6 de maio de 2009

As barragens da bacia do rio Santa Maria e a seca do verão-outono de 2009

Por Eduardo Lanna em seu blog Notícias do Pampa:

O grave evento de seca por que passa o estado do Rio Grande do Sul certamente será usado para tentar justificar a construção de cerca de 14 grandes barragens na bacia do rio Santa Maria, das quais 2 já foram iniciadas: as dos arroios Jaguari e Taquarembó. Por isto há necessidade de se colocar algum esclarecimento com base técnica para confrontar a argumentação oportunista dos que acreditam ou apregoam ser essa a solução para enfrentamento desse evento meteorológico.

Os benefícios de uma barragem

Inicialmente cabe comentar que os efeitos eventualmente benéficos de uma barragem se restringem às regiões onde a água nela armazenada alcançará. Isso insere as áreas marginais de jusante (ou rio abaixo) e as áreas no entorno do lago formado. Áreas mais distantes, para serem beneficiadas, demandarão a construção de canais de derivação que são caros e de custosa manutenção. Isso limita grandemente as áreas beneficiáveis por uma barragem. Em especial, as áreas localizadas à montante (ou rio acima) dificilmente terão acesso às águas, pois além de canais demandarão recalques, tornando-se absurdamente oneroso esse atendimento. Como regra geral, apenas para abastecimento humano, por meio de adutoras (condutos fechados sob pressão), será viável se cogitar em levar água para regiões de montante do reservatório.

A desproporção entre o consumo de água na irrigação do arroz e para abastecimento humano

A bacia do rio Santa Maria é caracterizada por ter grandes áreas dedicadas à irrigação do arroz, o maior usuário de água. Algumas cidades da bacia podem ter seus abastecimentos afetados nos períodos de irrigação do arroz, que ocorrem no verão. Para solucionar esse problema bastaria ou incentivar uma maior eficiência do uso de água na irrigação do arroz, para que sobre água para o abastecimento, ou construir pequenas obras de regularização.
Cabe comentar a desproporção entre o uso de água para irrigar arroz e para abastecer uma cidade. Grosso modo, em um hectare, uma lavoura de arroz relativamente eficiente consome durante sua temporada de cultivo (uns 100 dias) 10.000 m3 de água. Isso seria suficiente, no mesmo período de 100 dias, para abastecer 700 pessoas. Desta forma, com base nas estimativas do IBGE a respeito das populações municipais em 1/7/2008 (urbana e rural), a redução de apenas 60 hectares de arroz irrigado permitiria o abastecimento no verão dos municípios de Rosário do Sul ou Dom Pedrito, e a supressão de apenas 12 ha de arroz permitiria abastecer Lavras do Sul, pretensamente beneficiadas pelas barragens do Jaguari e do Taquarembó.

O custo da barragem do Jaguari

Por outro lado entra a questão da eficiência econômica da construção de obra desse porte para irrigar arroz. Segundo o jornal Zero Hora de 6/5/2009 a barragem do Jaguari custará R$ 85.000.000 e irrigará 17.000 ha com seu armazenamento de 152.000.000 m3 havendo, portanto, um investimento de R$ R$5.000 por hectare irrigado de arroz a ser implantado. Possivelmente essa informação vem de fontes oficiais do governo do estado. Qualquer técnico da área verificará que o custo está subestimado e que a área irrigada inflacionada.
Essa barragem tem problemas sérios de fundação, com rochas fraturadas, que exigirão medidas de consolidação caras. A argila necessária para formação de seu núcleo não é encontrada nas proximidades e deverá ser transportada de distâncias consideráveis. Haverá necessidade de um canal de derivação para levar água às áreas beneficiadas, com cerca de 40 km de comprimento, que encarecerá sobremaneira o arranjo final – barragem e canal – cujo custo aparentemente não está sendo considerado. Pode-se esperar que o custo final, se ela for construída, será o dobro do que é anunciado ou mais.
Sobre a área irrigada, sabendo-se que o volume utilizável de um reservatório é inferior ao volume total, verifica-se claramente que os 17.000 ha não poderão vir da irrigação do arroz. Apenas outras culturas, com menor consumo de água, permitiriam atingir esse montante. Observa-se que elas ainda não estão consolidadas na região e, quando e se o forem, poderiam ser supridas por barragens menores, com menores custos e impactos ambientais.

