27 de agosto de 2005

Luciana Genro, a mídia e a ingenuidade das esquerdas

Luciana Genro, a mídia e a ingenuidade das esquerdas
Por Eugênio Neves - 25/08/05

A dimensão do fenômeno

Qual é o entendimento que as pessoas têm em relação ao fenômeno mídia? Podemos afirmar, sem receios, que independentemente do grau de instrução, de renda, ou de idade, todas as pessoas serão unânimes em reconhecer a importância da mídia na sociedade contemporânea. No entanto, são poucas as pessoas capazes de entender e dimensionar esse fenômeno em toda a sua amplitude. E isso, também independentemente do grau de instrução, de renda, ou de idade.

Dimensionar esse fenômeno em toda a sua amplitude, significa compreender o papel da mídia como instrumento de poder ou como sendo o próprio poder. Esta é uma percepção para poucos. É alarmante constatar o quanto as pessoas rendem-se ao fetiche desse poder, mesmo quando, por dever de ofício, deveriam ser mais cautelosas em relação a ele. E esta rendição assume contornos catastróficos, quando essas pessoas são do campo da esquerda. A esquerda, em todos os seus matizes e por tudo o que tem demonstrado, parece incapaz de formular uma análise precisa sobre o papel da mídia hegemônica.

Um exemplo atual

A entrevista da Dep. Federal Luciana Genro (P-SOL/RS), no dia 12/08/05 ao apresentador Jô Soares (TV Globo), pode ser considerada um exemplo acabado desta incapacidade de avaliação. Jô Soares tem feito uma série de programas, onde "pretende" discutir a crise política que domina a cena brasileira no momento e que envolve, principalmente, o Partido dos Trabalhadores (PT). A entrevista inaugural desta série, foi com o ex-Deputado Federal cassado Roberto Jéfferson (PTB/RJ): uma verdadeira ópera bufa, um deboche à consciência e ao bom senso, onde um corrupto, réu confesso, foi elevado à condição de herói nacional.

Antes de analisar a entrevista propriamente dita, vou me socorrer no texto do jornalista Marco Aurélio Weissheimer, um profissional que tem talento para escrever e que vê essa questão exatamente como eu a vejo. Ele fez a apresentação do último livro de Pedrinho Guareschi e Osvaldo Biz - "Mídia e Democracia". Lá pelas tantas, Weissheimer diz que o livro mostra a "natureza e as ramificações de um poder (mídia) que não cessa de crescer e se metamorfosear. Esse processo de constante mudança e adaptação lança enormes desafios a todos aqueles que lançam um olhar crítico aos seus efeitos na vida cotidiana, identificando nele um vetor de autoritarismo e banalização da vida. E estes desafios estão longe de ser superados, muito longe. Essa dificuldade deve-se, em boa medida, a uma profunda incompreensão sobre o preço que esse poder cobra de quem julga estar se aproveitando dele. (...) E o constrangimento é maior justamente para quem pretende, ao menos em tese, sustentar uma posição crítica ao comportamento da mídia".

Weissheimer prossegue: "... o jornalista e ativista francês Bernard Cassen fez uma dura advertência sobre os riscos da presença destas ilusões (ocupar todos os espaços, ou "contrabandear críticas" para dentro deles) entre o movimento altermundista. As palavras de Cassen podem se aplicar, sem maiores dificuldades, à esquerda em geral. O diretor do jornal 'Le Monde Diplomatique' lançou, então, uma pergunta para provocar o debate: por que a crítica ao sistema midiático teve um atraso em relação à crítica da globalização neoliberal? A resposta, segundo ele, passa pela constatação de que uma parcela importante de atores desse movimento evita críticas diretas à atuação da mídia, por acreditar precisar dela."

Esta é a questão fulcral. E é exatamente daí que farei a análise da entrevista da Dep. Luciana Genro ou seja, de alguém que demonstra uma "profunda incompreensão sobre o preço que esse poder cobra de quem julga estar se aproveitando dele" e de quem "evita críticas diretas à atuação da mídia, por acreditar precisar dela."

