18 de março de 2007

Mensagem enviada, por correio eletrônico, a Tarso Genro em 29 de março de 2006, a respeito de um texto, de sua autoria, sobre o comportamento da mídia e que nunca foi respondida.

Sr. Tarso Genro, boa tarde.

Chegou, até nós, o seu artigo sobre a saída do Ministro Antônio Palocci. Muito boa a sua análise sobre a mídia da crise. E nós lhe perguntamos: qual o próximo passo? Explicamos: as constatações de que a mídia é o poder político por excelência já estão dadas há muitos anos. Existem quilos e quilos de livros, trabalhos acadêmicos, artigos, revistas, que tratam do poder da mídia. O senhor mesmo, em "A esquerda em processo", aborda este tema.
Assim, cabe-nos refletir quais serão as ações a serem tomadas, em caráter de urgência, para enfrentar um poder que ataca, agressivamente, o estado republicano democrático. Nós não conseguimos entender, qual foi a "brilhante" estratégia do Governo Federal, ao rifar o projeto de lei que criava o Conselho Federal de Jornalismo; ao implodir a Ancinav e, agora, quem sabe, dar de presente o padrão japonês de tv digital para a Rede Globo.
Some-se a isso, a Lei Geral das Comunicações que não sai, obrigando a submetermo-nos à uma lei de 1962; é o Conselho de Comunicação Social se reunindo só com os representantes do empresariado, num verdadeiro boicote às representações da sociedade e dos trabalhadores em comunicação; é o artigo da Constituição Federal que trata dos meios de comunicação social e seu impedimento na formação de monopólios e oligopólios, que não está regulamentado; a perseguição sistemática de rádios comunitárias, algo inimaginável num governo com caráter popular; a "caixa preta" da vigência das concessões públicas de rádio e televisão, um assunto tabu, uma informação que deveria ser transparente e acessível, escondida do povo brasileiro, seu verdadeiro dono. E é neste contexto estarrecedor, que a sociedade civil organizada tenta se articular em ações que visam à democratização das comunicações.
Voltamos à questão proposta no início: qual o próximo passo? Primeira coisa, o PT precisa se convencer que mídia É O PODER. Estudar o assunto, criar seminários, conferências, debates, o que seja. Porque não há como discutir o programa partidário, se não discutir em que "meios" poder-se-á falar deles Nada, mas nada, que o Governo Lula fez, até hoje, mereceu o devido destaque na mídia. Tudo desqualificado, desmerecido, omitido escandalosamente. A segunda coisa, caso o Lula se reeleja, é nomear alguém do campo da esquerda, de preferência do partido, ao Ministério das Comunicações, demanda esta feita por escrito num documento entregue pelo FNDC ao presidente eleito.
Enquanto isso, não ter pressa na adoção de sistema digital. Rever o processo da renovação das consessões públicas e seu procedimento, pela Câmara Federal. Distribuir outorgas às entidades do campo de esquerda que se habilitem a tal. Diminuir, se não acabar mesmo, com as verbas publicitárias deste antro reacionário e golpista de revistas como Veja e IstoÉ, por exemplo. Pensar em projeto de lei que crie a obrigatoriedade da "educação/alfabetização para a mídia", na forma de disciplina currícular ou de tema transversal, nas escolas públicas brasileiras de ensino fundamental e médio.
Precisamos de meios de comunicação social, de mídia, Sr. Genro. A esquerda vai mal, muito mal, quando se utiliza apenas da Internet para dizer a sua voz, manifestar sua opinião e expressar seu pensamento. Enquanto a distância entre ter os meios e necessitar utilizar os que aí estão, todos do campo da direita, for de milhões e milhões de quilômetros, então que se crie estratégias para lidar com a mídia hegemônica, como, por exemplo, de só falar ao vivo e enfrentar o/a jornalista do momento dentro do seu próprio campo e junto ao seu público. Se for entrevista pré-programada, falar o que tiver de ser dito, alterando a pauta, não caindo nas provocações das perguntas finais e dando uma volta no/na espertinho/espertinha, que faz o que o patrão manda. Aproveitar o quadro dos profissionais de comunicação que o PT possui, e elaborar seus próprios projetos de campanhas publicitárias governamentais, fazendo uma conexão entre o discurso do partido e àquilo que há de atual no campo da publicidade e propaganda. Chega de dar dinheiro a marqueteiros de plantão, renomados, mas que por sua própria experiência profissional de servir à direita, já os desqualificam de saída.
Uma coisa que não esquecemos é que o senhor, ao ser derrotado no segundo turno, no seu discurso no Largo Zumbi dos Palmares, apontou o Grupo RBS como um dos fatores determinantes de sua derrota, com o que concordamos sem sombra de dúvida. Mas o que o senhor fez, assim que assumiu o cargo ministerial? Deu entrevista exclusiva a Rádio Gaúcha. Que o senhor desse entrevista para a Band, para a Guaíba, para a rádio comunitária, mas para a RBS???? Isso é imperdoável do ponto-de-vista político. É um erro crasso. Não se dá chance ao inimigo.

Claudia Cardoso e Eugênio Neves

----- Original Message -----
Sent: Tuesday, March 28, 2006 3:04 PM
Subject: texto tarso saida Palocci

Nota rápida sobre a conjuntura política.