Breve análise econômica da barragem do Jaguari

Sob o ponto de vista econômico, a obra é nitidamente inviável. Informação do Instituto Riograndense do Arroz, na revista Lavoura Arrozeira edição de março de 2009, mostra que o custo anual variável da irrigação do arroz no verão 2008/09 foi da ordem de R$3.775/ha sendo o custo anual fixo da ordem de R$773/ha, resultando em cerca de R$4.548/ha de custo anual total. Supondo uma produtividade média de 140 sacos/ha/ano a um preço de R$ 35/saco (acima do preço de 6/5/2009: R$27/saco), obtém-se uma receita bruta de R$ 4.900/ha/ano e, portanto, uma receita líquida de R$352/ha/ano.
Construindo-se um fluxo de caixa com um investimento inicial de R$ 5.000/ha (custo por hectare irrigado da barragem do Jaguari, que está claramente subestimado) e uma receita líquida de R$ 352/ha/ano, é obtida uma rentabilidade negativa até o 13º ano, e esta se estabiliza no 41º ano em apenas 7%, muito abaixo dos 12% que geralmente é considerado um valor minimamente atraente (ou a taxa social de desconto). A conclusão óbvia é que se trata de um péssimo investimento para a sociedade gaúcha!

Conclusões

Desta forma, um governo que é liderado por uma experiente economista e por um secretário setorial de irrigação que também assim se julga, realiza um investimento sem qualquer racionalidade econômica, para, no caso da barragem do Jaguari, implantar 17.000 ha de arroz, segundo dados oficiais, que beneficiarão pouquíssimos proprietários. Se for suposto que cada proprietário irrigue apenas 100 ha serão somente 170 os "eleitos". Mais grave ainda, esses investimentos drenam recursos que poderiam ser aplicados na construção de um grande número de pequenos açudes, que beneficiariam um número muito maior de pessoas, onde são necessários, ou seja, no noroeste do RS, ou mesmo na bacia do rio Santa Maria, injetando recursos na agricultura familiar e viabilizando um grande número de pequenas propriedades rurais. Segundo dados da imprensa, a Secretaria de Irrigação anunciou a construção de 6.000 micro açudes e de 1.550 cisternas a um custo de R$ 46 milhões. Com os investimentos apenas da barragem do Jaguari poderia construir o dobro disso; somados aos da barragem do Taquarembó, o quádruplo. Supondo, sempre por baixo, que cada micro-açude e cisterna beneficiará apenas um único proprietário, seriam 15.000 os beneficiados com o investimento (subestimados) da barragem do Jaguari, ou quase 100 vezes mais do que os 170 hipotéticos privilegiados dessa barragem!!!
Essa proposta de micro-açudagem poderia rapidamente alterar o perfil produtivo do meio rural gaúcho, e promover gradualmente uma efetiva proteção contra as secas sazonais, como a que ocorre nesse momento.
Curiosamente, um governo que alegadamente teve coragem de resolver os problemas financeiros do estado, adequando o perfil de sua dívida pública, não leva em consideração questões básicas de eficiência econômica na realização de investimentos que são anunciados como os mais importantes em décadas na área de recursos hídricos e irrigação. Desconsidera oportunidades de promoção social, comprovando as acusações de que governa para as grandes corporações e para os mais bem situados na escala sócio-econômica do estado. Isso sem falar nos enormes impactos ambientais dessas obras, tão mal considerados nos Estudos de Impactos Ambientais, como esse blog relata em suas diversas inserções.
Às futuras gerações caberá o ônus de pagar essa conta gerada por maus investimentos e ainda ver o Pampa gaúcho cada vez mais descaracterizado e o meio rural em contínuo processo de empobrecimento e esvaziamento. O RS perde uma oportunidade de promover um crescimento econômico ambientalmente sustentável e socialmente justo, por razões que - talvez - apenas a Polícia Federal poderá esclarecer.

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