Luciana Genro, conhecida pelos seus enfrentamentos com os interesses do Capital, foi incapaz, quando da sua entrevista ao "Programa do Jô", de formular uma crítica sequer à mídia burguesa, corporificada na TV Globo que detém mais de 53% do mercado televisivo do Brasil. Como foi incapaz, também, de tecer qualquer comentário sobre o "jornalismo" escandalosamente manipulativo da revista Veja. E disse mais (ou não disse): além de não criticar a grande mídia, Luciana Genro elogiou-a, dizendo que ela está fazendo uma ótima cobertura jornalística dos episódios envolvendo o caso que ficou conhecido como "mensalão". Luciana se omitiu em apontar a mídia como a fiadora das práticas políticas que desembocaram nessa crise. Se agora essa mídia, num "distanciamento" olímpico, faz essas denúncias, o faz por pura conveniência e oportunismo, pois que ela não iria perder a chance de destruir o PT como força política e por tabela, inviabilizar, por muitos anos, qualquer projeto de esquerda no Brasil.
Assim, a pergunta que não pode deixar de ser feita é a seguinte: em que outra oportunidade Luciana Genro seria chamada a dar uma entrevista na Globo? Luciana foi ali chamada, não para dizer o que ela queria, mas antes do tudo, para dizer o que os donos na mídia queriam que ela dissesse, ou seja, que a mídia esta fazendo uma ótima cobertura jornalística da crise. Parece que seus objetivos foram amplamente atingidos. E quem mais do que ela, com a legitimidade de uma expulsa do PT, para dizer isso?

Comentando essa entrevista, o jornalista Gibran Lachowski, de Cuiabá, bem observa: "Como se vê, Luciana Genro esteve num tremendo centro nervoso do Capital, mas, doce, não falou disto, nem implicitamente. Assim como Luciana Genro não falou do "coronelismo eletrônico" - expressão de Pedrinho Guareschi e Osvaldo Biz, citada no livro "Mídia & Democracia", de autoria da dupla (2005, 1a edição, editora Evangraf)".E ironizando, Lachowski continua: "Estou citando isso para mostrar que Luciana Genro foi à Globo com o intuito de expor sua visão, a do partido ao qual pertence, expor sua crítica ao PT, ao governo ao Lula, ganhar espaço para sua agremiação nas eleições de 2006, e por meio da Mídia do Capital, daquela que até a "esquerda do PT" detonou. Mas Luciana Genro não lembrou da campanha anti-PT de 89. Não estou dizendo que ela deveria ter lembrado disso na entrevista com o Jô. Estou apenasmencionando que ela não o fez".

Então, o problema maior nem estaria naquilo que Luciana falou e sim naquilo que ela deixou de falar. Por ingenuidade? Por conveniência? Por receio? O certo é que uma deputada de esquerda, combativa como ela é, deixou passar uma oportunidade ímpar de denunciar o poder midiático, que se traveste de imparcial e democrático, quando, na verdade, é o responsável por toda uma série de manipulações, omissões e mistificações que transformam versões em fatos e vice-versa, ao sabor das conveniências dos donos do poder midiático.
Mas seria uma injustiça atribuir só a Luciana Genro essa incapacidade de avaliar o fenômeno mídia. Como apontou acima Marco Aurélio Weissheimer "...As palavras de Cassen (sobre o risco da relação dos movimentos altermundistas com a mídia) podem se aplicar, sem maiores dificuldades, à esquerda em geral."

