9 de março de 2008

Quais são as conexões da RBS?

Dentre todas as barbaridades que a RBS tem perpetrado sobre o conflito na América Latina, a "Reportagem Especial" de domingo (09/03/08), com sua respectiva chamada de capa, sem dúvida, atingiu o ápice de tudo que essa empresa fez em termos de distorção e manipulação dos fatos referentes a este conflito.
Comecemos pela chamada de capa. Ela afirma, peremptoriamente, que a América Latina está desunida e que esta desunião é causada pelas conexões de Hugo Chávez no continente. Pelas reações dos países latino-americanos ao ataque da Colômbia ao Equador, o que acontece é exatamente o contrário!
Bem antes deste conflito, o que se tem notado é um movimento de integração inédito na história do continente sul-americano e é exatamente aí o nó górdio da questão. Depois de décadas de ditaduras impostas pelos EUA e apoiadas incondicionalmente pela RBS, e após governos neoliberais fracassados e também apoiados por essa empresa, o que se presencia é um grande esforço de integração continental, na medida em que chegaram ao poder - pelo voto - governos progressistas que tinham, como plataforma, um projeto de desenvolvimento nacional, voltado para as classes sociais menos favorecidas.
Esse cenário, como não poderia deixar de ser, causou tremenda contrariedade nos setores conservadores da América Latina. Cada um, a seu modo, tentou e tenta sabotar constantemente esses projetos. Ao contrário de décadas atrás, quando o poder legal era usurpado por quarteladas, hoje, as tentativas de golpe são midiáticas - vide o caso da Venezuela em 2002 e a tentativa de desestabilizar a reeleição de Lula em 2006. A despeito disso, os setores progressistas têm conseguido, até o momento, superar as seguidas "crises" forjadas pelas grandes corporações midiáticas.
Nessa nova crise, a mídia joga todas as fichas no desencadeamento de um conflito armado na região, o que serviria de pretexto para uma intervenção militar estadunidense. Na verdade, essa intervenção já vem acontecendo na Colômbia desde os anos 80, quando o Depto. de Estado dos EUA substituiu o velho e desgastado chavão da "ameaça comunista" pelo da "narco-guerrilha", para difamar um movimento de resistência popular armado, que existe na Colômbia desde o final da década de 40, a partir do episódio que ficou conhecido como bogotazo.
É nesse contexto que a capa de ZH se insere. Ela aposta claramente nesse conflito, na medida em que distorce a realidade. Primeiro, porque não existe a tal desunião apregoada na manchete. Pelo contrário, a decisão da OEA foi francamente desfavorável à Colômbia, colocando esse país numa situação de isolamento, tendo sido apoiado apenas pelo Peru e pelo governo estadunidense.
Mas a cereja desse bolo indigesto, para explicar a tal desunião, são as conexões de Hugo Chávez no continente! Note o(a) leitor(a), que esta enxurrada de mentiras está apenas numa chamada de capa. A agressão partiu do governo Álvaro Uribe da Colômbia (pelo menos na versão apresentada até agora e que começa a ser questionada por suspeitas de que a ação tenha sido perpetrada diretamente pelos EUA, tendo a Colômbia apenas assumido a culpa), mas o responsável é o Chávez! A coisa está de tal forma, que se algum funcionário da RBS tropeçar num pedregulho e torcer o pé, a culpa, inapleavelmente, será do Chávez.
Se a chamada de capa já nos brinda com essas pérolas, o miolo da matéria é o que tem de melhor em jornalismo canalha. A manipulação, a distorção e a omissão dos fatos, que deveriam ser pecados mortais para qualquer jornalista que se preze, nas mãos dos funcionários da RBS, chegam ao virtuosismo da patifaria. Como bem aponta o Agente65 em seu blog, uma leitura obrigatória para quem quer entender o tipo de "jornalismo" que se faz na mídia corporativa, essa "matéria" foi capaz de não mencionar uma única vez o papel central dos Estados Unidos em mais essa tentativa de desestabilização do continente. É um prodígio de anti-jornalismo!!!
O que impressiona nisso tudo, é que a tentativa de nos impingir essas mentiras, acontece há pouco tempo do desmascaramento de outra grande mentira do gênero: a das "armas de destruição em massa" do Iraque. Essa mentira, forjada no submundo da política bushista, foi disseminada como uma verdade inquestionável e difundida pela mídia corporativa estadunidense, que teve as submídias locais como caixa de ressonância - entre elas, a própria RBS. A metadologia era a mesma: citação de documentos apócrifos, "especialistas" escolhidos a dedo e outros expedientes por demais conhecidos. No entanto, pouco ou nada se fala dos resultados da disseminação dessa mentira que tem muitos cúmplices. Até agora, estima-se que tenham morrido em torno de 1 milhão e cento e oitenta mil iraquianos (AQUI).
