10 de dezembro de 2008

AI-5 quarenta anos depois (1)


4ª. 03 de dezembro de 2008; Vila Setembrina do espelho d’água da Lagoa dos Patos; Continente de São Sepé e Languiru; Liga Federal de los desaparecidos en el Delta del Tigre

Neste artigo inicio uma trilogia debatendo os sentidos e efeitos do Ato Institucional de número 5 (AI-5). No próximo dia 13 de dezembro esta famigerada peça jurídica, revogada em 31 de dezembro de 1978, cumpre quatro décadas de sua assinatura. Infelizmente, hoje perdemos a dimensão de seu significado e tiramos a responsabilidade sobre seus autores. Neste texto e nas duas semanas que seguem, tenho a intenção de contribuir para inverter essa memória apagada.

O AI-5 foi um ato de governo, dando juridicidade para uma escalada repressiva, apertando o torniquete dentro da ditadura. Alguns analistas o consideram o “golpe dentro do golpe”. Particularmente discordo desta tese. A medida foi um recurso de recrudescimento por parte de um regime militar. O texto estipulava no papel a correlação de forças que nas ruas dos grandes centros era disputada quadra a quadra desde a retomada dos protestos populares com a setembrada de 1966. A resposta foi à altura do desafio imposto. A sociedade brasileira mudava e o comportamento dos agentes políticos também.

Podemos compreender o golpe de 1º de abril de 1964 como a resultante da conspiração de direita iniciada em 1961, somada na reação às ameaças de distributivismo (materializado nas “reformas de base”); crise institucional (na quebra de hierarquia e cisão das forças armadas e polícias militares); e duplo poder (como nas greves de solidariedade convocadas pelo CGT). Já o AI-5 pode ser lido como a soma das lutas internas no interior da ditadura (com definições ideológicas como a do ministro da Justiça Luís Antônio da Gama e Silva); a expansão da presença dos operadores de inteligência sob comando dos EUA (caracterizado por Dan Mitrione dentre outros agentes); e a medida de governo que materializava o poder discricionário para afirmar o Brasil Potência. Também foi a resposta ao surgimento de uma esquerda com intenção revolucionária, não alinhada com Moscou e sob influência latino-americana. Mas, ressalto que nenhuma análise política posterior e complexa pode “justificar” os crimes de lesa humanidade cometidos.

Entendo que o ato da ditadura deve ser analisado como uma ação de governo de exceção no comando de um Estado. Como toda atividade política, a mesma tem autores responsáveis e que por ela devem ser responsabilizados (leia o documento na íntegra). No momento em que o país discute a punição aos autores e mandantes dos crimes hediondos de tortura, cárcere clandestino, estupro e desaparição forçada, a compreensão do AI-5 é atual e necessária. Como já afirmei antes, o povo que não sabe de onde veio, não entende onde está e nem decide para onde vai.


Bruno Lima Rocha - Cientista Político
Estratégia e Análise

Este artigo foi originalmente publicado no blog de Ricardo Noblat.
Imagem trabalhada: Cadernos de Porém

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