8 de maio de 2009

Verdades e mentiras sobre o fim dos jornais

Por Julio Daio Borges para o Digestivo Cultural:

"Os jornais não vão acabar" — Os jornais estão acabando. Até a Veja já sabe. É natural que jornalistas — e demais envolvidos na cadeia produtiva de um jornal — neguem a evidência até a morte. Mas, ao mesmo tempo, espera-se que tenham o mínimo de honestidade para informar, ao público leitor, quando a realidade se torna absolutamente incontrastável. Assim, na próxima vez que você encontrar um jornalista, e ele tentar te convencer do contrário, só existem duas alternativas: ou ele está mentindo deslavadamente (para preservar sua posição) ou ele está imperdoavelmente mal informado.

"Uma mídia não substitui a outra, assim como a TV não substituiu o rádio etc." — É muito bonito esse discurso, mas ele é falacioso. Ninguém, em sã consciência, nega que o jornal perdeu espaço para o rádio (na primeira metade do século XX); que, por sua vez, perdeu espaço para a TV (na segunda metade do século XX); que, por sua vez, está perdendo espaço para a internet (no começo do século XXI). Estamos falando do tempo das pessoas — e, como qualquer grandeza física, ele não é infinito. Historicamente, e culturalmente, se você quiser pensar: qual rádio tem hoje a penetração que a Rádio Nacional teve nos anos 30? E qual televisão tem hoje a penetração que a TV Record teve nos anos 60? Quem é maior, a Globo ou o Google?

"Mas o CD não acabou com o LP; e o download não acabou com o CD" — OK, não acabou. Mas quantos CDs você comprou ultimamente? E quantos LPs? Nenhuma mídia física precisa ser varrida da face da Terra para que seja decretada oficialmente a sua extinção. Estamos falando num sentido mais amplo. O CD, para a circulação de música, tornou-se irrelevante. E, mesmo com o download pago, a indústria fonográfica não se reergueu como antes. É lógico que os jornais não vão sumir da nossa vista para sempre — mas se tornarão, como veículos, cada vez menos relevantes; como o CD, no caso da música, não serão mais centrais para a circulação da informação.

"A crise dos jornais é dos EUA, e não chegará ao Brasil" — Mentira, porque já chegou. E chegou antes da crise atual. Você sabe quanto a Folha — então "o maior jornal do País" — vendia nos anos 90? Nos tempos gloriosos dos brindes dominicais, chegava a vender algo na casa do milhão. E, recentemente, você sabe qual a circulação do jornal que ultrapassou a Folha e se tornou "o maior do País"? 300 mil exemplares. Menos de um terço do recorde dos anos 90. E você sabe quais são os números do primeiro trimestre de 2009? O Globo (260 mil), O Estado de S. Paulo (217 mil), Diário de S. Paulo (61 mil), Correio Braziliense (52 mil) e Jornal da Tarde (50 mil).

"Mas os jornais não vão simplesmente acabar, eles vão encontrar uma solução" — Meu amigo, nem o New York Times — indiscutivelmente, o mais importante jornal do mundo — encontrou. Por que, então, você acha que a solução vai surgir aqui no Brasil? A verdade é uma só: a publicidade na internet não tem como sustentar as redações dos velhos tempos (dos jornais). Nem o Google tem como sustentar. Nem Warren Buffett — um dos maiores administradores de empresas de todos tempos — tem uma solução para os jornais. Os administradores das empresas jornalísticas tiveram desde os anos 90 para se adaptar, economicamente, à Web — e seu tempo se esgotou.

"Os jornais físicos podem acabar, mas as empresas jornalísticas continuam"Nem sempre. Vale repetir: mesmo os sites mais lucrativos da internet no mundo não têm como pagar a conta das redações de jornal. Logo, os jornais têm duas opções: ou morrem, como veículos, com suas redações inchadas; ou se resumem à versão on-line, cortando a velha redação e se reestruturando com uma nova redação (enxuta). De qualquer forma, a relevância de um jornal impresso — que era quase um monopólio em muitas cidades do mundo — cai indiscutivelmente quando o veículo se resume à sua versão na internet, junto com zilhões de outros sites, blogs etc.

"O problema é que os blogueiros, no fundo, vivem de parasitar os jornais" — Se você lê a blogosfera mais desenvolvida da internet, aquela escrita em inglês, você sabe que não é verdade. Você já leu o TechCrunch? Você sabia que ele é "fonte" para todos os cadernos de informática e internet que você lê aqui no Brasil? Você sabia que o TechCrunch já fez subir e descer as ações do Yahoo, quando este ameaçava ser comprado por uma das maiores empresas do mundo, a Microsoft? Você sabia que o TechCrunch está lançando um concorrente para o Kindle da Amazon? E você sabia que o TechCrunch começou como um blog?

