O que realmente interessa: quem pagou os R$ 7, 2 milhões pelo terreno, hoje avaliado em R$ 150 milhões?
Por Najar Tubino*
Durante dois meses me dediquei a investigar um dos maiores problemas que a cidade de Porto Alegre enfrenta neste momento: a especulação imobiliária, cuja meta principal é privatizar a orla do rio Guaíba. Como argumento especial, que dá uma cara legal e democrática ao projeto, está a copa de 2014. O caso do Pontal do Estaleiro, uma área de 42 mil metros quadrados, onde antigamente funcionava o Estaleiro Só, é exemplar. A empresa, fundada por três portugueses em 1850, faliu em 1995. Desde 1973, a família Só estava afastada dos negócios. Até 2006, a questão ficou na mão da justiça estadual – tanto a cível, como a trabalhista.
Aliás, ainda continua, a empresa agora é Massa Falida do Estaleiro Só S/A, com uma meia dúzia de processos estaduais e uma encrenca nacional, no Rio de Janeiro.
A encrenca é simples: quando o Estaleiro fazia um projeto para um armador, precisava encomendar junto com a planta, um seguro. O armador só autorizava a construção, se o seguro fosse pago antecipadamente. O síndico da Massa Falida, Fernando Lorscheitter, diz que o processo no Rio de Janeiro, que corre na 1ª Vara Cível, é anterior à venda do terreno, que ocorreu em 2006.
Não é a versão que ouvi do advogado trabalhista, Aírton Forbrig, responsável por 90% dos processos dos mais de 400 funcionários do Estaleiro Só, que ainda corre da justiça estadual. Segundo Forbrig, um belo dia, um ex-advogado da empresa ligou para ele, falando que havia um processo envolvendo o Estaleiro Só, no Rio de Janeiro. E deu o número do processo. Aírton Forbrig foi conferir. A justiça carioca é lenta demais. O responsável pela cópias do processo disse ao advogado que demoraria algum tempo (dias) para conseguir a cópia. Porém, se ele desse uma gorjetinha, no final da tarde estaria pronta. Ele fez isso.
Então Forbrig descobriu que havia cerca de quatro seguros pendentes e em disputa judicial com o Instituto de Resseguros do Brasil. Uma delas envolve um seguro de US$ 5 milhões e outra US$ 9 milhões. A tática, colocada em prática pelos administradores do Instituo era bem simples: a prescrição, o arquivamento do processo. Logicamente, o dinheiro ficaria com a entidade, na época administrada por integrantes do PTB, indicados pelo deputado cassado Roberto Jefferson.
É óbvio que o advogado gaúcho melou a transação e requisitou a disputa para a justiça trabalhista. Tudo continua correndo nas mãos da ilibada justiça brasileira.
Esta é apenas a última ponta dessa negociata que eu descobri. A principal é a venda do terreno. Um grupo de investidores - segundo noticiou a imprensa gaúcha, liderados por um empresário chamado Saul Veras Boff – montou a empresa SVB Participações. Comprou o terreno R$ 7,2 milhões, pagos em prestações. Perguntei ao síndico da massa falida se ele sabia de onde saiu o dinheiro. Ele disse que não sabia, pois os pagamentos são feitos diretamente na justiça.
No dia 7 de junho de 2006, logo após a transação, o Jornal do Comércio, de Porto Alegre, noticiou o seguinte:
“- As pretensões do empreendedor só serão viabilizadas, com a alteração da lei complementar n.º 470, de 2002, que, entre outras coisas, veda a construção de prédios residenciais naquele trecho da orla do Guaíba. O diretor-presidente da SVB Participações, Saul Veras Boff, o diretor do grupo Maggi, Fischel Baril e o arquiteto Jorge Debiagi já apresentaram, em maio, ao prefeito José Fogaça, um esboço do projeto. O passo seguinte será convencer os vereadores de Porto Alegre a alterar a lei.”
A pesquisa das notícias sobre o Pontal do Estaleiro foram feitas pela repórter Daiane Menezes, do Jornal Já, de Porto Alegre, que também está investigando o caso. O projeto do arquiteto Debiagi é formado por um conjunto de espigões residenciais, destinados aos emergentes da cidade, além de uma marina, e outras coisas mais. O detalhe maior: eles convenceram os nobres e honestíssimos vereadores da capital gaúcha, a mudar a Lei. Numa sessão tumultuada, no apagar das luzes de 2008, com a presença de dezenas de funcionários da Goldztein Cyrela (na verdade muito mais Cyrela que Goldztein), - tinha uma lista de presença -, o negócio passou. O prefeito José Fogaça vetou. Mas também convocou uma porção de vereadores para o secretariado local, dando vaga aos suplentes.
Uma fonte da Câmara de Vereadores já me confirmou que existe um parecer favorável à derrubada do veto. O vereador do PSOL, Pedro Ruas, que está voltando ao legislativo municipal, acha muito difícil a derrubada.
Agora, o que realmente interessa: quem pagou os R$ 7, 2 milhões pelo terreno? O governador Blairo Maggi, do Mato Grosso, chefe do grupo Amaggi (foi criado pelo gaúcho de Torres André Maggi, pai do governador e já falecido). Blairo é o ganhador do troféu Motoserra de Ouro, do Greenpeace. Conhecido internacionalmente por defender a substituição da floresta amazônica por uma grande plantação de soja. O seu grupo construiu um terminal de exportação em Itacoatiara, no Amazonas. Eles também construíram a cidade de Sapezal, na Chapadão dos Parecis.
Quem é a empresa que atualmente é responsável pelo projeto do Pontal do Estaleiro? A BM Participações, seguindo a mesma lógica da empresa, que comprou o terreno, usaram as iniciais para montar a segunda e definitiva dona do terreno. Ainda não peguei a cópia do contrato da tal BM Par. Pouco me importa. Aprendi a lidar com estas sutilezas em 24 anos de cobertura do setor agropecuário. Morei 13 anos em Campo Grande (MS) e trabalhei várias vezes em Cuiabá, junto com o jornalista Mário Marques, dono do site Página Única, e de um jornal com o mesmo nome.
Se alguém não gostar do título ou da definição da matéria – a fraude – podemos substituir por falcatrua. E da grossa. O terreno , hoje ,é avaliado em R$ 150 milhões.
*Najar Tubino é jornalista, pesquisador e palestrante sobre meio ambiente. Najartubino@yahoo.com.br
Fonte: EcoAgência
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