"Apesar da degradação da política, da indução dos grandes centros midiáticos e da direita, o episódio eleitoral é arena de disputa onde não somente se escolhe candidato, partido e projeto mas também se pode restaurar valores, história, capacidade crítica e compreensão analítica, quer dizer, mais condições para os humanos, mais liberdade e mais Brasil."
Com esta frase, Flávio Koutzii encerra seu artigo Nesses momentos políticos... publicado no Sul21, onde aborda a "profunda fragilização do pensamento e da reflexão", nesse momento da história. Para sustentar sua argumentação, Koutzii recorre a vários exemplos encontráveis diariamente na mídia oligopolizada, que é, sem sombra de dúvida, a maior responsável pelo "empobrecimento do pensamento".
Sendo assim, parece improvável que um "episódio eleitoral", por si só, possa produzir alguma mudança significativa nessa tendência. Como é possível que as pessoas possam distinguir com clareza, em meio a esse turbilhão de desinformação, qual o projeto político que tem propostas reais e inovadoras e qual o projeto que quer, simplesmente, manter os privilégios da minoria? A mídia, controlada com mão de ferro por essa minoria, tem demonstrado que não tem a mínima intenção de lançar luzes sobre a realidade do presente e tão pouco "ficar olhando pelo espelho retrovisor".
Aliada a determinação da mídia em obstruir qualquer debate construtivo, está o desinteresse natural da maioria das pessoas por qualquer coisa que seja minimamente relevante. E entre essas coisas que a maioria não tem interesse ou não gosta de discutir, pode-se dizer que a política ocupa um lugar de destaque.
É preciso reconhecer que esse desinteresse não é só natural, também é construído e tem se acentuado dramaticamente com a campanha midiática no sentido de desqualificar a política e os políticos e seu papel fundamental na mediação dos interesses conflitantes dentro das sociedades. Sei que toco num ponto que é tabu na esquerda: a crença de que o povo é uma espécie de depositário de toda a sabedoria e em função disso, tudo o que emana dele está automaticamente legitimado, crença essa que pode ser resumida no dito popular "a voz do povo é a voz de deus". Se assim fosse, o campo progressista não estaria hoje na embretada em que se encontra. O mundo foi envolvido numa espiral conservadora após o desmantelamento do bloco soviético e, mesmo agora, depois da última crise mundial, a agenda neoliberal continua praticamente intacta. E, ainda, pasmem, responsabilizando os estados nacionais pelas débâcles econômicas por não "fazerem a lição de casa"! E que percepção tem as massas disso tudo?
Li, outro dia, um texto de um analista sobre a crise grega, onde ele exaltava o povo grego pelas manifestações contra as medidas ortodoxas do governo para combater a crise. Bom, nesse momento, só faltava o povo grego não ir às ruas! Ao invés de se aclamar esse protagonismo tardio, não seria de se perguntar, onde estava esse povo enquanto a crise era gestada? Ainda mais se considerarmos que a débâcle grega se deu bem depois da crise na Argentina, por exemplo, que pode ser considerado um caso clássico de país que se submeteu, incondicionalmente, ao receituário neoliberal.
Ao reconhecer-se, como Koutzii reconhece, que "a simplificação maniqueísta, a ampliação do fragmento e a supervalorização de fatos isolados e pontuais... se acentuaram radicalmente neste período histórico", como pode-se esperar do eleitor médio discernimento suficiente para enxergar através desse emaranhado de desinformação veiculado pela mídia? E isso é tão verdade quanto mais que se sabe, que não é preciso valer-se do exemplo grego para perceber o quanto a percepção que o eleitorado tem da realidade está terrivelmente distorcida. É só ver como andam as pesquisas de intenção de voto no RS. Mesmo depois da devastação yedista, nossos eleitores, somadas as intenções em Yeda e Fogaça, continuam chancelando a direita. E em âmbito nacional, só o fato de Dilma ter que disputar com Serra, um candidato que sequer deveria aparecer nas pesquisas, por si só já é uma derrota. Como nosso povo ainda dá crédito a uma figura como Serra, cujo governo é marcado pela incompetência e pela corrupção?
Então, não me parece que uma eleição disputada num cenário dominado pela mídia corporativa, possa "restaurar valores, história, capacidade crítica e compreensão analítica". E o fato do eleitorado ser naturalmente desinteressado pela política, ou induzido a esse desinteresse, passa a ser secundário, quando discutido exclusivamente no âmbito de uma eleição, já que tentar reverter esse quadro - o desinteresse - é praticamente impossível no curto período eleitoral.
Por outro lado, se considerarmos esse desinteresse como uma construção midiática, insidiosa e permanente, aí sim, ele torna-se relevante e obriga o campo progressista a revisar profundamente sua forma de fazer política. Obriga-o a uma decisão impostergável frente a uma questão que ele vem negligenciando grosseiramente: o enfrentamento à mídia hegemônica. A mim parece que o processo eleitoral no ambiente político de uma democracia burguesa, que tem na mídia oligopolizada sua viga mestra, não consegue fazer as transformações políticas necessárias. Isso já está fartamente demonstrado. As transformações só serão possíveis no momento em que a esquerda chamar para si a tarefa de construir sua própria mídia e ser capaz de fazer frente ao oligopólio que controla as comunicações no Brasil. Só será possível recompor a "capacidade crítica e compreensão analítica" da população, quando pudermos promover um debate democrático e permanente, por fora do controle oligopolizado da mídia.
A mudança não se dará através de "episódios eleitorais" por si só, mas através de uma mídia que promova um debate que possa influir nas eleições. Influir a favor do campo progressista, bem entendido. Porque, pelo lado da direita, a mídia corporativa, os partidos conservadores e os interesses da classe dominante se mesclam de tal forma para influir nos resultados eleitorais, que chega a ser redundante. Não foi à toa que a presidente da ANJ disse, sem meias palavras, que a mídia estava assumindo o papel de oposição ao governo Lula, diante daquilo que ela considerava a fragilidade dos partidos da direita para tal missão.
Cartum: Edgar Vasques
Atualizado às 13h20min.
Com esta frase, Flávio Koutzii encerra seu artigo Nesses momentos políticos... publicado no Sul21, onde aborda a "profunda fragilização do pensamento e da reflexão", nesse momento da história. Para sustentar sua argumentação, Koutzii recorre a vários exemplos encontráveis diariamente na mídia oligopolizada, que é, sem sombra de dúvida, a maior responsável pelo "empobrecimento do pensamento".
Sendo assim, parece improvável que um "episódio eleitoral", por si só, possa produzir alguma mudança significativa nessa tendência. Como é possível que as pessoas possam distinguir com clareza, em meio a esse turbilhão de desinformação, qual o projeto político que tem propostas reais e inovadoras e qual o projeto que quer, simplesmente, manter os privilégios da minoria? A mídia, controlada com mão de ferro por essa minoria, tem demonstrado que não tem a mínima intenção de lançar luzes sobre a realidade do presente e tão pouco "ficar olhando pelo espelho retrovisor".
Aliada a determinação da mídia em obstruir qualquer debate construtivo, está o desinteresse natural da maioria das pessoas por qualquer coisa que seja minimamente relevante. E entre essas coisas que a maioria não tem interesse ou não gosta de discutir, pode-se dizer que a política ocupa um lugar de destaque.
É preciso reconhecer que esse desinteresse não é só natural, também é construído e tem se acentuado dramaticamente com a campanha midiática no sentido de desqualificar a política e os políticos e seu papel fundamental na mediação dos interesses conflitantes dentro das sociedades. Sei que toco num ponto que é tabu na esquerda: a crença de que o povo é uma espécie de depositário de toda a sabedoria e em função disso, tudo o que emana dele está automaticamente legitimado, crença essa que pode ser resumida no dito popular "a voz do povo é a voz de deus". Se assim fosse, o campo progressista não estaria hoje na embretada em que se encontra. O mundo foi envolvido numa espiral conservadora após o desmantelamento do bloco soviético e, mesmo agora, depois da última crise mundial, a agenda neoliberal continua praticamente intacta. E, ainda, pasmem, responsabilizando os estados nacionais pelas débâcles econômicas por não "fazerem a lição de casa"! E que percepção tem as massas disso tudo?