"Mas é só em tecnologia que os blogueiros dominam" — Vou dar só mais um exemplo do TechCrunch: foi ele, e não a imprensa cultural norte-americana, que revelou o plano das grandes gravadoras para a música: manter o CD vivo só até 2011. Você leu isso em algum outro lugar? Aposto que nem mesmo num "caderno de cultura" de jornal brasileiro! Sem falar na blogosfera política. Por que você acha que o Obama era chamado de "o candidato da internet"? Porque ele arrecadou, graças à Web, como nenhum outro candidato antes na história (durante sua campanha). Você acha que existe algum limite para uma mídia que pode eleger o homem mais poderoso do mundo?

"No fundo, no fundo, os blogueiros estão loucos para publicar em jornal" — Pense bem: você acha que o Michael Arrington, do TechCrunch, com milhões de visitantes por mês, e milhões de dólares no banco, prefere — na verdade — ser "editor do tecnologia" do New York Times? Ora, c'mon! Você acha, mesmo, que ele vai querer ser menos influente, e ganhar menos dinheiro, só para publicar no New York Times? Ele, provavelmente, já deve ter publicado em todas as mídias que uma dia desejou e já deve ter recebido todos os convites do mainstream jornalístico — mas ele prefere fazer do TechCrunch uma das principais fontes de informação do mundo (e não só em matéria de tecnologia). Não é tão difícil de entender, vai... Até um jornalista, no lugar dele, preferiria!

"Mas não existe nenhum blogueiro, no Brasil, em situação parecida" — Você já ouviu falar do Interney? Você acha que o Edney Souza, mesmo não sendo nenhum TechCrunch, preferia trocar o blog dele, rendendo dezenas de milhares de reais/mês, por um "cargo" no Estadão, na Folha ou no Globo, que, além de nunca pagar o que ele já ganha, não lhe conferiria a mesma exposição em todos estes anos? E o Inagaki — você acha que, na realidade, ele preferiria ser editor do "Caderno2" ou da "Ilustrada"? Veja bem: nem o Noblat, que trocou um lugar na redação pela blogosfera, quer voltar para trabalhar em jornais. Nem o Pedro Doria, que defendia com unhas e dentes as redações de papel, agora deixa de empreender na internet.

"Quando os jornais acabarem, você vai se arrepender: as noticias vão acabar" — Quanta bobagem. Há muito tempo que os jornais vivem das notícias que recebem das ... agências de notícias! Tudo bem que, no Brasil, muitas delas coincidem com as próprias empresas jornalísticas (Agência Estado, por exemplo). Mas as agências de notícias, ao contrário dos jornais, não morrem, sobrevivem. E você sabe por quê? Porque elas vendem notícias para os portais de internet, que não vão acabar como os jornais. Aliás, foi esse fenômeno que permitiu o crescimento das agências de notícias, ao mesmo tempo que os jornais foram diminuindo, diminuindo...

"Quando os jornais acabarem, todo mundo vai sentir falta, inclusive você" — Agora talvez caiba um testemunho pessoal. Eu não leio mais nenhum jornal diário desde 2006. Você sentiu alguma diferença no que eu escrevo aqui, para o Digestivo Cultural? Embora brigue todos os dias com as assessorias de imprensa, elas me fornecem muitas informações (e elas não vão acabar como os jornais). Na minha área, como eu já conheço as pessoas, obtenho muitas informações diretamente também, falando com as próprias "fontes" (autores de livros, discos, filmes etc.). A imprensa foi uma referência para mim, mas, agora, não é mais. A internet é a minha referência.

"Mas quem trabalha com informação (como você) é a exceção e, não, a regra" — Pode ser, mas em quem você acha que as novas gerações vão se espelhar? Será que vão preferir se agarrar a uma mídia que está sucumbindo, ou vão querer participar de algo que está crescendo e que podem construir — mesmo não sendo jornalistas, mesmo não adotando a Web como profissão? Por que as novas gerações vão querer sustentar uma "casta", que lhes diga o que é certo e o que é errado, o que é bom e o que é ruim, quando podem meter a mão na massa, fazer ouvir sua voz, criar os veículos do futuro? Eu não pensaria duas vezes se fosse jovem. E olha que eu nem sou mais...

São Paulo, 7/5/2009

Um comentário:

Brasil Empreende disse...

Ola visitei seu blog e gostei muito e gostaria de convidar para acessar o meu também e conferir a postagem desta semana: Que que tem, que que tem!
Sua visita será um grande prazer para nós.
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Atenciosamente,
Sebastião Santos.