1) Escrevo esta nota à 10 horas do dia 28 de março, quando já foi substituído o Ministro Palloci por Guido Mantega, no Ministério da Fazenda. Esta substituição ocorreu após um dramático percurso de desgaste, que combinou dois movimentos bem nítidos, por parte dos adversários e inimigos do Governo Lula: de uma parte, a defesa da política econômica do Ministro porque avocam esta política como “deles”; de outra, a responsabilização do Ministro por envolvimento com o “grupo de Ribeirão Preto” e com a violação do sigilo bancário do caseiro Nildo;
2) A violação de qualquer sigilo bancário é inaceitável, é evidente, e os responsáveis devem responder penalmente. O envolvimento do Ministro com grupos de eventuais lobistas é inaceitável, é evidente, e isso deve ser investigado. Não estou afirmando que as acusações coincidem com a verdade, ou se são verdades parciais ou pura invenção. Conheço muito pouco o Ministro Palloci e as suas relações políticas . Independentemente das divergências que tenhamos com ele, porém, as suas ações macro-econômicas permitiram que um país que recebemos quebrado continuasse a andar e abrir perspectivas de futuro. O que impressiona, porém é o que pode ser lido no “sub-texto” da sua saída e da própria crise;
3) Vamos comparar. Recentemente uma agressão tipicamente fascista de um “escritor” -ataque a bengaladas contra o ex-Ministro José Dirceu- e a afirmativa de um líder da oposição que “daria um soco na cara do Presidente”, foram “naturalizados” pela mídia. Nenhuma crítica dura nem sistemática foi feita aos dois agressores. Alguns comentaristas, subliminarmente, inclusive elogiaram estes atos de marginalidade política.
4) O sigilo do Presidente do Banco Central Henrique Meirelles foi quebrado: nenhum escândalo foi feito. Deputados violaram dados sigilosos das CPIs -o que é mais grave, na minha opinião do que violar sigilo bancário- e nenhuma indignação ou reflexo importante foram vistos na mídia “democrática” do país. Longe de querer acobertar qualquer erro de qualquer dirigente. Mas é bom perguntar: por que dois pesos e duas medidas?
5) Independentemente de que várias das críticas contra o PT e o governo sejam justas ou injustas e os fatos veiculados sejam, ou não, verdadeiros, o que está em curso é uma tentativa de eliminação política da esquerda com credenciais democráticas para governar. Está em curso um claro processo de recuperação –aproveitando nossos erros- do projeto tucano-pefelista e dos seus conhecidos padrões de honestidade pública, já revelados nos processos de privatização;
6) Ajuda a “recuperação” política da direita o fato de que o nosso Partido, até agora, não apresentou um “juízo de valor político” sobre a conduta dos membros do PT que exerceram funções de relevo no Partido e no governo Lula. Eles estão expostos, publicamente, supostamente com algum grau de responsabilidade política ou penal. Se eles cometeram deslizes éticos ou ilegalidades por decisão própria, isso deve ser reconhecido pelo Partido, publicamente. Se eles não os cometeram, ou agiram orientados pelas instâncias partidárias, o Partido deve protegê-los e assumir plenamente, as suas responsabilidades. Esta é uma questão que o PT vai ter que enfrentar num futuro próximo, para que possamos nos recuperar como projeto político para o país;
7) Devemos ter claro, contudo - além de absorvermos as críticas que se mostrarem fundadas - que o governo Lula não está sendo atacado pelos seus limites. O governo Lula não está sendo atacado por erros cometidos através de certas políticas ou mesmo por equívocos que qualquer Presidente comete no exercício do seu mandato: o governo Lula está sendo atacado pelas suas virtudes, pelas políticas progressistas que desenvolve em diversas áreas, pela “plebeização” do processo democrático no país. Quem nos ataca não tem credenciais para recuperar a ética pública no país; a imprensa sabe disso, mas não diz isso. Por quê?
8) A “santa aliança” que se articula em toda a grande mídia -com exceções mínimas- quer é voltar aos tempos das privatizações selvagens para “enxugar” o Estado; quer é voltar aos tempos em que os movimentos sociais estavam em permanente ameaça de criminalização; quer é voltar ao período de alinhamento automático com os EEUU; quer é retomar a liquidação do ensino público superior como ocorria na época do Min. Paulo Renato; quer é privatizar totalmente o setor elétrico; quer é acabar com a “gastança” do bolsa-família; quer é um governo que ajude os EEUU a promover a Alca e isolar as experiências progressistas na América Latina;
9) A síntese do governo FHC foi: juros altos, inflação alta, políticas sociais ínfimas; privatizações selvagens; compra de votos para a reeleição; servilismo na política externa; afundamento da Universidade pública; quadruplicação da dívida, estafa cambial. E o governo FHC não sofreu um décimo deste cerco. Sair desta situação em três anos e meio e recuperar a própria credibilidade da democracia foi um feito enorme do governo Lula, independentemente de graves erros cometidos por Ministros ou personalidades políticas do PT e ou da “base aliada”.
10) A ofensiva agora vai continuar. Não nos iludamos. O período eleitoral vai exacerbar a guerra contra a alternativa democrática representada pelo PT, PSB e PC do B e pela esquerda democrática do país. A direção do Partido deve comandar a resistência e a contra-ofensiva para reeleger Lula presidente. Este é apenas um pequeno e previsível capítulo da revolução democrática no país.

Tarso Genro

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