10 de janeiro de 2009

Gaza: A história pesa. O Hamás não é o xis da questão. (E Obama?)

Este texto de Elaine C. Hagopian* reitera o que foi dito por Jennifer Loewenstein: a questão que levou Israel a atacar a Faixa de Gaza não é o Hamás.


Hagopian escreve para o Counterpunch:

Mohammed, 6 anos, andou determinado para o quarto, pôs na vitrola um hino do Fatah, pegou seu rifle de madeira e marchou até a janela. Apontou para o céu, onde voavam os aviões de Israel derramando bombas sobre os campos de refugiados. Disse que queria ser piloto, para derrubar aviões de Israel. "Mas Mohammed, os palestinenses não temos aviões de combate." "Não faz mal", respondeu ele, "derrubo do jeito que der." Nascia ali um combatente da resistência ou um "terrorista"? (Beirute, 1973)

Como se pode explicar o terrível destino que assola Gaza sitiada – terra já saturada de sangue e cadáveres – bombardeada pelo ar, invadida por terra, atacada por mar? Submetidas ao exame da história, as 'explicações' de Israel não passam pelo teste de credibilidade.

A história pesa. Israel invadiu e ocupou Gaza (além da Cisjordânia e Jerusalém Leste) em 1967. O Hamás brotou da Irmandade Muçulmana do Egito. Em Gaza, construiu uma rede de instituições de bem-estar social, de amparo aos mais pobres. Durante a I Intifada Palestina (que literalmente "sacudiu" a ocupação), criou-se uma ala de resistência militar, armada, dentro do Hamás. Israel e os EUA nada dificultaram nesse processo e mantiveram vários encontros com as lideranças do Hamás Islâmico, que viam como contrapoder para enfrentar a OLP, secular e integrante do movimento Fatah que, então, comandava a Intifada. Com o Hamás fortalecido, hoje, Israel está invertendo suas relações de aliança.

A história pesa. Os palestinenses resistem ininterruptamente à ocupação israelense, muitos deles, hoje, durante toda a vida. A resistência de Gaza tem sido particularmente problemática para Israel. Nos anos 70s, antes do Hamás, Ariel Sharon foi encarregado de "pacificar" Gaza. Sharon impôs uma brutal política de repressão, destruiu com tanques e métodos de terra arrasada campos de refugiados, impôs punições coletivas severas e encarcerou centenas de jovens palestinenses.

A colonização e a dominação são políticas contrárias ao que determina a Carta da ONU. Em 6/12/1971, a Resolução n. 2787, da Assembléia Geral da ONU, reafirmou a legitimidade da luta pela autodeterminação de povos que vivam sob ocupação colonial ou sob dominação estrangeira. Como outros povos antes deles, os palestinenses têm e exercem o direito moral e legal de resistir à ocupação israelense.

A história pesa. Em 2005, Israel evacuou os colonos ilegalmente estabelecidos em Gaza. Naquele ano, intelectuais israelenses (Uri Davis, Ilan Pappe e Tamar Yaron) observaram, em artigo publicado em Counterpunch, que o principal motivo para a evacuação dos colonos judeus era pô-los a salvo, longe da região que seria alvo de um futuro ataque massivo pelo exército israelense contra Gaza.

A história pesa. Depois que o Hamás venceu as eleições em 2006, o partido passou aceitar uma solução de dois Estados, baseado nas fronteiras de antes da guerra de 1967 – solução que Israel considera inaceitável. Primeiro, Israel destruiu Arafat, líder secular do partido Fatah e presidente da Autoridade Palestina, por não ter aceito as exigências que lhe foram apresentadas em Camp David, em julho de 2000; de fato, por não ter aceito o controle permanente de Israel sobre a terra e a vida dos palestinenses confinados em enclaves. Afastado Arafat, o Hamás passou a ser o principal obstáculo aos planos de Israel.

Toda a história está aí para mostrar que Israel jamais aceitará um Estado palestinense soberano, em parte alguma da Palestina histórica. O Hamás não é o xis da questão. Todos os líderes que surjam na Palestina, hoje ou amanhã, sejam seculares ou islâmicos, sempre serão declarados parceiros inaceitáveis em qualquer projeto de paz, e não importa o quanto concedam a Israel. Já não há como não ver que Israel esconde-se hoje por traz de uma alegada "ameaça do Hamás fundamentalista islâmico", exclusivamente para destruir o Hamás como potencial parceiro legítimo a ser consultado em negociações de paz.

Hoje, as "forças de segurança" do Fatah do presidente Abbas, da Autoridade Palestinense, estão sendo usadas contra os eleitores do Hamás, sob o pretexto de que Israel algum dia poderia aceitar Abbas como "parceiro" satisfatório, e que o problema seria o Hamás.

Jonathan Cook, em seu novo livro Disappearing Palestine, expõe claramente a persistente estratégia israelense para fatiar a Palestina, pedaço a pedaço, para fazê-la desaparecer. Pois, ainda assim, Abbas continua a curvar-se ante todas as exigências, burla os palestinenses, tanto quanto é humilhado por EUA/Israel.

Onde e quando a história pesa, o quadro muda. A tendência de acusar Israel de crimes de guerra, como se os crimes de hoje fosse eventos isolados, sem qualquer relação com a ideologia sionista e os planos militares para controlar toda a Palestina, vai-se configurando, cada dia mais claramente.

Ainda resta, hoje, uma saída para Israel: pode aceitar e reconhecer os direitos dos palestinenses, amparado na legislação internacional, e abandonar para sempre a ideologia sionista, de exclusividade e militarista; por essa via, Israel assegura o futuro dos israelenses, num Estado Israel/Palestina partilhado.

Ou Israel pode insistir na única estratégia em que se aplicou até hoje, de repressão e massacre contra os palestinenses, negando-lhes todos os direitos; por essa via, Israel alimentará resistência cada vez mais determinada, mais desesperada e mais feroz. Até hoje, Israel só soube escolher a segunda dessas duas vias.

Terá Obama, presidente eleito, coragem e talento para encaminhar Israel na direção de escolher a primeira via?

*Elaine C. Hagopian é Professora Emérita de Sociologia do Simmons College, Boston

Foto: David Silvermann (Getty Images)


Tradução: Caia Fittipaldi

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