Entre a cruz da teoria e a espada da prática

Em seu livro "Esquerda em Processo" Tarso Genro identifica com precisão o quanto a mídia se transformou nesse poder anti-democrático e sugere a criação de "uma estrutura estatal de caráter político-administrativo", para garantir a "liberdade de informação e de opinião, hoje totalmente comprometidas pela verdadeira ocupação que as elites fizeram dos meios de comunicação mais potentes e incidentes sobre a vida cotidiana". Isso seria feito através de "um conselho permanente de democratização da informação, formado por representantes designados pelos três poderes e pelos partidos políticos, mas cuja composição majoritária seria formada por membros eleitos nos Estados".
Em síntese, o que Tarso recomenda é a adoção de medidas concretas para estabelecer um controle social sobre esse setor estratégico. Mas parece haver um abismo entre a prática, o discurso de Tarso e o Governo que ele representa. Pois Lula não recuou, melancolicamente, no embate que teve com a mídia hegemônica por conta do encaminhamento do projeto de lei que criava o CFJ - Conselho Federal de Jornalismo? Parece que ninguém do PT leu esse livro, incluindo o próprio Tarso que o escreveu. E Luciana muito menos ao participar do "Programa do Jô" daquela forma.
O episódio do CFJ é um marco para o entendimento de como a direita, detentora do poder midiático e do capital, e a esquerda, vítima dele, encaram a questão da comunicação. Cabe aqui, a título de esclarecimento, dizer que o CFJ era uma aspiração da categoria dos jornalistas, construída ao longo de 20 anos, através de suas representações reunidas na FENAJ - Federação Nacional dos Jornalistas. Este conselho teria por função, normatizar tudo àquilo que se referisse à ética jornalística, criando mecanismos legais para coibir os abusos das empresas de comunicação. Sentindo o perigo que isto representaria aos seus interesses, a mídia corporativa se lançou, com uma agilidade impressionante, numa campanha insidiosa, acusando o CFJ de ser uma tentativa de censurar a liberdade de imprensa e uma atitude autoritária do Governo aos moldes da censura praticada durante o regime militar. Tal campanha escamoteou os verdadeiros interesses do patronato da mídia e indispôs a sociedade contra a criação do conselho. O Governo acovardado, na pessoa do deputado João Paulo Cunha do PT, enquanto presidente da Câmara, sepulta definitivamente o CFJ, numa negociação tacanha para limpar a pauta de votação da Casa. Agora, ironicamente, este senhor recebe a recompensa pelos bons serviços prestados, quando a mesma mídia que tanto beneficiou, aponta-lhe o dedo, denunciando-o como um dos beneficiários do caixa dois da campanha eleitoral. Esta falta de visão estratégica, tirou da pauta, por muitos anos, qualquer tentativa de discussão sobre a democratização da comunicação.
Não satisfeita com a destruição do CFJ, o patronato da mídia ainda a criação da Rede Nacional pela Liberdade de Imprensa, uma associação da ANJ - Associação Nacional de Jornais - com a UNESCO. Essa é a diferença entre a esquerda e a direita: eles sabem onde está o seu interesse e se movimentam com precisão e a rapidez de um raio para garanti-los.

Na entrevista com Luciana, o "Gordo" baliza o território no qual ela poderá se movimentar, dizendo que não venha "com esse papo de esquerdinha". Surpreendentemente, Luciana não esboça nenhuma reação diante desta provocação rasteira, contrapondo ao entrevistador que ela é, sim, uma mulher de esquerda, que defende posições muito claras e sempre foi fiel às suas teses. Tanto que essa coerência lhe custou a expulsão do PT.
No decorrer da entrevista, percebe-se claramente que Luciana aceitou as condições que lhe foram impostas. O "entrevistador" deita, rola e enrola e, como é de seu costume. Leva a entrevista para onde lhe convém, introduzindo, na discussão, comentários e indagações completamente impertinentes, como a cor dos olhos da deputada e se ela era vítima de assédio.

A falta de estratégias para o enfrentamento

O que os "esquerdinhas" (como diria o rechonchudo "entrevistador") não entendem é que, quando se concede entrevistas a "(de)formadores de opinião" ao estilo "Jô Soares", reconhece-se neles interlocutores válidos. Mesmo quando criticados, valem-se daquela velha máxima do "falem mal, mas falem de mim", o que em última instância lhes garante notoriedade. Essa notoriedade acaba, rapidamente, transformando-se em "legitimação", por conta do aparato midiático que esta por trás deles. Esse aparato lhes garante força e prestígio. Investir contra tais personagens pode significar o "ostracismo midiático", pode significar nunca mais ser chamado para dar entrevista no programa do tal sujeito. Como ninguém, isoladamente, quer pagar o preço desse enfrentamento (nem Luciana o quis), esses indivíduos se sentem intocáveis, acima do bem e do mal. Tão acima do bem e do mal, que Jô Soares chega ao ponto de transformar o seu programa, uns dias antes da entrevista com Luciana, num palanque eleitoral para o réu confesso Roberto Jefferson. Com direito a cantoria, ovação da claque e, sobretudo, sem temer que ninguém lhe passe uma reprimenda por isso!
Por outro lado, com uma estratégia consistente para este enfrentamento, ou seja, se houvesse por parte dos movimentos populares e dos partidos de esquerda, uma diretriz de como se portar diante dos "(de)formadores de opinião", o resultado poderia nos ser favorável. Se todos os que participassem desses programas o fizessem de forma "agressiva", de modo a desconstruir a imagem desse "comunicador", expondo suas contradições e por que não dizer - sua incompetência e má fé - diante do "seu" próprio público, esse desgaste individual ficaria minimizado. Assim, só restará aos "(de)formadores de opinião" duas alternativas: continuar convidando aqueles que lhes são antagônicos, correndo o risco do embate ou só convidar aqueles que comungam com sua maneira de pensar, perdendo, porém, o contraponto que os legitimam.
Lidar com tal situação, exigiria por parte dos movimentos populares e dos partidos de esquerda, um trabalho minucioso que teria de chegar até um estudo do perfil psicológico e do comportamento desses "(de)formadores de opinião", de tal maneira a encontrar neles os pontos fracos, por onde se possa desarticulá-los.
A outra solução, mais complexa e demorada, seria os movimentos populares criarem seus próprios canais de comunicação, pois não podem ficar à mercê de tais "comunicadores". Claro que uma medida não exclui a outra.
Mas parece que tal percepção, para a esquerda em geral, é uma coisa muito remota. Tanto isso é verdade, que Luciana Genro sai do PT por divergências com a sua linha, funda um novo e repete o mesmo percurso do seu antigo partido, quando se trata de não formular estratégias para lidar com a mídia.

