4 de junho de 2007

"Com este jornalismo a população não tem direito à verdade"

Uma matéria sobre a morte do dono do Grupo Folha, Otávio Frias, em abril, no jornal "Meio e Mensagem", foi o motivo para se demitir o editor responsável, Costábile Nicoletta. A reportagem citava a contribuição dada por Otávio Frias ao jornalismo, mas também - como em outros veículos de comunicação - a posição pró-militar do jornal Folha de São Paulo no período do golpe, em 1964. A diretoria do Meio e Mensagem, do qual a Folha de São Paulo é anunciante, não gostou da citação e demitiu o editor.
O tratamento dado por alguns veículos de comunicação à grandes grupos econômicos ou políticos não é novidade, mas muitas vezes causa discórdia entre proprietários e alguns jornalistas que procuram cumprir com seu compromisso com a verdade. Na Rede Globo, por exemplo, diversos jornalistas têm denunciado esta pressão feita por seus superiores. No mês de março, Marco Aurélio Mello, editor de economia do Jornal Nacional, que há 12 anos trabalhava na empresa, foi demitido dias após se negar a preencher um abaixo-assinado que circulava na emissora, negando que a empresa havia tentado influenciar o resultado das eleições. Pra falar sobre sua demissão e outras questões ligadas à imprensa, a Radioagêcnia NP, entrevistou o jornalista Costábile Nicoletta, editor demitido do jornal "Meio e Mensagem".Ouça agora a entrevista.
Radioagência NP: O vice-presidente do "Meio e Mensagem" sentiu-se na obrigação de se pronunciar sobre sua demissão. Em nota à imprensa ele declarou que seu erro foi gravíssimo. Qual foi o seu erro Costábile?
Costábile Nicoletta: Não dá pra imaginar pelo bom jornalismo, que se faça um obituário e só se mostre as coisas boas da pessoa. Porém também consta sobre Frias, uma série de outras coisas, outros pontos negativos que eu julguei que deveriam aparecer na matéria. Aliás, qualquer pessoa que siga o jornalismo honesto faria uma coisa destas. A alegação da empresa é de que aquele tipo de informação não se prestava aos leitores do "Meio e Mensagem", que este tipo de informação era dispensável. Eu discordei, muito pelo contrário, principalmente pelo "Meio e Mensagem" ser uma publicação especializada, ela deveria oferecer aos seus leitores uma matéria um pouco aprofundada do que os demais veículos de comunicação.
Radioagência NP:Demissões de jornalistas por questionarem a política dos veículos onde trabalham tem sido bastante divulgados. Você acha que eles têm ocorrido com mais freqüência ou os profissionais não estão mais agüentando?
CN: Eu acho que as duas coisas. Este tipo de pressão sempre houve, porém não aparecia como devia, justamente porque quem é responsável pelas informações são os donos dos jornais. São as próprias pessoas que fazem com que este tipo de informação não chegue até o leitor comum. Com o advento da internet fica cada vez mais difícil de ser escondido nas redações. Acho que as pessoas também já estão num ponto de saturação tamanha, em relação a este tipo de intervenção nas redações, que chega num ponto que os jornalistas profissionais pensam o que mais pode ferir sua dignidade, mesmo que isso lhe custe o emprego.
Radioagência NP: Qual o prejuízo da população com este tipo de jornalismo condicionado a grandes empresas?
CN: O prejuízo é a população não ter direito a verdade. Você imagina se as pessoas que lêem jornal e tem televisão por assinatura em casa, diante da realidade brasileira são privilegiadas, em relação ao grande contingente de pessoas com poder aquisitivo baixo. Se estas pessoas que tem acesso à informação, já podem estar sendo submetidas a um tipo de informação que não é totalmente verdadeira. Imagina o restante. Mas isto tem que ser uma preocupação de cada um de nós jornalistas. A responsabilidade é nossa e não podemos abdicar dela. Precisamos do emprego, mas a gente precisa também de dignidade. Antes de tudo precisamos de dignidade para poder cumprir nosso papel.
Radioagência NP: Você acha que a discussão a respeito da criação do Conselho Nacional de Jornalismo deveria recomeçar?
CN: Sou favorável a que haja pelo menos uma discussão sobre a necessidade de um Conselho Federal de Jornalismo. A maior prova de que ele ao menos precisa ser discutido foi dada quando o projeto estava para ser votado. Todos os meios de comunicação se apressaram para mostrar somente o lado que eles consideravam negativo, e muito pouco se ouviu as pessoas que eram favoráveis. Por aí podemos entender que há a necessidade de existir um tipo de organismo que de alguma maneira supervisione a imprensa. Os meios de comunicação são os primeiros a dizer que o judiciário tem que ter um controle, que o poder legislativo tem que ter um controle. Todo mundo tem que ter um controle, menos os meios de comunicação?
Vocês acabaram de ouvir a entrevista com o jornalista Costábile Nicoletta.
De Brasília, da Radioagência NP, Gisele Barbieri
28/05/07

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