12 de junho de 2007

"ZH: 40 anos manipulando informações"

Em 2004, escrevi este artigo abaixo. Na época, pretendia escrever mais sobre o assunto, coisa que não pude fazer e produzi apenas dois textos. Em virtude do tema ter voltado à tona, com a publicação do editorial do jornal O Globo no blog, mais as publicações no RSurgente (aqui e aqui), achei melhor contribuir para o debate. É bom lembrar, que a Zero Hora só passou definitivamente para a família Sirotsky em 1970, quando Maurício Sirotsky Sobrinho compra a parte de Ary de Carvalho.
Zero Hora: 40 anos manipulando informações.
Este é o primeiro de uma série de artigos que o Midi@ética irá escrever sobre a origem do jornal Zero Hora, que completa 40 anos de existência no dia quatro de maio de 2004. O nosso objetivo é mostrar à sociedade o contexto em que este veículo, hoje do Grupo RBS (Rede Brasil Sul de Comunicações), surgiu. Segundo Biz[1] (p. 35):
“Houve a extinção do Última Hora por razões políticas e o seu sucedâneo, é claro, deveria estar afinado com as contingências da ditadura. Mesmo os seus pró-homens nunca negaram as raízes do jornal. Zero Hora, indiscutivelmente, foi concebido como cria do autoritarismo. (Guareschi e Ramos, 1992, p.70)
Zero Hora nasce num momento histórico de derrubada do Estado democrático, permanecendo de mãos dadas com os donos do poder político.”
A idéia inicial era a de compilar as capas de Zero Hora do mês de maio de 1964 e, a partir delas, fazer uma análise do seu alinhamento político com a ditadura recém imposta ao povo brasileiro. Porém, toda idéia inicial encerra desdobramentos que vão além do seu foco e, ao folhear os exemplares dos dias quatro, cinco e seis de maio do respectivo ano, deparamo-nos com um universo rico para a nossa pesquisa. Em seus três primeiros exemplares, o embrião já está formado: manipulação de informações, autopromoção, manchetes que não condizem com o conteúdo da matéria publicada na mesma edição, alinhamento com o poder instituído, “defensor” do seu público leitor.
No expediente, consta:
Zero Hora: Editora Flan S/A
Rua 7 de setembro, 738.
Fones: 4978 e 5864
Diretor Responsável: Ary de Carvalho
Conselho de Administração: Dante de Laytano, Ricardo Eichler. Otto Hoffmeister e Evaristo Ribas Soares[2]
Conforme Biz[3],
“Ary de Carvalho adquire o jornal, muda o nome para Zero Hora. No primeiro editorial, de 4 de maio de 1964, conforme Galvani (1995, p. 461), lemos:
‘Nasce hoje um novo jornal, autenticamente gaúcho. Democrático. Sem compromissos políticos. Nasce com um único objetivo: servir ao povo, defender seus direitos e reivindicações, dentro do respeito às leis e às autoridades.’
A partir de 1965, a empresa passa a se chamar Empresa Jornalística Sul-Rio- Grandense. Dois anos mais tarde, Maurício e Jayme Sirotsky compram a participação do grupo que está associado a Ary de Carvalho e, a partir de 1970, adquirem a parte do fundador do Zero Hora. O jornal muda o logotipo, moderniza-se e altera os padrões administrativos.”
Como é do conhecimento de todos e de todas, o Grupo RBS detém, atualmente, a hegemonia da comunicação aqui no estado do Rio Grande do Sul, com os seus jornais, redes de televisão, TV a cabo, provedor de Internet, em desacordo ao artigo 220, parágrafo 5º da Constituição Brasileira de 1988[4], mas isso é assunto para outros artigos. A família Sirotsky permanece na condição de dona da empresa.
Neste artigo, iremos transcrever, na íntegra, o editorial de Zero Hora do dia 4 de maio de 1964 (capa) e a carta do Gen. Mário Poppe de Figueiredo, o comandante do III Exército, do dia 6 de maio de 1964, p. 7, para ilustrar o que foi dito até agora.
Editorial:
“Servir ao povo é o nosso lema”
Nasce hoje um novo jornal, autenticamente gaúcho. Democrático. Sem compromissos políticos. Nasce com um único objetivo: servir ao povo, defender seus direitos e reivindicações, dentro do respeito às leis e às autoridades.
O aparecimento de Zero Hora, totalmente desligada da Rede Nacional de jornais que anteriormente editava Última Hora, somente foi possível com a compra do controle acionário da Editora Flan S.A. por um grupo de representantes das diversas classes sociais.
A par de sua orientação, Zero Hora se manterá na linha de defesa dos princípios cristãos e de apoio a todos que, sem medir esforços ou sacrifícios, lutam para impedir a implantação em nosso país de ideologias contrárias às nossas tradições democráticas.