Repetindo o mesmo percurso

Para ilustrar, quando o pessoal do P-SOL esteve em Porto Alegre em 2003, no início da formação do seu partido, fui a uma reunião ocorrida no Colégio Rosário para dar uma espiada no andamento das coisas. Constatei o que temia. No seu manifesto, tratava-se de tudo o que se poderia imaginar - do DNA das rosas, até o direito das minorias habitantes da Polinésia - menos de uma coisa: mídia. Nenhuma palavra, nenhuma miserável palavra!!! Juro que tentei entender o porquê disso. Por que a esquerda, nos seus diversos matizes, não consegue enfiar na cabeça o que representa ter ou não ter acesso aos meios da comunicação? Até os antediluvianos evangélicos se engalfinham por concessões públicas de rádio e TV!!! Mas os nossos "esquerdinhas" acham que podem saltitar pelo paraíso, sem essas "reles preocupações". Eu pergunto: será que, quando nos tornamos esquerdistas, aquela parte do cérebro, que deveria registrar essa informação, necrosa??? Só isso pode explicar esse fenômeno generalizado na esquerda. Prova disso é que até hoje o PT não apresentou uma política de comunicação eficiente, tanto no que diz respeito à concepção teórica daquilo que deveria ser uma mensagem de esquerda para a sociedade, bem como obter os meios materiais para fazer com que essa mensagem chegue ao seu objetivo, que é o eleitor. Pior ainda: antes mesmo de termos conseguido formular esse projeto, o PT descamba para práticas marqueteiras de "vender" política como se vende sabão em pó, e se envolve com gente da espécie de Duda Mendonça, com todas as nefastas conseqüências que ora presenciamos. Hoje, todos dirão que constatar isto é o óbvio diante da crise que se instalou. Só que esta referência a Duda Mendonça fiz em correspondência ao Dep. Flavio Koutzii datada de 27/10/04, tratando exatamente deste mesmo tema. O tempo, infelizmente, só veio a confirmar meu temor.

A cobertura dada pela mídia, particularmente pela RBS, desta reunião do P-SOL da qual participei e a qual me referi, ilustra gritantemente o quanto a esquerda negligencia a questão da informação. E dá bem a medida de como ela, a mídia, se comporta de forma hostil aos partidos de esquerda, ora atacando diretamente as suas teses, ora ridicularizando seus representantes. Para o melhor entendimento, cabe uma descrição dos acontecimentos. Essa reunião ocorreu numa sexta-feira no final do ano de 2003. Os fatos se sucederam na seguinte ordem: os participantes se reuniram no auditório lotado e os trabalhos foram iniciados com a entrada, ao mesmo tempo, de todos que comporiam a mesa, a saber: Luciana Genro, João Fontes, Babá, Heloísa Helena, Milton Temer, Roberto Robaina mais representantes de entidades locais. Assim que todos se acomodaram em seus lugares, um violonista executou algumas músicas e, a seguir, foi dado o início aos trabalhos com discursos de todos os expulsos do PT e mais os convidados. Cada um, nas suas intervenções, abordou as questões do momento nacional. No entanto, como já foi dito, nenhum deles tratou do tema mídia.
O que o jornal Zero Hora, da RBS, publicou sobre este evento no dia seguinte? Como é de seu costume, esse veículo distorce completamente os acontecimentos. Informou que a Senadora Heloísa Helena foi a última a entrar no auditório, tal uma "super star", coisa que não ocorreu conforme relatado acima. Em nenhum momento, a matéria cita as discussões político-filosóficas que foram travadas neste encontro. O texto finaliza com uma referência irônica à coleta de dinheiro para ajudar os organizadores a custearem o aluguel do auditório, dizendo que o "partido passou a sacolinha". Como se vê, o P-SOL é tratado da mesma forma debochada e caricata, tal como o PT era tratado na época em que estava se constituindo como partido.