Mas já que estamos tratando de "conexões", quais serão mesmo as conexões da RBS, ou mais precisamente da Família Sirotsky? Por que essas pessoas se empenham tanto em desacreditar os esforços de Lula de mediar o conflito? Por que insistem em colocar o Chávez no centro desse episódio, quando se sabe que o que está em jogo, na verdade, é o controle político e militar daquela região pelos EUA?
Quando a RBS insinua sobre as tais conexões de Hugo Chávez com as FARC, essas insinuações têm o mesmo caráter das afirmações que esta empresa faz em relação à esquerda em geral, ao imputar, aos partidos desse campo, a pecha de ideologizar e politizar as questões (sic). É comum ver, nas mídias dessa empresa, afirmações do tipo: tal partido ou tal governo ideologiza a política, ideologiza a educação, partidariza o governo, como se as coisas pudessem se dar de outra maneira. Nesse sentido, o conceito de ideologia, assim como o conceito de conexão, ora usado, passa a ser alguma coisa malévola e nebulosa.
Se existe alguma coisa que é evidente nas relações socias e isso pode ser tranqüilamente projetado às relações internacionais são as tais conexões. Todos os indivíduos, grupos de qualquer natureza e todos os governos, relacionam-se de uma forma ou de outra e buscam essas relações baseados naquilo que têm em comum. Até aí, a roda já foi inventada.
As relações da RBS com a Fiergs, com a Farsul, com as agências de propaganda, as premiações que ela distribui para o meio empresarial, tudo isso pode ser considerado como uma forma de conexão. A diferença está, em que essas conexões, assim como a ideologia que a RBS defende e diz que não tem, são "legítimas" e obedecem a critérios estritamente "técnicos" como lógica, objetividade, racionalidade, isenção e pragmatismo. Nunca a motivações ideológicas ou "conexões" nebulosas.
É muito comum termos notícia de que Nelson Sirotsky participou deste ou daquele evento, reuniu-se com empresários e políticos, até mesmo com o Presidente Lula. Sendo um freqüentador das altas esferas dos negócios e da política, não seria difícil imaginar um cenário, no qual ele se sentasse à mesa com Álvaro Uribe, por exemplo. Mas daí a estabelecer uma "conexão" dele, Nelson, com um presidente sabidamente ligado ao narcotráfico, só porque sentariam à mesma mesa, vai uma distância colossal. No entanto, para a empresa e os funcionários comandados por este senhor, quando se trata de estabelecer "conexões" de Chávez com o que eles chamam de "narco-terrorismo", essa distância se reduz à espessura de uma folha de papel. São constantes as afirmações nesse sentido, bem como de que Chávez é um elemento desestabilizador na América Latina. A capa de ZH de domingo passado e a matéria a ela vinculada, é apenas o exemplo mais recente de uma campanha que já se desenvolve há anos nos veículos do Grupo RBS. (Sugerimos a leitura do artigo de Ayrton Centeno para a Carta Maior AQUI.)
Da mesma forma como a RBS nega (para os incautos) a sua posição ideológica, também quer nos fazer crer que os seus movimentos são destituídos daqueles interesses que caracterizam qualquer empresa capitalista. Parece que tudo é feito na base do "amor à causa" da informação, uma espécie de "filantropia" midiática. A função dessa empresa não seria outra, que a de "servir à comunidade" desinteressadamente. O lucro, a mais-valia, a consolidação do monopólio seriam meros "acidentes de percurso", decorrências "colaterais" de um objetivo que não seria primordialmente perseguido. A fúria com que a RBS defende os transgênicos, o agronegócio, as papeleiras, as privatizações, a criminalização dos movimentos sociais, deveria ser vista como uma "missão", um desígnio quase divino, que não teria nenhuma "conexão" com objetivos meramente mercantis a serem perseguidos num mundo onde tudo vira mercadoria.
Apesar do jogo semântico, o fato é que a RBS está tão enredada nas suas próprias "conexões", quanto estaria Hugo Chávez. Só que, enquanto este tem compromisso com os interesses do seu país e com a integração latino-americana, a RBS está comprometida com o Consenso de Washington e a desagregação do continente para imposição da ALCA.
Portanto, ninguém está livre das conexões, porque elas existem em todas as esferas da sociedade. E não são o problema em si, mas sim com quem elas são feitas.
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Quem acompanha o tratamento que o jornaleco da Azenha dispensa ao Hugo Chávez, percebe que não é de agora que essa empresa o detrata de todas as maneiras. Porque isso não se limita somente ao que é escrito. As charges publicadas são extremamente agressivas, fazendo relações primárias entre Chávez e as crises que a mídia lhe atribui, tudo com o objetivo de criar um senso comum rasteiro e desinformado.

2 comentários:

Leandro Rodrigues disse...

Excelente texto! Muito bom, mesmo. A tua análise, a meu ver, foi extremamente precisa na contextualização.

Anônimo disse...

Obrigado, Leandro!