorismo", ele o faz como se esse fenômeno tivesse "geração espontânea", surgisse do nada, apenas da vontade de "fanáticos enlouquecidos" como Bin Laden ou os homens-bomba, que teimam em desafiar Bush, este sim, um louco de verdade. Todos os "fanáticos" são colocados no mesmo nível: os "fanáticos" iraquianos, que se lançam numa das mais ferozes lutas contra o imperialismo estadunidense; Bin Laden com sua guerra santa contra o ocidente infiel e Bush, com seu projeto de dominação mundial, através da guerra indiscriminada e selvagem a quem possa representar uma ameaça aos interesses "yankees".

Jabor, no entanto, sempre esquece de mencionar que Bin Laden foi sócio da família Bush nos negócios com petróleo e que antes da invasão do Iraque, não existiam homens-bomba por lá.
Jabor também nutre um indisfarçável e particular desprezo pelo "populista" Hugo Chávez. Por qualquer motivo detrata-o e o acusa de "provocar" os EUA ao levar adiante seu projeto nacional.
Jabor denuncia, de forma teatral, esses "fanatismos", gesticulando, impostando a voz, tentando emprestar a toda essa verborragia um tom de indignação e convencimento. Técnica manjada, aplicada, muitas vezes, por (de)formadores de opinião que fazem da sua aparente crítica ao sistema como um todo, o pilar da sua "credibilidade".

Mas Jabor, tal como a suspeita torturada do seriado "24 Horas", também tem um preço. E qual é ele? Quando se trata de girar a sua metralhadora além daquele ponto em que ela tranca, Jabor, convenientemente, não o transpõe. Pára ali e pronto. E o que existe além desse limite para um homem tão "indignado" com as ignomínias desse mundo? Existe um alvo muito interessante, como a empresa de mídia para a qual ele trabalha, por exemplo.
Jabor, sempre "atento" ao que se passa no mundo, "contundente" ao denunciar o "aventureiro" Chávez ou os fanáticos "homens-bomba", não consegue enxergar o que se passa bem abaixo do seu próprio nariz. Não consegue ver o engajamento descarado da rede Globo na campanha de legitimação da tortura como uma prática aceitável na luta contra aquilo que a doutrina Bush, apoiada pela mídia hegemônica, convencionou chamar de "terrorismo".

No seriado exibido na emissora de seus patrões, tudo está de acordo com a política bushista. Submete-se o mundo judaico-cristão a paranóia de uma eterna "ameaça" (já foi o comunismo em outra época) que não tem outra causa a não ser o "fanatismo" de algum grupo ou líder "insano". Justifica-se, assim, o uso de qualquer método, por mais pérfido que seja, contra essa "ameaça". Paranóicos, os indivíduos abrem mão, de bom grado, de suas garantias individuais e naturalizam o princípio de que todos são "suspeitos". Sob o efeito da propaganda primária e anestesiante, a maioria não pensante esta pronta a aceitar tudo: disseminação de prisões clandestinas para "suspeitos" em países colaboracionistas dos EUA; inimputabilidade pela Convenção de Genebra dos soldados estadunidenses acusados de crime de guerra; desrespeito total à legislação internacional; autorização à CIA a cometer assassinatos e qualquer ato de violência pelo mundo afora.

Essa barbárie institucionalizada, legitima-se moralmente, criando, através da mídia, o senso comum de que tudo está justificado no combate ao "terrorismo".
O seriado "24 Horas" está muito bem contextualizado nesse sentido. Ele mostra pessoas "de bem" capazes de amar seus filhos, seu marido, sua esposa, recorrendo a todo tipo de violência e ilegalidade para "proteger" seu país. Isso tem um efeito inegavelmente poderoso no senso comum.

Jabor não denuncia essa paranóia e não se indigna com papel da mídia na sua disseminação. Tão pouco, questiona a total falta de qualidade da programação da empresa de onde trabalha. Intrigante para alguém que vive a disparar "contundências" com sua "metralhadora giratória". Bem que Jabor poderia seguir um de seus próprios conselhos, que ele dá a quem lê sua entrevista á revista "FLORENSE", nº 6, de 2005. Na página 27, sob o título "Seja um idiota - a idiotice é vital para a felicidade" ele dispara: "Gente chata essa que quer ser séria, profunda e visceral sempre", e a maneira dos adeptos das teorias de auto-ajuda, enumera algumas "idéias" para lidar com essa "gente". A mais interessante é: "Ignore o que o boçal do seu chefe disse. Pense assim: quem tem que carregar aquela cara feia, todos os dias, inseparavelmente, é ele. Pobre dele" Então!? Jabor poderia desancar o pau na péssima programação da Globo. Quando o boçal do seu chefe viesse lhe cobrar a ousadia, ele se faria de idiota(se já não o é) e tiraria de letra aquela cara feia. Simples, não? Mas, por via das dúvidas, Jabor prefere o silêncio quando o assunto é mídia. Portanto, este é o preço que ele está disposto a pagar para manter seu emprego, convicto de que sua manobra óbvia jamais será percebida. No que está em parte certo, se considerarmos o poder da mídia em criar "consensos".

Ele pode continuar passando por um "intelectual" que não tem papas na língua, que não se "vende".
Seria um plano perfeito...se todos fossem idiotas.

Eugênio Neves

Em tempo: Enquanto termino esse texto, mais uma sessão de tortura acontece, com um suspeito sendo interrogado com choques elétricos. Uma mulher é chantegeada por um dos agentes torturadores, que ameaça prender seu filho de 17 anos em um campo de confinameto. Segundo o agente, o rapaz não levaria três meses para se suicidar, dadas as condições que encontraria alí. O tal confinamento seria em Guantânamo?

Quantas pessoas serão ainda assassinadas ou torturadas até o final da série? Faça as contas: uma média de seis por capítulo vezes vinte e quatro capítulos.

Nenhum comentário: