2 de junho de 2005

FICÇÃO? REALIDADE? SAMBA DO “CIROULO DOIDO”?

Enquanto isso, a área de comunicação do governo petista segue desfilando arrogância e incompetência, oferecendo justificativas para o mais frio dos observadores a respeito de certa dificuldade do partido em compreender o sentido da imprensa na sociedade democrática. Entre uma e outra força política, as possibilidades de a opinião pública vir a receber informação confiável e de qualidade nos próximos meses tende a cair sensivelmente.
(Luciano Martins Costa, jornalista.
http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=331IMQ004)
Com esta introdução, reproduzo texto do Eugênio escrito em 16/10/2004, por ocasião do segundo turno das eleições municipais em Porto Alegre. Um alerta em tempos pré-eleitorais aos partidos de esquerda, ou progressistas de verdade, que ainda são “confusos” em relação à importância de uma política de comunicação nestes novos tempos.
Claudia Cardoso.
02/06/2005.
O Partido dos Trabalhadores (PT) tendo assumido o poder após um golpe contra a Prefeitura de Porto Alegre, governou essa cidade com mão de ferro durante 16 anos.
Tudo começou no ano de 1988, quando o PT tomou de assalto o Paço Municipal e, ali, entrincheirou-se para não sair mais. Transformou a Prefeitura numa cidadela, cercada de arame farpado e sacos de areia. Impôs o seu projeto político altamente ideologizado e partidarizou a administração pública. Tornou compulsório, aos habitantes da cidade, o comparecimento nas reuniões do orçamento participativo sob pena de fuzilamento sumário.
A população farta de tantos desmandos e autoritarismo, rebela-se e, após uma violenta guerra civil, o PT aceita a realização de eleições diretas para a Prefeitura de Porto Alegre, cuja campanha está em curso.
FICÇÃO? REALIDADE? SAMBA DO “CIROULO DOIDO”?
Quem não conhece Porto Alegre, ou escuta os anúncios da campanha do candidato a Prefeito José Fogaça do PPS (Partido Popular Socialista, ex-Partido Comunista Brasileiro), pensaria que esta é a situação encontrada na cidade. Essa situação de tensão faz parte de uma estratégia criada pela campanha do candidato Fogaça. Senão, vejamos: Em um dos seus primeiros pronunciamentos, Fogaça dizia que iria “libertar e desamarrar” a cidade. Libertá-la de quê? Desamarrá-la de onde?
À primeira vista, parecem palavras ditas ao acaso, mas elas estão perfeitamente inseridas nessa estratégia maior de apresentar o PT como um partido autoritário e dogmático. Para tanto, o PT passou a ser um partido “radical”. A utilização dessa terminologia não se limita à campanha do Fogaça. Esses conceitos de “ameaça” e “autoritarismo” foram judiciosamente construídos pela mídia ao longo desses 16 anos, ocupando a Prefeitura de Porto Alegre como o partido majoritário da Frente Popular. Nunca é demais lembrar, que o termo “xiita” foi cunhado pela mídia para designar alguns integrantes do PT, que formavam uma “ala” dentro do partido, segundo certos “comentaristas” da imprensa local.
À medida que a campanha do Fogaça avança, outros termos vão sendo incorporados nesse glossário. A palavra “ódio” aparece na boca dos detratores do PT. Ela é usada com uma freqüência quase alarmante e, ironicamente, justamente por aqueles que denunciam tal situação. Fogaça diz, explicitamente, num dos seus discursos, que fará uma “mudança sem ódio”. Desde quando as mudanças, essas sim verdadeiras que o PT fez na Prefeitura, foram impostas pela violência ou pela coação?
Como bem observou Pedrinho Guareschi em texto que circula pela Internet, associa-se o PT com aquilo que há de ameaçador e demoníaco. E é muito sintomático ouvir das pessoas que dão depoimentos para o programa político do Fogaça, de que “o PT está com medo e por isso ataca” – outra palavra que faz parte desse glossário. Se nós observarmos bem este comportamento, ele é uma mera repetição daquilo que é veiculado na mídia hegemônica. Nós não percebemos, nessas pessoas, um discurso próprio ou original para avaliar a administração do PT.
Esses são os termos utilizados no arsenal para desqualificar a proposta petista de governar. É a forma corriqueira pela qual a oposição se refere ao PT. Mas há momentos em que essa crítica descamba para o jogo baixo e para a pura molecagem. Na terça-feira, feriado do dia 12 de outubro, um carro de som circulava pelo Parcão (Parque Moinhos de Vento). Dele, saía a seguinte mensagem: “Vamos acabar com a ditadura em Porto Alegre!” DITADURA? Qual é o sentido desse discurso?
Fogaça e sua equipe sabem que o PT é inatacável por esse lado. Não há como imputar ao PT qualquer tipo de comportamento autoritário ou ditatorial. Então, por que os articuladores da campanha do Fogaça insistem nisso? Porque eles sabem que boa parte da população compra esse discurso e o repete mecanicamente.
Por outro lado, Fogaça se apresenta como o candidato da “mudança” – mais uma do glossário. O bom moço que administrará Porto Alegre, “preservando o que é bom e mudando o que não está bom”. Por trás dessas palavras macias e de musiquinhas adocicadas, Fogaça vai fazendo a mesma trajetória do atual Governador do Estado – Germano Rigotto – que se apresentava como o candidato do “coraçãozinho”, que mantinha um distanciamento olímpico da disputa política e que iria “unir o Rio-grande” (unir: mais um dos termos de campanha contra o PT). Além disso, Fogaça tenta disfarçar aquilo que é o seu calcanhar de Aquiles, ou seja, que ele simplesmente NÃO TEM PROJETO POLÍTICO. Respaldado por uma sigla de aluguel, o PPS, ex-PCB (coisa que nunca menciona), ele faz uma campanha, apresentando um projeto que mais parece uma colcha de retalhos das propostas dos vários candidatos que participaram do 1º turno, sendo que a mais importante é o Orçamento Participativo (OP) , que é o maior feito do PT. Fogaça repete ad náusea que não acabará com o OP e com outras políticas que funcionaram em Porto Alegre, proeza essa que beira às raias do surrealismo, visto ser o seu Vice um inimigo declarado dos projetos populares do PT, bem como toda a aliança de partidos que o apóia.
Ainda como parte dessa estratégia, Fogaça tenta desqualificar o debate político, quando diz que “Raul se desespera e ataca”. Essa tem sido, aliás, uma estratégia do campo conservador, a de criar no imaginário popular a idéia de que a disputa política e o confronto de idéias são “baixaria”, “ódio” e “desespero de causa”. Desde quando o campo da política deixou de ser um território de disputas, de princípios e de interesses? A direita tenta, por todos os meios, mascarar essa situação, como se, na política, não existisse o confronto, o embate e como se, ali, não fosse o espaço de disputa dos interesses da sociedade. Ela tenta desconstruir o discurso político naquilo que é a sua essência e a sua função, que é a discussão das idéias e dos interesses antagônicos. Por isso se faz política: aquilo que não consegue ser resolvida pelas vias políticas transforma-se em guerra. Rigotto, na campanha de 2002, valeu-se dessa artimanha com sucesso, apresentando-se como o candidato “acima do bem e do mal”, enquanto os outros candidatos “batiam boca”. Ele era o candidato “do bem”, aquele que não queria “briga” com ninguém.
Posto tudo isso, as perguntas que se impõem são as seguintes: como o PT, depois de 16 anos de mandato em Porto Alegre, ainda não conseguiu criar, no eleitorado porto-alegrense, uma consciência política que o imunizasse de um discurso tão primário, demagógico e oportunista como este empregado pela campanha do Fogaça? Como alguém como ele, com uma trajetória política tão lesiva ao interesse público, sem programa partidário consistente, consegue, com um jogo de palavras, criar uma situação de tamanho constrangimento ao PT?
Sim, porque se nós realmente tivéssemos um povo politizado como reza a lenda, políticos como o Fogaça sequer chegariam ao 2º turno. Talvez o PT confie demais no mito de que “o povo gaúcho é politizado” e descuide, grosseiramente, da sua formação política. Saltam aos olhos de qualquer pessoa as realizações administrativas do PT, elas são inquestionáveis. Tanto isso é verdade, que o próprio Fogaça se vê obrigado a admitir isso.
Está evidente esta incapacidade do PT de se comunicar com a população e isso vem se tornando um problema crônico. A cada eleição vive-se essa angústia de ter que disputar espaço com candidatos de discursos demagógicos e superados. Foi assim com Tarso e Collares na eleição passada, em que, no debate do 2º turno, Collares sequer respondia às perguntas formuladas pelo Tarso.
O PT tem sido extremamente descuidado com o seu discurso e com o discurso que a mídia hegemônica constrói e termina pautando os ditos candidatos de oposição e boa parte da população. Por que o PT não consegue fazer o seu discurso e as suas realizações chegarem à nossa população? Está aí uma questão que necessita ser avaliada daqui para adiante com um extremo cuidado.
Uma das causas dessa dificuldade que o PT enfrenta é o papel que a mídia hegemônica desempenha na criação de um discurso hostil a um projeto de esquerda em Porto Alegre. Porém isso não pode servir de desculpa, visto que não é a primeira vez que a mídia articula e pauta a oposição. No entanto, não se vê, por parte do PT um enfrentamento sério dessa questão.
A Prefeitura de Porto Alegre já deveria ter estabelecido como prioridade a criação de uma rede de comunicação que envolvesse rádios comunitárias, jornais de bairro e, quem sabe, até mesmo um canal de comunicação próprio, seja ele um jornal ou uma rádio que levasse, ao conhecimento da população, as realizações da administração municipal. Está provado, que a realização de obras só não basta. Para se ganhar uma eleição, é necessário deixar claro, falar para a população sobre elas por mais óbvio que isso possa parecer.
O PT enfrenta, a despeito da mediocridade desse candidato oposicionista - Fogaça - um sério risco de perder esta eleição. E, se ganhar, seguramente enfrentará uma nova investida dessa natureza na próxima eleição. Assim, o Partido dos Trabalhadores precisa dotar a população da capacidade de analisar, perceber a diferença entre um político sério, com propostas sérias, de um falastrão demagogo.
Eugênio de Faria Neves.
16/10/05

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