Zero Hora conserva alguns redatores e colunistas do jornal anterior, pela posição que esses profissionais desfrutam na imprensa gaúcha, bem como nomes realmente expressivos e já consagrados pelo público.
Ao entregar o 1º exemplar de Zero Hora, queremos agradecer às agências de publicidade e a todos anunciantes que prestigiam o lançamento deste jornal. Ao mesmo tempo, asseguramos aos leitores dar o máximo de nossos esforços para manter a melhor qualidade possível ao novo rebento da imprensa gaúcha.
Agora, vejamos: sem compromissos políticos e A par de sua orientação, Zero Hora se manterá na linha de defesa dos princípios cristãos e de apoio a todos que, sem medir esforços ou sacrifícios, lutam para impedir a implantação em nosso país de ideologias contrárias às nossas tradições democráticas. Mesmo afirmando o contrário no seu primeiro parágrafo de editorial, Zero Hora assume uma postura política sim no seu terceiro parágrafo. E essa empresa, através de seus vários veículos de comunicação, continua escamoteando do público a sua ideologia política, com discursos de empresa imparcial, que está a serviço do povo até os dias de hoje. Continuando, insiste na tese de ser um jornal democrático, mas traz, na raiz do seu editorial, a conjuntura de um país com Presidente da República deposto, governado por uma Junta Militar, cujas primeiras providências são as de iniciar o processo de cassação dos políticos da bancada do ex-Presidente, entre eles o então Prefeito de Porto Alegre, Sr. Sereno Chaise (ZH, 5/5/64, p. 4): a implantação em nosso país de ideologias contrárias às nossas tradições democráticas.
Finalizando esse artigo, a carta escrita pelo próprio punho do Gen. Mário Poppe de Figueiredo, estampada na capa de ZH do dia 6/5/1964 e reescrita na página 7, acompanhada dos seguintes título e texto:
“Gen. Poppe: Propugnará pelo ideal democrático”
O Gen. Mário Poppe de Figueiredo, comandante do III Exército, redigiu, de próprio punho, sua mensagem a ZH. “Recebi com muita simpatia o aparecimento de Zero Hora – escreveu. Com a orientação de propugnar pelos ideais cristãos e democráticos do povo brasileiro, será mais uma voz a conduzir a opinião pública no Rio Grande do Sul nos rumos tradicionais de nossa formação histórica. Auguro a Zero Hora uma longa e próspera existência.” Na foto, o momento em que o Gen. Poppe redigia sua mensagem de saudação.
A bênção que faltava: a do militar golpista, a autoridade maior, já que a autoridade civil brasileira estaria subordinada aos mandos e desmandos do governo militar imposto goela abaixo. E uma bênção para lá de profética: conduzir a opinião pública no Rio Grande do Sul. O jornal e os demais veículos do Grupo RBS, não contentes em ser formadores de opinião pública, ainda conduzem esta opinião, de acordo com os seus interesses econômicos até os dias de hoje. Como prova disto, temos a divulgação de pesquisa eleitoral manipulada pelo IBOPE nas últimas eleições para Governo do Estado do RS, que deu a vitória em dois turnos a Germano Rigotto e razão da existência do Midi@ética.
Nos próximos artigos, mostraremos mais exemplos desse alinhamento da Zero Hora com o Regime Militar, ainda sob a direção de Ary de Carvalho e já sob a direção dos Sirotsky. É o Midi@ética assumindo o seu compromisso junto à sociedade na luta pela democratização da comunicação. Demonstraremos que o jornal Zero Hora e o Grupo RBS jamais estiveram na defesa de um projeto realmente democrático de sociedade, quando prefere ficar sempre ao lado dos grupos mais poderosos. Mudou a forma do ano de 1964, séc XX, para 2004, séc. XXI, mas não mudou o conteúdo.
Midi@ética.
www.zerofora.hpg.com.br
zerofora@ig.com.br
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
GUARESCHI, Pedrinho & BIZ, Osvaldo (org.). Diário gaúcho: Que discurso, que
responsabilidade social?- Porto Alegre: Evangraf, 2003.
ZERO HORA. 4 de maio de 1964.
ZERO HORA. 5 de maio de 1964.
ZERO HORA. 6 de maio de 1964.
[1] GUARESCHI, Pedrinho & BIZ, Osvaldo (org.). Diário gaúcho: Que discurso, que responsabilidade
social?- Porto Alegre: Evangraf, 2003.
[2] ZERO HORA, 4/5/1964, p. 4.
[3] In Diário Gaúcho, p. 34.
[4] “Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio.”

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