A rendição à metodologia dos "outros"

Uma outra coisa que não consigo entender e que é preciso ser analisada por toda a esquerda, é por que o PT, um partido que conseguiu se constituir a despeito do desprezo da mídia hegemônica, hoje se rende incondicionalmente a este poder. Ela tem tratado o campo popular e todas as questões, que a ele se referem, com inegável hostilidade. Podemos até denominar esse fenômeno como uma "criminalização dos movimentos sociais". Além disso, a mídia omite informações, manipula descaradamente os fatos, edita debates, etc. Aqui no RS, por exemplo, a RBS aprendeu que pode tripudiar sobre o PT que "não dá nada". Agiram sempre assim e, nas eleições de 2002, isso ficou tão escancarado, que vários assinantes do jornal Zero Hora cancelaram suas assinaturas. Apesar dessas sucessivas ofensivas midiáticas, os partidos de esquerda no nosso Estado e no Brasil nunca conseguiram produzir contra-medidas satisfatórias à mídia hegemônica e seu "jornalismo" venal.

No campo da comunicação, o PT praticou uma espécie de rendição à "metodologia" dos partidos de direita. Diferentemente desses partidos, o PT tem uma origem popular que sempre lhe garantiu uma base sólida de apoio, projetando-o no cenário nacional.
A partir de um determinado momento, não se sabe exatamente quando, o chamado campo majoritário do partido, talvez sentindo-se seguro o suficiente para se distanciar da militância em nome de um pragmatismo duvidoso, aproxima-se de práticas e métodos utilizados pela direita. Essa tendência se torna particularmente dramática, no que diz respeito à questão da comunicação. Sai de cena o megafone e entra o marqueteiro. Esta mudança de diretriz na campanha presidencial de 2002, já reflete, de certa forma, também uma mudança ideológica, que se materializou, por exemplo, na condução da política econômica do Governo Lula. Naquele momento, o PT passa a incorporar um fazer político que contrasta visivelmente com aquilo que historicamente era a sua prática: o terno do candidato à presidência se torna mais importante do que o discurso; a cor da gravata ocupa o lugar da militância e outras tantas concessões. Fica a sensação, de que o percurso histórico do PT de nada lhe serviu para chegar à presidência em 2002. Nada mais falso do que isto: as condições históricas já estavam dadas e os marqueteiros foram um luxo do qual poderíamos ter sido poupados.

Futuro mais do que incerto

Além de tudo que já foi dito, percebe-se, na atuação da mídia, um objetivo mais sinistro. Podem até dizer que se trata de uma teoria conspiratória, mas a impressão que tenho, é que a mídia, intencionalmente, na medida em que se torna mais complexa e em que acumula mais poder, tenta descaracterizar o papel dos políticos e dos partidos. É como se ela quisesse, substituindo o papel dos partidos, mediar os interesses e os conflitos dentro da sociedade. Pois ela não costuma pregar aos quatro ventos que é "imparcial"? Portanto quem melhor do que ela para tal mediação? Ela jamais "partidarizaria" ou "ideologizaria" o poder em "seu benefício". Para que políticos? Para que partidos, se a sociedade pode "tão bem" ser representada por ela - a mídia? Esse é um dos discursos - o da "imparcialidade" - mais cínicos que este poder midiático está construindo, uma vez que ele é um dos braços do poder, quando não, o próprio poder. Como o poder está inevitavelmente ligado a uma ideologia, sendo a mídia parte dele ou ele mesmo, também ela nunca poderá ser "desideologizada" ou imparcial. Inacreditavelmente, isso não é percebido pelo campo da esquerda, que obstinadamente se recusa e entender o papel estratégico da comunicação para a sua sobrevivência política.

Em a esquerda persistindo nesse caminho da ingenuidade, ou seja, sendo incapaz de perceber a mídia na sua real dimensão, quanto tempo levará, para que o P-SOL, por exemplo, renda-se aos mesmos esquemas de fazer política aos quais o PT se rendeu?

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