Li, outro dia, um texto de um analista sobre a crise grega, onde ele exaltava o povo grego pelas manifestações contra as medidas ortodoxas do governo para combater a crise. Bom, nesse momento, só faltava o povo grego não ir às ruas! Ao invés de se aclamar esse protagonismo tardio, não seria de se perguntar, onde estava esse povo enquanto a crise era gestada? Ainda mais se considerarmos que a débâcle grega se deu bem depois da crise na Argentina, por exemplo, que pode ser considerado um caso clássico de país que se submeteu, incondicionalmente, ao receituário neoliberal.
Ao reconhecer-se, como Koutzii reconhece, que "a simplificação maniqueísta, a ampliação do fragmento e a supervalorização de fatos isolados e pontuais... se acentuaram radicalmente neste período histórico", como pode-se esperar do eleitor médio discernimento suficiente para enxergar através desse emaranhado de desinformação veiculado pela mídia? E isso é tão verdade quanto mais que se sabe, que não é preciso valer-se do exemplo grego para perceber o quanto a percepção que o eleitorado tem da realidade está terrivelmente distorcida. É só ver como andam as pesquisas de intenção de voto no RS. Mesmo depois da devastação yedista, nossos eleitores, somadas as intenções em Yeda e Fogaça, continuam chancelando a direita. E em âmbito nacional, só o fato de Dilma ter que disputar com Serra, um candidato que sequer deveria aparecer nas pesquisas, por si só já é uma derrota. Como nosso povo ainda dá crédito a uma figura como Serra, cujo governo é marcado pela incompetência e pela corrupção?
Então, não me parece que uma eleição disputada num cenário dominado pela mídia corporativa, possa "restaurar valores, história, capacidade crítica e compreensão analítica". E o fato do eleitorado ser naturalmente desinteressado pela política, ou induzido a esse desinteresse, passa a ser secundário, quando discutido exclusivamente no âmbito de uma eleição, já que tentar reverter esse quadro - o desinteresse - é praticamente impossível no curto período eleitoral.
Por outro lado, se considerarmos esse desinteresse como uma construção midiática, insidiosa e permanente, aí sim, ele torna-se relevante e obriga o campo progressista a revisar profundamente sua forma de fazer política. Obriga-o a uma decisão impostergável frente a uma questão que ele vem negligenciando grosseiramente: o enfrentamento à mídia hegemônica. A mim parece que o processo eleitoral no ambiente político de uma democracia burguesa, que tem na mídia oligopolizada sua viga mestra, não consegue fazer as transformações políticas necessárias. Isso já está fartamente demonstrado. As transformações só serão possíveis no momento em que a esquerda chamar para si a tarefa de construir sua própria mídia e ser capaz de fazer frente ao oligopólio que controla as comunicações no Brasil. Só será possível recompor a "capacidade crítica e compreensão analítica" da população, quando pudermos promover um debate democrático e permanente, por fora do controle oligopolizado da mídia.
A mudança não se dará através de "episódios eleitorais" por si só, mas através de uma mídia que promova um debate que possa influir nas eleições. Influir a favor do campo progressista, bem entendido. Porque, pelo lado da direita, a mídia corporativa, os partidos conservadores e os interesses da classe dominante se mesclam de tal forma para influir nos resultados eleitorais, que chega a ser redundante. Não foi à toa que a presidente da ANJ disse, sem meias palavras, que a mídia estava assumindo o papel de oposição ao governo Lula, diante daquilo que ela considerava a fragilidade dos partidos da direita para tal missão.
Cartum: Edgar Vasques
Atualizado às 13h20min.
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